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“Mesmo um filme que não fale diretamente de política, é político”

Entrevista com Pablo Larraín

TEXTO Mariane Morisawa

01 de Novembro de 2017

O cineasta Pablo Larraín

O cineasta Pablo Larraín

foto divulgação

[conteúdo vindulado à matéria da ed. 191 | novembro de 2016]

Aos 40 anos de idade, Pablo Larraín está numa posição privilegiada – afinal, que diretor pode se gabar de lançar dois filmes de boa repercussão no mesmo ano? Talvez isso se deva ao seu bom humor. Foram-se os tempos em que ficava incomodado com as perguntas sobre seus pais, o senador Hernán Larraín e a empresária Magdalena Matte. Na conversa com a Continente, no último Festival de Cannes, em maio, o cineasta fez graça com suas desavenças políticas com os dois – seu pai é do partido direitista Unión Demócrata Independiente e sua mãe é ex-ministra do governo Sebastián Piñeira, e vem da família de dois presidentes da República conservadores, um deles derrotado nas eleições de 1970 por Salvador Allende. Ficou para trás a época em que era conhecido como “filho de…”. Agora ele é Pablo Larraín, cineasta famoso no mundo todo, participante dos festivais de Cannes e Veneza e possivelmente indicado ao Oscar.

CONTINENTE É um pouco triste pensar que nada mudou desde Neruda. Os pobres continuam pobres, os ricos continuam ricos. Há ditaduras em muitos países. O que pensa da situação política em nossos países da América Latina?
PABLO LARRAÍN Acredito que estamos em uma grande crise em todos os lugares. Veja o que está acontecendo no Brasil. Mas prefiro ser um pouco otimista. A palavra “crise” vem do grego e significa crescer. Espero que sim. Não sei, acho que o mundo está organizado de uma forma que é muito difícil de mudar. Porque se trata de dinheiro. Outro dia, houve uma reunião em meu país das empresas familiares. E o Chile é propriedade de cinco famílias, algo assim. Eles detêm cerca de 90% da riqueza. E os filhos estão assumindo, esse poder vai ficar aí.

CONTINENTE Gael García Bernal acha que toda arte é política. Acredita nisso?
PABLO LARRAÍN Claro. Mesmo um filme que não fale diretamente de política é político. Toda vez que você retrata quaisquer circunstâncias humanas é uma perspectiva política da vida. E, se você não reconhece isso como cineasta, está cometendo um erro. Outra coisa é fazer filmes diretamente políticos, e Gael e eu estamos muito interessados nisso. Gael é muito educado, estudou ciência política.

CONTINENTE E você vem de uma família de políticos.
PABLO LARRAÍN Claro. Eu tenho muito interesse em política. Não posso acreditar no que está acontecendo no Brasil. Na Argentina. Na Venezuela. Vejo Obama sentado ao lado de Raul Castro e dá vontade de pular na água! (risos) O que está acontecendo? Não sei, é muito confuso.

CONTINENTE O que seus pais disseram quando você contou que estava fazendo um filme sobre Neruda?
PABLO LARRAÍN Eles já estão… Acho que gostaram. Você deveria perguntar a eles!

CONTINENTE Mas eles estão aposentados, imagino?
PABLO LARRAÍN Não, meu pai é senador. De direita (sorri e esconde o rosto).

CONTINENTE Que efeito isso teve em você?
PABLO LARRAÍN No começo, muita gente me chateou. Agora, ninguém se importa. Eu não me importo. Tenho minha própria identidade. É ok. Não me sinto afetado por isso. No início da minha carreira, a imprensa colocava: “O filho de…”. Agora não tem mais isso. Colocam meu nome. Tenho minha própria identidade. Trabalho quase sempre com os mesmos atores. Na minha companhia, com minha família, meu irmão.

CONTINENTE Consegue separar o político do pai?
PABLO LARRAÍN Claro. Senão… (risos) Seria terrível. Nós discutimos muito. E eu faço gozação com ele, é fantástico.

CONTINENTE Mas eles devem ter dado alguma liberdade para você, porque pensa completamente diferente.
PABLO LARRAÍN Sim. E eu respeito muito isso. Porque, se meu filho ou minha filha vier me dizer um dia que quer apoiar um candidato de direita… Eu vou querer ter uma conversa séria. Eu respeito meus pais porque é difícil educar alguém com tanta liberdade.

CONTINENTE E no seu país deve ser difícil ser cineasta sem ter dinheiro da família.
PABLO LARRAÍN Não é verdade. Nunca ganhei um único centavo da minha família. Comecei fazendo filmes de baixíssimo orçamento. Aí, deu certo, no próximo tinha um pouquinho mais de dinheiro. Foi assim. Saí de casa quando tinha 21 anos. Parte da liberdade vem disso. Não dá para ser livre, se não for assim. E há uma confusão que foi espalhada pelo jornal The New York Times porque o sobrenome da minha mãe é o mesmo de uma dessas grandes famílias que controlam o Chile. E muita gente acha que é minha família. Quem me dera, querida! (risos) Queria ter esses milhões de dólares. Minha mãe trabalha. Tem sua própria empresa, vai bem, tem dinheiro, mas não é bilionária. Eu ia abandonar o cinema, se tivesse tanto dinheiro. Com certeza, não ficaria num apartamento fora de Cannes porque é mais barato!

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