Cobertura

Mestre Ambrósio celebrando em casa

Público de Pernambuco e estados vizinhos matou a saudade da banda, no Recife, após quase 20 anos do último show

TEXTO Paula Passos

09 de Janeiro de 2023

Mestre Ambrósio no Clube Português (7/1/2023)

Mestre Ambrósio no Clube Português (7/1/2023)

Foto Hannah Carvalho/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online] 

A longa espera por um show do Mestre Ambrósio na capital pernambucana acabou na noite do último sábado (7) para o domingo (8), no Clube Português do Recife, com a chegada da turnê comemorativa dos 30 anos da banda à terrinha onde tudo começou. Mais de 300 profissionais cuidaram da organização para que tudo estivesse à altura do retorno esperado após quase duas décadas do último show. Mais de 3 mil pessoas compareceram ao local, segundo a produção.

Fizeram a abertura da festa a DJ Allana Marques e o cantor Nailson Vieira. Antes de Nailson subir ao palco, caboclos de lança entraram em cena, marcando que, a partir daquele momento, não só o maracatu de baque solto teria prestígio, mas a cultura popular como um todo.  

Nailson apresentou suas primeiras músicas com os músicos Leandro Gervásio (tuba), Guilherme Otávio (guitarra), Tarcísio Silva (trompete) e João Paulo Rosa (bateria). No repertório, versos improvisados, ciranda e um futuro a ser desbravado. Apesar da pouca idade, o jovem assume a presidência do Maracatu Estrela Brilhante de Nazaré, é trombonista, cantor, compositor e estudante de Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Este foi o maior público para o qual o músico já se apresentou até agora.  


Nailson Vieira abriu pros "Ambrósios". Foto: Hannah Carvalho/Divulgação

“Foi uma experiência superincrível começar 2023 abrindo um show do Mestre Ambrósio. Eles trouxeram o menino que eles viram crescer para o palco. Eu lembro que meu pai botava na radiola e eu cresci ouvindo. Quando eu chegava da escola, tinha Mestre Ambrósio tocando. Ainda lembro da capa do disco, a máscara e o chapéu, que eu não sabia quem era Ambrósio. Pensava que era só uma máscara. Só depois eu conheci o cavalo-marinho. Quando já estava maior, descobri que Mestre Ambrósio era todo mundo que brincava no maracatu comigo lá no Estrela”, disse à Continente

Já a jornalista Verônica Lemos, uma das que estavam na plateia do Português, acompanhou o início do grupo e cruzava com os integrantes pelos corredores do Centro de Artes e Comunicação (CAC), na UFPE. “A gente encontrava as estrelas que a gente curte no dia a dia. Eles já eram Mestre Ambrósio. Na época, tinha show na Concha Acústica, no hall do CAC. Era sexta-feira, final de tarde, a gente descendo a escada e eles tocando lá”, relembra com alegria.


Extra: Leia o perfil do grupo na ed. 265


Contou Verônica que aquele era um tempo de efervescência e ela era testemunha de uma sementinha que estava sendo cultivada dia a dia. “Naquela época, a gente imaginava que seria algo grande, porque víamos que era algo diferente em relação ao que se criava na música, mas não tínhamos noção ainda que haveria tanta projeção.” Pérside Omena, conservadora de obras de arte, também foi ao show de sábado (7), acompanhada das amigas da década de 1990: “Toda semana a gente ia dançar em algum show do Mestre Ambrósio. Eu fiquei superfeliz por eles estarem juntos de novo e é muito importante que essa música de qualidade seja preservada, assim como a cultura pernambucana”.  

Por volta de 1h do domingo, o show do Mestre Ambrósio foi anunciado pelo produtor musical Roger de Renor e pelo cineasta Nilton Pereira, do projeto Som na Rural, que acompanham o trabalho da banda desde o início. Quando o Mestre Ambrósio subiu ao palco, o público não conteve o grito guardado por tanto tempo, a euforia de estar vivendo um momento histórico. Muitas pessoas viam o grupo pela primeira vez, aliás.  Na plateia, pessoas do Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraíba e do Agreste pernambucano. A instrumental Benjaab iniciou o reencontro, seguida por uma das músicas mais conhecidas, José, e, depois, Três vendas. As três primeiras fazem parte do primeiro disco, Mestre Ambrósio (1996), gravado de forma independente.  

