Novembro de 1990.O Washington Post publicava que o Recife era a quarta pior cidade do mundo para se viver, de acordo com o Population Crisis Committee. O comitê chegou a esse número depois de avaliar indicadores sociais em 45 países. A reportagem não explica, em detalhes, a metodologia do estudo, mas o fato é que aquela má posição seria útil em outra esfera, um tempo depois.
O jornalista e crítico musical José Teles comenta que, no Recife de 30 anos atrás, o dado não teve o impacto devido, mas, com o surgimento de um movimento cultural que se tornaria emblemático, o número ganhou outra proporção. “Quando o Manguebeat estourou lá fora, pegaram esses dados, em entrevistas, e ampliaram. Todo mundo de jornal escreveu isso nas matérias e fixou (o dado) na cabeça das pessoas”, observa.
Teles – que é autor do livro Da lama ao caos: que som é esse que vem de Pernambuco? (Sesc SP, 2019), entre outros – conta que, na década de 1980, os destaques na cobertura jornalística de música eram o rock nacional e a MPB. “A música local estava retraída, vivia de barezinhos, eventos promovidos pelo Estado ou pela prefeitura. A imprensa abria pouco espaço. Ela não tocava no rádio, o público local se interessava pouco. O Manguebeat mudou isso, ainda que para uma minoria universitária”, dimensiona, em relação ao início do movimento.
Hilton Lacerda, roteirista e diretor de cinema, lembra os anos 1980 como uma “década quase perdida”, apesar de ter sido incubadora do Manguebeat e do que viria a ser a retomada do cinema feito em Pernambuco, cujo marco inicial é o Baile perfumado (1996), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, com roteiro também assinado por Hilton.
“Nos anos 1980, a situação do país não era boa, não tínhamos dinheiro nem instrumentalização para criação de algo que pudesse ter um alcance maior. Havia um descrédito local e falta de canais de dispersão”, relembra Hilton, que lançou seu segundo longa, Fim de festa, no Festival do Rio, em dezembro de 2019. Aqueles eram os anos da reabertura política, quando vários setores culturais estavam se reorganizando e ainda não havia o filme digital; então, a produção em cinema demandava um esforço maior de realização, tanto econômico quanto político.
Lúcia Nagib e Samuel Paiva, pesquisadores e autores do filme-ensaio Passagens. Foto: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo/Divulgação
Em 1996, uma surpresa. O público do Festival de Cinema de Brasília se espantou positivamente com as produções daquele ano, dentre elas o Baile perfumado, vencedor na categoria de melhor filme. “Naquela época, a gente não se conectava tão facilmente. Nem sabia que o Lírio e o Paulo estavam fazendo o Baile perfumado. Fiquei sabendo em Brasília”, lembra a cineasta Tata Amaral, em entrevista ao filme-ensaio Passagens (dirigido por Lúcia Nagib e Samuel Paiva), que naquele ano exibiu Um céu de estrelas (1996) e recebeu o prêmio de melhor diretora.
Foi a partir desse período histórico que Lúcia Nagib, da Universidade de Reading (Reino Unido), e Samuel Paiva, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar, Brasil), resolveram traçar uma nova historiografia do cinema nacional, através da realização de Passagens. A primeira exibição do longa dos pesquisadores foi realizada na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019. Depois da capital paulista, o longa passou pelo Janela Internacional de Cinema do Recife e pelos festivais de Roterdã, na Holanda, e de Gotemburgo, na Suécia, em janeiro deste ano. Agora, encontra-se em negociação para chegar às salas de cinema.
DJ Dolores, um dos articuladores do Manguebeat, em entrevista ao longa, considera que o Baile perfumado constrói uma ponte entre a aspiração à tecnologia, à contemporaneidade e a tradição. “Ele é influenciado por esse princípio do Manguebeat, no sentido de que coloca Lampião como alguém que dialoga com a tecnologia da época. Existia a presença da metralhadora, que acaba com o cangaço, que também era uma peça de tecnologia da época”, pontua. O fio narrativo de Baile perfumado é a presença do libanês Benjamin Abrahão, que registrou parte da rotina de Lampião e seu bando usando recursos avançados para aquele período, como câmeras fotográficas e máquinas de filmar.
