CONTINENTE Essa grande quantidade de programas sinalizaria uma falta de criatividade dos canais? A quem interessa investir nesse filão?
LUCIANA MASTROROSA Não penso que seja uma falta de criatividade, mas, sim, o reflexo de um aumento de interesse por parte do público sobre esse assunto. Masterchef, por exemplo, é um fenômeno, o Brasil inteiro fala disso. E tem seu mérito: aproxima o grande público de um fazer culinário mais elaborado e ajuda a desmistificar um pouco a profissão de cozinheiro.
CONTINENTE O que leva o espectador a assisti-los? Qual seria o perfil desse público?
LUCIANA MASTROROSA Acredito que o público se interesse por esses programas culinários basicamente por dois motivos: aprendizado e inspiração. Aprender novas receitas, entender novas técnicas, inspirar-se a conhecer novos sabores, ingredientes locais, explorar mais o lugar onde se vive. Os que têm formato de reality, como o Masterchef, têm ainda um terceiro fator, que é o elemento do sonho, da superação. Creio que o perfil do público pode mudar conforme o programa – e tem para todos os gostos, dos que privilegiam uma cozinha mais natural aos que exploram o mundo dos fast foods.
CONTINENTE Você acha que aconteceu uma valorização ou elitização da cozinha?
LUCIANA MASTROROSA Acho que houve uma valorização. Até algumas décadas atrás, trabalhar na cozinha era considerado, erroneamente, um emprego menor. À medida que os chefs foram se transformando em celebridades (primeiro no mundo, depois no Brasil), houve uma valorização natural na carreira de cozinheiro, inclusive com a criação de cursos, especializações e todo um novo arsenal voltado para a formação desse profissional. Antigamente, quem queria estudar técnica culinária tinha poucos cursos à disposição. Quem possuía recursos, ia estudar hotelaria no exterior. Quem não possuía recursos, começava do zero, trabalhando arduamente na cozinha pela experiência. Hoje em dia, os dois caminhos coexistem, mas há mais opções de cursos de excelente qualidade no Brasil. Do ponto de vista do acesso a cursos universitários, pode-se dizer que, sim, que há uma elitização, pois nem todos podem pagar as mensalidades desses cursos. Por outro lado, é errôneo acreditar que o estudante já sai pronto para chefiar uma cozinha. É preciso muita experiência profissional para receber o título de chef. Esse glamour construído em torno da profissão de cozinheiro leva a muitas ilusões.
CONTINENTE A impressão que a TV passa é de que as mulheres ainda são apenas cozinheiras e os homens, chefs. Como você percebe essa questão de gênero nesses programas?
LUCIANA MASTROROSA Acho esse momento que vivemos muito rico para esse debate, que tem de ser levado em consideração, sim. Por muito tempo, o espaço da cozinha para a mulher foi o lar. O espaço da cozinha para o homem era a cozinha profissional. Até hoje, muita gente, infelizmente, continua a pensar assim. Certos prêmios gastronômicos internacionais ainda fazem uma distinção do tipo “fulana é a melhor chef mulher de 2016”. Mas o prêmio principal só vai para homens… Não faz sentido, certo? Prêmios não deveriam ter gênero, na minha opinião. Sabe-se que a cozinha profissional ainda pode ser bem machista e isso é algo que deve ser combatido diariamente. De fato, talvez a TV reforce um pouco esse estereótipo, mas não creio que seja em todos os programas. No caso do MasterChef, por exemplo, a chef Paola Carosella sempre me pareceu bastante combativa na questão de gênero, defendendo, inclusive, no programa, que a mulher pode fazer o que ela quiser – em resposta a um comentário do colega e chef Erick Jacquin (que disse a uma candidata que ela já “podia casar” após ter feito um prato bom). A batalha existe, é real, e que bom que podemos enxergar isso e tentar mudar essa realidade para que homens e mulheres possam ser igualmente respeitados.
CONTINENTE Como são muitos e num meio dispersivo, esses programas vão contra o objetivo dos livros de receitas, que é exatamente registrar e perpetuar a feitura dos pratos?
LUCIANA MASTROROSA Penso que a gente está atravessando um momento muito interessante de mudança de paradigmas. Eu aprendi nos livros, no máximo, na TV. Mas as gerações mais jovens já têm à disposição mil e uma maneiras de se informar: pelos livros, pela internet, pelo celular, pela televisão… Por isso, não creio que esses programas vão contra o objetivo dos livros, pelo contrário! Muitos desses programas acabam se transformando também em livros de receitas, convivendo com eles, fazendo um crossmedia muito interessante e bem-vindo.
CONTINENTE Você tem programas de culinária prediletos? Quais? E por quê?
LUCIANA MASTROROSA Tenho lembranças muito queridas de quando comecei a verdadeiramente trabalhar com escrita gastronômica. Além de buscar avidamente livros sobre o assunto, eu adorava acordar cedo no fim de semana e assistir aos programas do Jamie Oliver e da Nigella, que na época passavam no canal GNT. Aquilo me inspirava muito, a maneira como eles tratavam os ingredientes, as cozinhas equipadas, a horta… Isso, de certa forma, moldou meu desejo de me tornar quem sou. Hoje em dia, acompanho alguns programas, mas não todos. Gosto muito do MasterChef, embora ache que os jurados pegam pesado demais nas críticas, às vezes, e o lance da competição a todo custo me incomoda. Mas gosto de ver a evolução dos cozinheiros, de como se esforçam para ser melhores. E aprecio o trabalho da Bela Gil, que tem se dedicado a uma seara pouco explorada anteriormente, que é uma alimentação mais natural, de uma maneira singela e leve.