Gabriel Cardozo é natural de Correntes, em Pernambuco, mora no Recife desde 2018 e cursa Medicina na Universidade de Pernambuco (UPE). “Sou do Agreste e lá a gente tem uma vivência muito próxima do Sertão. Para nós, o Mestre Ambrósio é um acontecimento, porque ele vem do cavalo-marinho, é algo tão vivo no Agreste e na cultura de Pernambuco. A gente escuta e sente o cheiro de terra. É impressionante. Não consigo nem falar como materializar o sentimento desse retorno deles”, comentou. 

Gabriel tinha curiosidade de saber se os músicos tinham dimensão do quanto representam para as pessoas do interior que, naquele sábado (7), puderam estar em um show deles na capital. Siba respondeu: “A dimensão concreta não tem como eu ter, mas eu sei que o Mestre Ambrósio marcou a vida de muita gente no estado inteiro. Teve essa projeção forte e eu sei que lá fora [referindo-se à plateia] tem gente de todo lugar do Nordeste e, especialmente, de Pernambuco e da Paraíba”. Gabriel estava acompanhado da amiga e pedagoga Rosa Cardozo, que aguardava ansiosa para ouvir Fuá na Casa de Cabral


Eder “O” Rocha (percussão), Sérgio Cassiano (vocal e percussão), Maurício Badé (percussão e coro), Helder Vasconcelos (fole de oito baixos, percussão e coro), Siba Veloso (vocal, guitarra e rabeca) e Mazinho (baixo e coro). Foto: Hannah Carvalho/Divulgação

A festa continuou com Povo, do terceiro disco da banda, Terceiro samba (2001), lançado pela Chaos/Sony Music, apontando para um futuro onde “há de rebentar sempre nova flor”, seguida por fala de Helder Vasconcelos sobre estarmos respirando ares de renovação com a posse do presidente Lula. Fuá na Casa de Cabral foi tocada em seguida, para alegria de Rosa. 

A apresentação seguiu com o antigo coco Caninana. Em Vó Cabocla, o público fez coro sob o comando de Sérgio Cassiano. Gavião, Pescador e Coqueiros vieram em seguida. Em um dos momentos, Siba destacou a importância de não haver anistia para o genocídio brasileiro da pandemia de Covid-19. “Precisamos responsabilizar civis e militares pela matança de Covid”, pontuou, após destacar a importância da cultura popular para a construção da riqueza nacional, apesar de receber tão pouco incentivo.  

Jatobá, Pé de calçada, Circo de Seu Bidu, Mensagem pra Zé Calixto e Baile catingoso, todas do primeiro disco, estiveram no repertório, seguidas por Carneirinho e Chamá Maria. O fim se deu com a esperançosa Sóis. Quer dizer, o bis, como sempre, veio com: Se Zé Limeira sambasse maracatu; Esperança na mata e Os cabôco. A última anuncia o também esperado Carnaval, que se tornou ainda mais palpável com a Orquestra de Bolso, responsável pelo encerramento da noite.

Poucos segundos após sair do palco, o músico e cantor Sérgio Cassiano comentou sobre a experiência que acabara de viver: “Foi maravilhoso! Muita emoção e alegria, maior do que eu previa. O público de Recife foi o público que nos viu nascer, que nos impulsionou e nos deu sustentabilidade para poder correr mundo. Aqui é muito especial”!  

O primeiro disco, por sinal, esteve presente na maior parte do repertório do show deste sábado (7), cuja turnê começou em novembro de 2022, em São Paulo. Mestre Ambrósio (1996) foi responsável por abrir portas para que o grupo pudesse mostrar seu trabalho ao Brasil e ao mundo. Um álbum feito com uma percepção muito particular da música e da cultura do país, presente nos seis jovens que buscavam reafirmar sua identidade enquanto pernambucanos, nordestinos e brasileiros, em um período onde nossa democracia ainda engatinhava. Tantos anos depois, o Brasil ainda sofre ameaças golpistas. Cassiano, ainda no início, lembrou-nos de algo importante: “O povo é quem  liberta o povo”.


Mais de 3 mil pessoas compareceram ao local, segundo a produção. Foto: Hannah Carvalho/Divulgação

PAULA PASSOS,  jornalista.

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