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"Eu sou um traidor de classe"

Filósofo best-seller e professor da PUC fala sobre sua origem pernambucana, critica o meio acadêmico, a esquerda, os liberais e defende seu estilo provocador

TEXTO Marcelo Abreu

01 de Maio de 2015

Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé

Foto Folha Press

É longa a lista de alvos preferenciais da metralhadora bem-calibrada do filósofo Luiz Felipe Pondé: a secularização do cotidiano, o consumismo, o pensamento marxista e suas variantes, o feminismo, os departamentos de ciências humanas das universidades, a busca da juventude, a crença no poder das redes sociais. Ele critica também o que chama de “infantilização compulsória”, “materialismo hedonista”, “narcisismo estéril”, “gente inteligentinha”, “individualismo histérico” e época da “tagarelice total”. Pondé não tem medo de desagradar e adora uma boa briga intelectual. Nos últimos 10 anos, seu estilo desafiador rompeu a barreira da academia e tem estado presente nos livros e na imprensa – sobretudo na coluna semanal publicada na Folha de S.Paulo e nas participações televisivas no Jornal da Cultura.

Luiz Felipe Pondé nasceu no Recife, em 1959, passou a adolescência em Salvador e formou-se em Filosofia em São Paulo. Fez doutorado em Paris e pós-doutorado em Tel Aviv. Estudou com afinco o pensamento de Santo Agostinho e de Blaise Pascal. Com eles, desenvolveu sua visão sobre a falível natureza humana. Misturou tudo com a angústia de Dostoiévski e o ceticismo de Nietzsche e estava pronta sua visão pessimista do homem. Visão que ele expõe de forma provocadora, chamando os adversários para a briga em textos límpidos e divertidos.

Pondé é autor de livros como o best-seller Guia politicamente incorreto da filosofia, um ensaio venenoso sobre a onda da correção política que tomou conta do mundo. O texto é uma sucessão de boutades – ao mesmo tempo ousadas, engraçadas e profundas – que têm como alvo o público bem-pensante e os intelectuais. O recente A era do ressentimento é uma coleção de aforismos nos quais ele desanca os costumes ligados às vaidades da sociedade contemporânea.

Aos 55 anos, é professor da pós-graduação em Ciências da Religião na Pontifícia Universidade Católica (PUC), e do curso de graduação em Comunicação da Faculdade Álvares Penteado (Faap), ambas em São Paulo. Nesta entrevista, concedida num final de tarde em uma sala de aula vazia na PUC, ele comenta as polêmicas que suas opiniões têm suscitado, critica os intelectuais e o meio acadêmico e fala pela primeira vez com mais detalhes sobre sua origem pernambucana.

CONTINENTE Como foi a sua trajetória no Recife e como foi parar em São Paulo?
LUIZ FELIPE PONDÉ A família de minha mãe é de São Paulo e a de meu pai é da Bahia. Minha trajetória em Pernambuco foi muito curta, apesar de marcante. Nasci na praia de Piedade e vivi no Recife até os cinco anos de idade. Meu pai era oficial da Aeronáutica, capitão-médico da base aérea. A gente morava em Boa Viagem. Veio o golpe de 64 e meu pai esteve três meses preso porque era comunista, meio ligado ao grupo de Miguel Arraes. Foi posto na reserva. Aí ele arranjou um emprego na Bahia. No tempo em que morei em Salvador, sempre foi dito em casa que eu era pernambucano. E essa identidade era marcada pelo espírito combativo, por dizer o que pensa. Em Salvador, estudei no colégio jesuíta Antonio Vieira, fiz teatro um tempo, a faculdade de Medicina por cinco anos, na Federal da Bahia. Nesse ínterim, fui para Israel, conheci minha mulher em um kibutz, apesar de ela ser de São Paulo. Estava estudando psicanálise para ver se salvava a Medicina, mas aí a psicanálise me deu muita vontade de estudar Filosofia. Quando resolvemos vir para São Paulo, decidi fazer graduação de novo, em Filosofia.


