Curtas

Brô MCs

Grupo de rappers indígenas, da cidade de Dourados (MS), denuncia a luta de seu povo pela existência

TEXTO OLÍVIA MINDÊLO

01 de Julho de 2018

Composto por quatro integrantes, o grupo canta a resistência guarani

Composto por quatro integrantes, o grupo canta a resistência guarani

FOTO André Patroni/Divulgação

[conteúdo na íntegra (degustação) | edição 211 | julho de 2018]

Com mais
de 215 mil habitantes, Dourados é a segunda cidade do Mato Grosso do Sul em densidade populacional – atrás apenas de Campo Grande, capital do estado. Seria provavelmente um município tranquilo, em seu médio porte, não abrigasse uma conjunção de problemas socioambientais e fosse, até hoje, palco de um dos conflitos mais árduos do Brasil: a disputa dos ruralistas pelo território ancestral dos guarani-kaiowá. Quem assistiu ao documentário Martírio (dir. Vicent Carelli, 2016) sabe: este é um dos povos brasileiros que mais batalham pelo direito de existir e, apesar da matança ainda presente em seu espaço sagrado, seguem lutando pela demarcação oficial de suas terras.

Desse contexto, saíram os Brô MCs, em sinal de que onde há problema, geralmente há rap. A diferença é que os quatro jovens do grupo são indígenas e cantam sua resistência em guarani, língua central para a região que já foi Paraguai – onde o idioma é oficial desde 1992, junto ao castelhano. “Chego e rimo o rap guarani e kaiowá/ Você não consegue me olhar/ E se me olha não consegue me ver/ Aqui é o rap guarani que está chegando pra revolucionar/ O tempo nos espera e estamos chegando/ Por isso venha com nós, nessa levada/ Nós te chamamos pra revolucionar/ Aldeia unida, mostra a cara”, canta a música Eju Orendive, em trecho traduzido para o português, língua também presente nas letras do quarteto composto por Charlie Peixoto, Bruno Veron, Kelvin Peixoto e Clemerson Veron. Além deles, fazem parte da formação atual do grupo a rapper Dani Muniz, de ascendência indígena e negra, com presença marcante no palco, e o músico Higor Lobo, que faz as vezes de DJ dos MCs.



O grupo existe há 10 anos e esteve recentemente na programação do Festival América do Sul Pantanal (Fasp), para o qual a Continente foi convidada este ano (veja nossa cobertura). Esta foi a primeira vez que os rapazes se apresentaram, no estado, em um festival do porte do Fasp, realizado há 14 anos em Corumbá (MS), Pantanal, a cerca de 600 km de Dourados. “Foi mais uma conquista nossa, digo que subimos mais uma escada. Pra nós, é muito massa estar ali em cima representando o nosso povo Guarani-Kaiowá; não só nosso povo, mas de várias etnias existentes no Brasil”, disse Bruno Veron, fundador da banda, após um show de impacto em grande praça da cidade. “Massa levar essas informações que a mídia não mostra, entendeu? Do que acontece realmente com o indígena. Isso que pra nós é importante. Compartilhar a realidade do povo Guarani-Kaiowá e de outros povos. A gente está feliz por isso, bastante emocionado, é um festival grande e a gente nunca pensou em tocar num festival grande assim.”

A humildade do músico traz a consciência genuína de um povo que precisa pisar devagarinho para permanecer onde está, trilhando um caminho, na verdade, que já tem muitos degraus acima. Antes de Corumbá, por exemplo, os Brô fizeram show na Alemanha. Além disso, já se apresentaram em outros eventos importantes, como o Festival Rap Popular Brasileiro, um trampolim para representar o Mato Grosso do Sul em final nacional no Rio de Janeiro. Além disso, já tocaram no mesmo palco de Milton Nascimento, no encontro Cultura e Direitos Humanos dos Povos Guarani, em Campo Grande. E, no ano passado, participaram da trilha sonora do curta-metragem Em busca da terra sem males, de Anna Azevedo, exibido no Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale.



A história do grupo teve início quando os meninos das aldeias urbanas Bororó e Jaguapiru começaram a ouvir rap no programa de rádio Ritmos na Batida. Tempos depois, o professor da escola pediu que falassem de sua história de um modo criativo, e então criaram uma música. Daí foi um pulo para gravarem um demo e formarem um grupo que passou pela própria resistência interna dos mais velhos do seu povo e, hoje, enfrenta os problemas de toda banda independente no Brasil: precisa vender disco (o próximo está a caminho) e fazer show para continuar produzindo e gravando as suas faixas. Nesse caso, para continuar existindo em um ambiente que, quando não é hostil, vê também os indígenas como exóticos. Mas os nossos povos originários precisam é de respeito e isso os Brô Mcs sabem impor de uma forma muito forte e bonita: “Aquele boy passou por mim/ Me olhando diferente/ Agora eu mostro pra você/ Que sou capaz, e eu estou aqui” (Eju Orendive, 2010)

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