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David Byrne: O mundo sobre duas rodas

Há três décadas, o ex-líder do Talking Heads circula de bicicleta por Nova York e pelas cidades que visita, tornando-se o nome mais cool do cicloativismo

TEXTO Yellow

01 de Abril de 2013

David Byrne

David Byrne

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 148 | abril 2013]

Certa manhã, numa visita a Nova York,
no verão de 1995, quando sua banda tomou o palco do Central Park em apresentação histórica ao lado de Gilberto Gil, Chico Science recebeu uma chamada telefônica em seu quarto de hotel. David Byrne cumprimentava-o do outro lado da linha, dizia que gostaria de conhecê-lo pessoalmente, e perguntava se Chico poderia encontrá-lo alguns minutos depois, na calçada em frente ao hotel. Como combinado, o malungo desceu ao lobby para conhecer o veterano, ficou observando a entrada, e surpreendeu-se ao ver surgir, em meio ao trânsito frenético da Big Apple, o conhecido rosto do ex-Talking Heads, que vinha em sua direção pedalando elegantemente uma bicicleta. A chegada triunfal de Byrne pareceu tão excêntrica ao olindense, que ganhou destaque em seus relatos de viagem aos amigos da Manguetown. Hoje em dia, falar sobre bicicletas como meio de transporte em Nova York não é mais uma coisa estranha, e isso se deve, em grande parte, ao próprio Byrne.

Nascido na Escócia, mas criado nos Estados Unidos, ele é mais conhecido como o líder da banda Talking Heads, que nasceu da cena punk nova-iorquina, mas gradualmente incorporou elementos de música étnica, principalmente ritmos africanos e latinos, criando o que mais tarde viria a ser chamado de world music. Após ter estudado arte e design, Byrne trouxe às apresentações e peças gráficas da banda elementos da vanguarda artística, e colaborou com artistas plásticos e cineastas emergentes, como Jonathan Demme.

Após a separação dos Talking Heads, começou uma errática carreira solo, entrecortada por diversas outras atividades. O selo musical que fundou em 1998, Luaka Bop, apresentou ao primeiro mundo artistas africanos e latino-americanos, incluindo os brasileiros Os Mutantes, Forró in the Dark e Tim Maia. Byrne é o principal responsável pela redescoberta de Tom Zé, e seu retorno aos palcos nos anos 1990.

Entre os últimos projetos de artes plásticas em que se envolveu, estão Envisioning emotional epistemological information, um livro/manifesto em defesa do PowerPoint como nova mídia de expressão artística; Play the building, uma instalação em que é possível gerar ruídos em todo um prédio através do teclado de um órgão; How music works, um livro multimídia que reflete sobre a natureza da expressão musical, e Here lies love, um musical em homenagem à ex-primeira dama das Filipinas, Imelda Marcos, feito em parceria com Fatboy Slim e 20 cantoras, a ser encenado em uma pista de discoteca, para que os espectadores possam dançar durante a apresentação.

Byrne começou a usar a bicicleta como principal meio de transporte há cerca de 30 anos, muito antes do termo sustentabilidade fazer parte do consciente coletivo. A motivação foi estritamente prática – ele percebeu que sua atuação cotidiana na cidade era restrita a uma pequena área de alguns bairros, e passou a pedalar para cima e para baixo, atendendo a compromissos profissionais e de lazer.

Segundo ele, os carros não eram o principal obstáculo, mas, sim, o preconceito das outras pessoas, que, ao perceberem que não se tratava de mais um de seus happenings, chamavam-no de nerd, geek, freak. Hoje em dia, ele possui várias bicicletas, e quase sempre viaja portando uma bicicleta montável. Segundo ele, mesmo que seja obrigado a pagar pelo excesso de bagagem, a multa sempre é de valor inferior ao que seria obrigado a gastar com táxis no destino.

Byrne não se vê como ativista, embora mantenha uma coluna sobre ciclismo no New York Times, e tenha falado em diversos eventos sobre o assunto. Recentemente, chegou a projetar mastros para a fixação de bicicletas instalados em sua cidade. A contribuição de Byrne ao cicloativismo é a de transformar o ciclismo em uma coisa cool. Ele permaneceu sempre na vanguarda estética, em sua expressão artística, e sua chancela à causa do ciclismo urbano leva muitas pessoas a aceitarem a possibilidade de mudarem seus hábitos, ao seguirem o exemplo de quem está sempre antenado com o que há de bom.

As dicas de David Byrne para usar bicicletas são: seguir o fluxo do trânsito; não andar sobre as calçadas e respeitar sinais vermelhos, placas de “pare” (afinal de contas, a bicicleta é um veículo, e os motoristas dos automóveis terão mais respeito pelo ciclista, se ele se portar de maneira previsível) e o pedestre. É importante também não ser muito vaidoso ao escolher modelos de bicicleta. Roubos de bicicleta são comuns em todas as cidades do mundo, e quanto menos “bandeira” o ciclista der, melhor. Se o objetivo é apenas transportar-se pacificamente e sem muita velocidade, qualquer mountain bike genérica é capaz de dar conta do serviço, não é preciso sair por aí exibindo bicicletas importadas e de marcas famosas.

Quanto ao capacete, ele só usa quando está em uma situação muito crítica. Se está em uma ciclovia sinalizada, sem carros, ele não vê necessidade de trocar segurança por calvície – mas é bom ressaltar que essas não são recomendações, ele está apenas dizendo o que faz. “Não gosto da ideia de dizer às outras pessoas o que elas devem fazer das suas vidas. Eu me sinto mais confortável contando às pessoas o que fiz da minha, como as coisas funcionaram ou não para mim, o que vi e aprendi” disse, em recente entrevista à revista brasileira Trip.

Algumas das aventuras de Byrne em duas rodas estão no livro Diários de bicicleta. Ler que Byrne esteve entre nós várias vezes, e saber suas impressões sobre Salvador e Curitiba nos dá a impressão de que estamos deixando de conhecer nossas próprias cidades. Outras aventuras podem ser acompanhadas em seu blog (journal.davidbyrne.com), em posts que fazem os textos de Caetano Veloso parecerem haikais, segundo o próprio brasileiro.

Por esses dias, Byrne está viajando o mundo, divulgando seu último disco, Love this giant, em parceria com a cantora St. Vincent. Haja fôlego para um homem de 60 anos. Deve ser a bicicleta. 

YELLOW, designer, músico e professor.

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