“Para mim, Aquilo que o meu olhar guardou para você define a estética e a poética cênicas do Magiluth, e Viúva… é a concretude, a aplicabilidade perfeita delas. As duas peças são construídas no jogo característico do grupo e da cena contemporânea, que borra o limite do real e do imaginado. Há uma relação de muita parceria estabelecida pelos atores e pelo público. São espetáculos que prezam pela narratividade, enfatizando as convenções da cena e expondo ‘o fazer’ em detrimento do ‘representar’. Também são montagens que usam fundamentalmente o teatro a seu favor, no sentido de metalinguagem, de brincar com a própria arte. E tudo isso é uma identidade enraizada nas obras do Magiluth até hoje”, reflete o pesquisador.
Em 2016, Araújo publicou no Terceiro Ato o ensaio fotográfico e textual A desconstrução da masculinidade, no qual convidou atores, entre eles os integrantes do Magiluth, cujos trabalhos atravessavam questões ligadas à identidade de gênero e à diversidade sexual. O interesse na poética do grupo, e sua inserção cada vez maior no cenário nacional, levou o jornalista a aprofundar suas reflexões, desta vez na academia. Realizada em um contexto conturbado para o Brasil, com a ascensão de Jair Bolsonaro e do conservadorismo, a pesquisa lança luz sobre os trabalhos do Magiluth sempre inserindo o grupo no seu tempo, mas também colocando-o em diálogo com outras experiências do teatro pernambucano que tensionaram representações de masculinidades, como o Vivencial, a Trupe do Barulho, o Angu, entre outros.
“A ideia da pesquisa era não se prender a uma historiografia nem à teorização do teatro. O que eu queria era mesclar tudo isso a uma análise da cena, um ensaio crítico que pudesse ser interessante tanto para pesquisadores e artistas quanto para o público em geral. Olhar uma obra por uma perspectiva temática e observar ali as nuances dos seus criadores e do contexto. Acredito que essa é a principal característica do livro. Além disso, é também um dos primeiros livros sobre o Magiluth, e que, mesmo não sendo uma biografia, materializa parte da história deles. Nós vimos o Magiluth crescer ao longo dos anos e se tornar esse grupo tão importante e emblemático, que contribui decisivamente para o deslocamento de uma centralidade da criação cênica do Brasil”, explica Mateus.
Com prefácio assinado pela professora, atriz, dramaturga e diretora Luciana Lyra e orelha do professor, advogado e ativista no campo dos direitos humanos Renan Quinalha, o livro apresenta a aprofundada pesquisa acadêmica de Mateus de forma instigante e fluida, amparada por referências de diferentes campos de pesquisa, como o Teatro, a Sociologia e a Comunicação, e é ilustrado com imagens feitas pelos fotógrafos André Nery, Renata Pires, Thiago Liberdade, Maurício Cuca, Bernardo Cabral e Victor Jucá. A obra cumpre um importante papel de registrar um momento crucial da história do Magiluth e oferece a oportunidade de refletir, também, sobre a inquietação do coletivo, que continua se desafiando estética e tematicamente, como evidenciam seus trabalhos mais recentes, entre eles os experimentos virtuais criados durante a pandemia.
“O Magiluth se tornou um fenômeno do teatro brasileiro de fora do eixo sudestino por vários fatores. Além da sua qualidade cênica, que, obviamente é primordial, também é fruto de um momento histórico importante do Brasil, de maior fruição das produções culturais do país, o que permitiu uma maior diversidade de vozes, tanto geograficamente quanto na formalização dos mecanismos de apoio público e democratização dos investimentos. As políticas voltadas para a economia criativa durante os dois primeiros governos de Lula (PT) foram fundamentais para impulsionar esse processo, contribuindo, entre outras coisas, para a circulação de companhias teatrais e a ampliação das opções de financiamento para a arte brasileira. Assim, o Magiluth, e outros grupos do Nordeste, puderam circular, ampliar seu alcance e visibilidade e estabelecer intercâmbios importantíssimos”, enfatiza.
MÁRCIO BASTOS, jornalista cultural