Artes Visuais

Bonito lhe parece

Em tempos de inteligência artificial, a perfeição é regra que, quando muito cumprida, implora para ser quebrada. Na arte, essa reflexão se mostra em várias épocas, como no trabalho da artista Monica Piloni

17 de Novembro de 2025

Artista Monica Piloni usa o corpo para refletir o individual e imperfeito

Artista Monica Piloni usa o corpo para refletir o individual e imperfeito

Foto Divulgação

Em tempos de inteligência artificial, a perfeição é regra que, quando muito cumprida, implora para ser quebrada. Nesse caminho, o imperfeito e o natural se tornam objetos de desejo para quem busca autenticidade, coisa rara em tempos de padronização. Uma filosofia japonesa chamada wabi-sabi defende justamente esse caráter único e natural. Tem a ver também com a valorização da natureza, essa com quem estamos agora acertando as contas, após nos distanciarmos dela a ponto de vê-la como inimiga ou simplesmente como algo que não faz parte de nós, seres humanos.

A escultora curitibana radicada em Bruxelas Monica Piloni distorce o seu próprio corpo para discutir a ideia de identidade e questionar padrões de beleza. Feitas com poliuretano, fibra de vidro, veludo, tinta automotiva, acrílica, mármore, bronza, cabelos sintéticos e unhas postiças, Piloni deforma como se colocasse do avesso e nos fizesse mais íntimos do nosso corpo humano. Desfigurado em versão bizarra, sem cabeça, com três pernas, distorcido, percebemos o quanto a versão natural pode ser tão mais agradável aos nossos olhos. O corpo retorcido que se apresenta, tão imperfeito e impossível, nos projeta em um espelho mágico do grotesco. Como se esse fosse o fim da linha depois de uma busca incessante e frustrante pela "perfeição".

Confira a pocket entrevista com a artista:

1 -Em tempos de inteligência artificial, cirurgia plástica quase deformadora e padrão de beleza impossível, o que o seu trabalho busca refletir?

Fica claro que não sabemos lidar com o avanço da tecnologia e que estamos condicionados aos velhos maus hábitos de nos destruirmos uns aos outros. Isso me faz refletir sobre não sabermos usar as novas tecnologias, sabemos sim, mas não para contribuir com o nosso meio ambiente mas sim para explorá-lo até o limite enquanto destruímos uns aos outros. Meu trabalho questiona o humano. Há mais de uma década venho criando espécies baseadas exclusivamente em partes humanas mas tornando-as não funcionais, uma metáfora à atitude da nossa espécie que se coloca fora e acima do ecossistema, desequilibrando-o.

2 - Em busca da perfeição, o ser humano está tornando a própria aparência algo grotesco mas que é naturalizado pela sociedade, principalmente os mais endinheirados, que podem bancar essas deformações em nome da beleza. que beleza é essa que nos aparece na contemporaneidade?

Existe um sistema que visa lucrar acima de tudo e que vai explorar suas vítimas tornando-as inseguras e dependentes de consumo e a indústria dos procedimentos estéticos encontrou o seu mercado nesse ciclo exploratório. Eu adoraria que os  endinheirados fossem as próprias vítimas desse sistema capitalista criado por eles mesmos mas infelizmente não são só eles, dá pra se deformar pagando menos também. Outra questão que me preocupa mais do que a estética que já está há séculos mutilando mulheres com espartilhos ou sapatos minúsculos ou saltos altíssimos, sempre houve modificação corporal. O transhumanismo que visa gerar seres humanos mais capazes, inteligentes, saudáveis ou seja “superiores” através da biociência não é e nunca estará disponível para todos os corpos e camadas sociais. Imagine a segregação ainda maior e injusta que haverá entre os seres que podem pagar por esse “aprimoramento” genético versus os que estão se alimentando com ultraprocessados e sem educação adequada.

3 - Narizes tão finos que quase desaparecem, bocas tão carnudas que ocupam o rosto inteiro... suas esculturas sem rosto, com três braços, várias pernas não parecem tão diferentes da realidade. estamos no mundo bizarro?

Acho que o problema dos narizes e bocas que você menciona é que eles criam uma rosto produzido em escala, sem identidade que destrói os traços de diversidade. Quanto mais diversidade, mais força haverá contra a intolerância, a xenofobia, a homofobia. Por outro lado, acho que todos, todas e todes tem que ser livres para realizarem seus desejos e transformarem seus corpos, mas desde que tenham consciência que é uma escolha autônoma e que não estão sendo movidos pela baixa auto estima gerada pela armadilha do capitalismo. O meu trabalho parte de uma anatomia não funcional que não pode ir pra direção nenhuma (porque pra que direção você supostamente iria se você fosse um tripé?), são seres confusos construídos com partes de corpos que seriam padrões de não fossem pelas suas características incomuns. Um excesso de beleza que os torna mais repelentes do que  atraentes.

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