Para Dolores, que assinou a trilha sonora de filmes como Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, e Amor, plástico e barulho (2013), de Renata Pinheiro, o Baile também quebra certa sujeição a normas fílmicas tradicionais ainda presentes no Cinema Novo e busca colocar o Nordeste conectado com a tecnologia na narrativa da história do Brasil.
UM MODO DE VER A criação de uma historiografia do cinema nacional através do conceito de intermidialidade, iniciada a partir dos anos 1990, é resultado de anos de pesquisa de Lúcia Nagib, autora de O cinema da retomada: depoimentos de 90 Cineastas dos Anos 90 (Editora 34, 2002) e A utopia no cinema brasileiro (CosacNaify, 2006). Ela propõe um modo diferente de olhar o cinema, com a quebra de hierarquias entre “velho”, “novo”, “popular”, “de arte”; entendendo o cinema como “impuro”, a partir das reflexões de André Bazin, atravessado por diversas artes. Essa abordagem está clara no livro Impure cinema: intermedial and intercultural approaches to film, escrito por ela em parceria com Anne Jerslev, ainda sem edição no Brasil.
E é por meio dessa diversidade de linguagens que a ficção se conecta à realidade, algo que sempre fascinou, por exemplo, o diretor Lírio Ferreira. “No Baile, o personagem principal nem é o Lampião nem o Padre Cícero. É o Benjamin Abrahão, que teve oportunidade de conviver com esses dois ícones. Se não existisse a personagem do Benjamin Abrahão, a gente podia estar contando, aqui, uma lenda. A partir do momento que existe um simulacro do cara que foi lá e filmou, existe uma prova de que Lampião existiu. Isso sempre me fascinou muito. Essa fronteira invisível, que fica se amalgamando, o que é verdade, o que é mentira. O que é ficção, o que é documentário”, comenta Lírio, em Passagens.
Além da abolição de fronteiras entre ficção e realidade, Lúcia defende a análise policêntrica do cinema, sem levar em consideração apenas o modo hollywoodiano de produção, porque compreende que cada cinematografia apresenta regras internas que precisam ser respeitadas. Para ela, essa abordagem proporciona um olhar mais profundo e despido de concepções de evolucionismos.
Seus estudos também colocam em xeque os conceitos de cinema e world cinema. “Cinema (em inglês) se refere ao que é feito nos Estados Unidos e dita as regras para os demais. E world cinema se define pelo negativo, por tudo que os outros cinemas não são. Penso que cada cinematografia sugere suas próprias regras”. A partir disso, Nagib opera um olhar para as singularidades de cada cinematografia, não necessariamente associada a um país ou a regras de produção.
Desde 2004, portanto, o trabalho de observação da professora brasileira, radicada no Reino Unido, tem partido do que podemos chamar de autopermissão de cineastas de diversas partes do mundo. “Tem cineasta da Índia que já leu meu trabalho e disse que foi muito bom ler aquilo, que deu um alívio. Sei que minhas pesquisas são usadas na Indonésia, Tailândia e na Austrália”, enumera. Entre os estudos em que aborda o chamado “cinema mundial”, está seu artigo publicado no livro World cinema – As novas cartografias do cinema mundial, organizado por Stephanie Dennison (Papirus/Socine, 2013).
De sua parte, o filme Passagens resulta de uma pesquisa sobre intermidialidade que vem sendo feita desde 2015 entre a Universidade de Reading e a Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo. “Ela foi dividida por temáticas. Samuel e eu ficamos a cargo de investigar o fenômeno musical do Manguebeat e a influência dele na formação do período Árido Movie no Recife, como uma questão de conversa entre mídias”, explica a pesquisadora.
O termo árido movie foi criado pelo jornalista Amin Stepple (falecido em dezembro de 2019) em meados dos anos 1990, para designar filmes pernambucanos realizados no diálogo com o Manguebeat, movimento articulado em torno de bandas como Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A.
