A questão do preconceito, no entanto, persiste. "Já ouvi coisas como 'você toca que nem um homem', como se isso fosse um elogio. Pra mim, não é. Eu toco como uma baterista de death metal e isso independe de gênero", corrige Marcella. Essa percepção atesta o fato de que a discriminação, o tal machismo, acontece de maneira velada. Nunca por xingamento ou falta de respeito diretamente, como ocorreu a Karyn Crisis, por exemplo. São comentários sutis ou perguntas insensatas que revelam a distinção de gênero na cena.
Outra banda local que se enquadra nessa discussão é a Seeds of Destiny, de gothic/doom metal, cuja formação reúne três mulheres – Amanda Lins (vocal), Luciana Lima (guitarra) e Thais Lopes (teclado) – e quatro homens. "Sabemos que há algumas diferenças fisiológicas, neurológicas, comportamentais entre homens e mulheres, mas desenvolver esse tipo de capacidade (musical/artística) independe de gênero. A diferença que vejo entre mulheres e homens fazendo metal é a mesma diferença que vejo entre mulheres e homens pintando um quadro, apresentando um jornal na televisão", observa Amanda Lins.
Para a guitarrista Luana Rodrigues, ex-Infectos (brutal death metal), mulheres instrumentistas causam grande espanto dentro do heavy metal. "É um gênero agressivo, no qual se necessita ter habilidade ao tocar qualquer instrumento, e a visão da nossa sociedade machista é de que mulher e agressividade não combinam. Já ouvi comentários como 'ela não dá para tocar metal extremo, porque parece uma bonequinha'. Mas eu sou mulher e toco guitarra em uma banda de brutal death metal", destaca.
Na visão da vocalista Márcia Raquel Siqueira, ex-Obscurity Tears (doom metal), as mulheres devem colocar intensidade em sua feminilidade, em vez de buscar se equiparar aos homens. "O ideal é a gente chegar num momento em que não precise dizer 'é uma banda de mulher' ou 'tem uma mulher na formação'. Se você fechar os olhos e ouvir o Vocífera tocando, por exemplo, não vai diferenciar se é mulher ou homem", aponta Wilfred Gadêlha, jornalista, autor do livro PEsado – Origem e consolidação do metal em Pernambuco. "Não somos melhores, ou piores, que os homens, mas precisamos de mais mulheres nos palcos, para que seja algo tão natural, que não haja mais entrevistas baseadas em gênero. Afinal, ninguém pergunta a um homem como é ser homem no metal", dá o recado a guitarrista Luciana Lima.
ULYSSES GADÊLHA, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.