Pernambuco e o Japão: pedras, arcos e pontes
25 de Junho de 2025
Escreve Italo Calvino n’As cidades invisíveis:
“Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. – Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? – pergunta Kublai Khan. – A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde Marco – , mas pela curva do arco que estas formam. Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: – Por que falar das pedras? Só o arco me interessa. Polo responde: – Sem pedras o arco não existe”.
Um ao outro protendem-se o Japão e Pernambuco, estado-nação cujo espírito é maior que o corpo retalhado pelo destemor republicano de 1817 e 1824.
Japão de Mishima, de emigrantes e descendentes, de Ono no Komachi, de Bashô. Inesperadamente, de Joaquim Cardozo, de Manuel Bandeira, de Clarice Lispector, de Gilberto Freyre e de Oliveira Lima. Talvez dos Fulni-ô. Deparado num ritmo regional que graças a Luiz Gonzaga se internacionalizou: o baião.
Onde fica a fronteira?
Há três anos, vidas e obras são evocadas em artigos no Diario de Pernambuco que, em breve, coligirão em livro pela Companhia Editora de Pernambuco.
Das pedras de vidas e obras pernambucanas e japonesas formou-se o arco invisível a sustentar uma imperecível ponte entre Pernambuco e o Japão. Uma, não; várias.
Pela ponte de Mishima, Joaquim Cardozo e Clarice Lispector, feita de nô, bumba meu boi e zen-budismo, transitam máscaras e metáforas, juntos com os vivos, os mortos. Aquela é como a ponte de Uji, amiúde refeita e sempre a mesma, composta dos passos continuamente sobrepostos nos quais pisamos em direção a um estranho mundo que por nos pertencer nos comove.
Espelha a ponte construída por Oliveira Lima e seus livros e palestras e por Gilberto Freyre e sua atividade parlamentar a Eshima Ohashi: ambas sinuosas, extensas, movimentadas, surpreendentes.
Como uma do Nihonshoki (Crônicas do Japão), a ponte do iatê com a língua japonesa possui uma estrutura antiga, frágil, apenas entrevista.
A poesia de Bashô e a de Bandeira atingem-nos à maneira da ponte de Seta na chuva: um objeto recusa-se a invisibilizar-se na paisagem, absorve-nos a atenção e pela emoção depõe-se-nos na memória; instantes que desmentem a morte.
Desenhada pelo arquiteto italiano Renzo Piano, a ponte Ushibuka Haiya é exótica e bela: assim a de Luiz Gonzaga, Keiko Ikuta e o baião japonês.
Cumpre-nos alargá-las. Robustecer-lhes o arco. Erigir novas.
RAFAEL CAVALCANTI LEMOS, Juiz de direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Pesquisador associado à Curadoria de Assuntos do Japão da Coordenadoria de Estudos da Ásia do Centro de Estudos Avançados da Universidade Federal de Pernambuco