São considerados filmes do Árido Movie, entre outros: O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas (2000), de Paulo Caldas e Marcelo Luna; Amarelo manga (2002), de Cláudio Assis; Cinema, aspirinas e urubus (2005), de Marcelo Gomes; Árido movie (2005), de Lírio Ferreira; Baixio das bestas (2006), de Cláudio Assis; Deserto feliz (2007), de Paulo Caldas; Era uma vez eu, Verônica (2012), de Marcelo Gomes; O som ao redor (2012), de Kleber Mendonça Filho; Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro; e Tatuagem, de Hilton Lacerda.
Antes de dar início às entrevistas com os profissionais do cinema, Samuel Paiva teve a ideia de transformá-las num filme. No total, são 15 entrevistados, entre os quais Tata Amaral, Fernando Meirelles, Beto Brant, Kleber Mendonça Filho, Hilton Lacerda, Renata Pinheiro e Paulo Caldas, além dos aqui já mencionados.
O orçamento para este filme-ensaio, gênero ainda pouco desenvolvido no Brasil, não estava previsto, mas com o prêmio que receberam da Universidade de Reading para projetos com impacto social, a ideia pôde ser viabilizada. O resultado da pesquisa, publicada em revistas científicas e em livros, ganhou capilaridade ao ser exibida na tela de cinema. A costura desse material ficou a cargo da montadora Tatiana Germano, editora brasileira que mora em Londres.
“Eu já tinha visto alguns (dos filmes mencionados em Passagens), mas, talvez, o que me parecia mais diferente não era se passarem no Nordeste, mas os temas, a maneira como os diretores decidiram contar essas histórias. Muitos entrevistados comentaram sobre como o Amarelo manga (2002), de Cláudio Assis, mostrava um Recife diferente. Como eu não conhecia o Recife, esse não foi meu maior impacto, mas essa história tão peculiar”, comentou Tatiana, em entrevista por e-mail.
Amarelo manga traz o Recife como cenário para o desenvolvimento de histórias que se cruzam, como a de um açougueiro que, apesar de adorar sua mulher evangélica, mantém uma amante, a de um necrófilo fascinado pela dona de um bar e a de um homossexual que sonha em conquistar o açougueiro.
Quem elogiou o trabalho da montadora foi o teórico e professor de Cinema Ismail Xavier: “O filme tem uma noção de ritmo muito vigorosa. A construção dessas passagens para o real está muito bem-feita, sendo, de fato, um filme de passagens. Foi muito bom rever essas imagens, porque é uma reafirmação do cinema brasileiro”, disse Xavier, presente em um dos debates da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em 2019.
Assim como Tatiana, o diretor Kleber Mendonça Filho, em entrevista ao longa, também ficou impressionado com o Recife de Amarelo manga: “Para mim, o Amarelo manga foi um grande marco. Foi a primeira vez que eu vi o Recife em cinemascope na tela do cinema. Até os anos 1990 a gente só importava imagens. Não era normal você ver o Recife reprocessado pelo cinema, na tela do cinema. Foi um grande choque de projeção, de identidade”.
A QUESTÃO DA IDENTIDADE Professora do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Amanda Mansur tem estudado, há mais uma década, o cinema feito em Pernambuco. Ela também foi pesquisadora de pós-produção do Passagens. Sua dissertação de mestrado, vertida no livro O novo ciclo de cinema em Pernambuco, a questão do estilo (Editora da UFPE, 2010), traz como características dessa cinematografia, a partir dos anos 1990, a autorreferencialidade, o privilégio à música e a questão de identidade.
De acordo com a pesquisadora, a autorreferência se dá por meio da evocação do próprio fazer cinematográfico, como a menção a filmes pernambucanos no Baile perfumado e a participação de diretores e músicos como atores na produção. Já a identidade acontece através de um sujeito que busca a si, como em Árido movie e em Cinema, Aspirinas e Urubus; do uso da cidade do Recife como cenário, das temáticas urbanas; do uso de moradores como figurantes.
Mas, além dessas características, outra estudada por Amanda Mansur é a “brodagem”, tema do seu doutorado, também publicado em livro, A brodagem no Cinema em Pernambuco, com lançamento previsto para este mês, pela Massangana. Nessa abordagem, ela especula que a formação de grupos de afetos influencia diretamente na qualidade técnica, estética e narrativa da produção realizada no estado. Além de traçar a trajetória dos grupos realizadores de cinema em Pernambuco, o estudo de Mansur também mostra o ponto de intersecção entre eles. Entre as comunidades analisadas estão a turma dos anos 1980, com o Vanretrô, a geração dos anos 1990, com Camilo Cavalcante e Kleber Mendonça Filho, as produtoras Símio e Trincheira Filmes, entre outros.
E é a partir desses afetos que as produções ganham forma. “Se eu quero uma trilha sonora, enquanto eu estou escrevendo o roteiro, eu me sento numa mesa de bar com DJ Dolores e já falo da minha ideia e a gente já vai pensando coletivamente. É um outro modo de produção, quando comparamos a outros cinemas feitos pelo país”, comenta Hilton Lacerda.
Em Tatuagem, a intermidialidade se apresenta não apenas na trupe teatral Chão de Estrelas, mas na trilha sonora criada. A intenção de Hilton, roteirista e diretor do filme, não era usar a música para acentuar ou atenuar algo, mas para ser imprescindível como um todo. “A música serve para anunciar algo que vai acontecer ou para falar sobre algo que já aconteceu no filme. Ela tira você da narrativa central, durante uma apresentação musical, por exemplo, mas, ainda assim, você continua dentro da história”, explica.
E essa brodagem contagiou até mesmo o filme de Lúcia e Samuel: “No começo, íamos entrevistar cinco pessoas. Aí, como Samuel faz parte dessa ‘brodagem’ do Recife, sugeriu mais nomes e fomos fazendo mais entrevistas. Era engraçado, a gente ia ao Bar Central, um cineasta dizia que tinha sido entrevistado e o outro dizia: ‘Eu também quero!’. No fim, entrevistamos o dobro”, comenta Lúcia Nagib.
No Baile perfumado, esse sentimento de coletividade contribuiu para a criação da trilha sonora. “Naquele momento, havia uma vontade tão grande de conceber, de criar – no caso deles, de tocar, que eles gravaram uma quantidade de músicas absurda, quase a trilha inteira. E a gente foi ouvindo durante todo o processo de preparação, durante as filmagens, e acho que isso aumentou ou potencializou mais ainda a junção da música com a imagem”, disse o codiretor Paulo Caldas, em depoimento ao Passagens, a respeito da presença da música no filme, cuja trilha é assinada por Chico Science & Nação Zumbi, Fred Zero Quatro, Siba (na época, do Mestre Ambrósio), Marcio Miranda e Paulo Rafael, este, responsável pela produção musical.
“Quando eu recebi o material, os diretores falaram: ‘Você só precisa dar uma arrumadinha’. Quando ouvi, estava uma loucura. Gravaram muito e ainda estava algo bem embrionário. Aí, liguei para cada um tentando convencê-los a gravar de novo, todo mundo ocupado, fazendo show e eu argumentando que aquilo ia ficar pro resto da vida”, lembra Paulo Rafael, rindo. Ele é guitarrista de Alceu Valença e do grupo Ave Sangria.
“Quando a gente foi começar a fazer o Baile, já começavam os primeiros suspiros do Manguebeat e eles tinham uma coisa muito forte de visitar essa música do passado, mas de atualizá-la. A gente não queria uma música que fosse para sublinhar as imagens, para destacar uma emoção, para criar um ambiente. A gente queria que a música dialogasse com as imagens. Que música e imagem criassem um terceiro elemento narrativo”, afirma Paulo Caldas.
PONTE PE-SP Em Passagens, também se discute a aproximação entre o cinema pernambucano e o paulistano. Por exemplo, foi através de amigos que Paulo Caldas e a montadora e professora da Universidade de São Paulo, Vânia Debs, se conheceram. “Uma amiga que fazia parte de um coletivo de mulheres no Recife e Paulo estavam produzindo um curta que eu ia montar. Percebi que havia uma vontade de reavivar o cinema em Pernambuco, mas que também eles não tinham conhecimento técnico sobre pós-produção”, contou a montadora. Debs é responsável pela montagem de filmes como Baile perfumado, Saudade (2018) e Deserto feliz, de Paulo Caldas; A história da eternidade (2014), de Camilo Cavalcante; Árido Movie e Acqua movie (2019), de Lírio Ferreira.
Intermidialidade pode ser encontrada no filme Tatuagem. Foto: Flávio Gusmão/Divulgação
A partir dessa relação com Vânia, as produções de São Paulo e Pernambuco começam a se conectar. Finalizado em São Paulo, o Baile perfumado proporcionou trocas e o estabelecimento de amizade entre a montadora e Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Cláudio Assis e Marcelo Gomes. Antes do Baile, ela já tinha montado os curtas O crime da imagem (1992), de Lírio; Soneto do desmantelo blue (1993), de Cláudio; That’s a lero-lero (1994), codirigido por Lírio Ferreira e o jornalista Amin Stepple; e Maracatu, maracatus (1995), de Marcelo Gomes.
“A gente aqui não tinha escola de cinema. Começamos a fazer cinema de uma forma autodidata. Apesar de não termos conhecimento técnico, a cinefilia proporcionou um conhecimento de linguagem muito apurado”, avalia Amanda Mansur, que já foi assistente de direção de Paulo Caldas e é uma das autoras do livro A aventura do Baile perfumado: 20 anos depois (Cepe Editora).
A relação entre São Paulo e Pernambuco também pode ser encontrada em O rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna, a partir da música. O documentário conta a história de dois jovens de periferia: um músico e um matador. Em uma de suas cenas mais emblemáticas, o rapper paulistano Mano Brown enumera bairros de São Paulo enquanto assistimos a imagens aéreas do Recife, o que promove uma aproximação entre as comunidades carentes e populosas das duas cidades. No documentário, também, é apresentado um dos precursores do hip hop brasileiro, Nelson Triunfo (da cidade de Triunfo, no Sertão do Estado), que migrou para São Paulo, levando a influência da poesia sertaneja para lá.
Ainda encontramos a relação entre a cidade sudestina e a nordestina comentada em Passagens na participação de Cláudio Assis como ator no filme de Beto Brant, Crime delicado (2005) e nas produções Eu vou de volta (2007), de Cláudio Assis e Camilo Cavalcante; A história da eternidade, de Camilo; Árido movie e Acqua movie, de Lírio Ferreira; e Permanência (2014), de Leonardo Lacca.
Afetos estabelecidos pela música, pelo cinema e pelas geografias se ligam, desse modo, para construção fílmica. “Esses grupos também geram uma articulação política muito forte, o que permitiu justamente a expansão das políticas culturais no Estado e desse cenário propício de produção que, infelizmente, hoje, está colapsando por conta do nosso governo atual, mas que pelos últimos 10, 15 anos sustentou essa produção”, pontua Mansur, referindo-se à criação da Lei Estadual do Audiovisual, em 2007.
A avaliação de Vânia Debs sobre o que vem sendo produzido em Pernambuco é positiva. “As pessoas reverenciam o cinema feito em Pernambuco. Existe uma energia criativa que surpreende. É algo que não se esgota. E isso também é possível por causa de uma militância de pessoas que são mobilizadas politicamente, para tentar políticas de incentivo”.
Hilton Lacerda observa que existem cinemas pernambucanos. “São gerações diferentes que estão fazendo cinemas e não acho que nenhuma deva nada para outra. E acho que são modos de produção que quebram com certas regras impostas pelo Sudeste, que não fazem sentido para nosso modelo de criação. E, assim, conseguimos um grau de aproveitamento muito alto do que produzimos em relação a outras regiões do país”, avalia.
Atualmente, a quarta pior cidade do mundo para se viver não é mais o Recife. É Trípoli, na Líbia, de acordo com o Global Liveability Report de 2018. Mas a ideia do Manguebeat de uma antena parabólica colocada na lama em conexão como o mundo continua emitindo ondas de influência na produção de cinema de Pernambuco.
PAULA PASSOS, jornalista, mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisa cinema e telejornalismo.
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