Papa Bento XVI. Foto: Reprodução

CONTINENTE Em 2005, você ganhou uma notoriedade maior na imprensa ao escrever, de forma aprofundada, sobre a sucessão do papa João Paulo II. Como foi aquela experiência de falar sobre um tema delicado e, em geral, mal-entendido por jornalistas?
LUIZ FELIPE PONDÉ O tema é realmente muito mal-entendido por jornalistas, que sofrem de muitos preconceitos em relação a um monte de coisas, justamente pela formação. O que aconteceu em 2005 é que eu conhecia a obra do cardeal Joseph Ratzinger por ele ter sido muito influenciado por Santo Agostinho e ninguém o conhecia ainda no Brasil. Na época, o que eu queria mostrar é que Ratzinger não acreditava em soluções modernas para problemas modernos. Que ele tinha uma posição bastante conservadora e que era crítico da tentativa de a Igreja assumir opções modernas. O que, depois, acabou levando-o à renúncia.

CONTINENTE Entre muitos outros temas polêmicos, você escreveu contra o aborto, de forma bastante enfática e agressiva, num contexto intelectual em que é quase proibido ser contra a legalização.
LUIZ FELIPE PONDÉ A primeira vez que escrevi sobre o tema foi no Estadão, um texto grande em que eu já afirmava que não é preciso ser religioso para ser contra. Eu dizia que acho difícil sustentar o aborto sem levar em conta a desumanização do feto e que não precisava ser religioso para defender isso. Falo isso porque não sou religioso. Acho muito engraçado que um dos preconceitos típicos de baixo repertório é dividir o mundo de forma dicotômica: “Você fala isso, então você é religioso”. Esse artigo ao qual você se refere era um texto da Folha de S.Paulo em que eu começava dizendo: “Tenho phD, pós-doutorado, dou aula, falo várias línguas, sou contra o aborto. Vai encarar?”. Eu estava chamando para a briga a posição dicotômica. O fato de ser contra não significa que eu não ache que, em determinadas situações, alguém possa fazer o aborto, inclusive sendo ilegal, por alguma razão desesperada. Mas ainda não me convencem argumentos como saúde pública porque não consigo lidar com a ideia de que o feto não seja gente.

CONTINENTE Como encara as reações ao seu discurso expressadas pelas pessoas na rua e pelos colegas professores na universidade?
LUIZ FELIPE PONDÉ Sou parado na rua, restaurante, cinema, normalmente por pessoas que me adoram, em 99,9% dos casos. Muita gente não entende o que eu falo, mas na mídia tem muito isso, a pessoa acha que sabe quem você é e o que você pensa. Mas tem gente, claro, que entende o que falo e sabe que não sou reacionário ou a favor da ditadura, essa mentirada que normalmente a esquerda usa para xingar e rebater todo mundo que ela não consegue rebater em repertório. Chegam muitos e-mails a favor e contra. Agora, na academia, a situação é bastante difícil, porque a maior parte dos colegas é de esquerda e eu por natureza falo o que penso, não consigo dizer o que eu não penso. Essa é uma das causas principais do impacto que tive na mídia. Não larguei a Medicina para ficar brincando com Filosofia. Desde que estava no primeiro ano de Filosofia, pegava a Ilustrada e dizia: “Eu quero escrever aqui”. Tinha intenção de fazer filosofia não só na universidade. Agora, a universidade sofre muito com pouco dinheiro, pouco espaço, acaba sendo um monte de lobos se matando por causa de pouca carne. Uma das coisas principais é a inveja. Nós temos um sonho de que pensamos e discutimos coisas importantes com um grande número de pessoas, mas, na maior parte do tempo, acabamos simplesmente dando aula para alunos preocupados em cumprir tabela, garantir a carreira. O que acontece é que sou uma espécie de traidor de classe. Digo exatamente o que penso sobre qualquer coisa que me interessar. Não porque eu seja uma pessoa excepcionalmente corajosa. É assim que eu sou. Se não fosse assim, estaria sendo médico e seria muito mais rico (risos).

CONTINENTE O seu estilo polêmico – desafiando o leitor para a briga, sarcástico, agressivo – é proposital, ou você é assim em outras situações?
LUIZ FELIPE PONDÉ Às vezes, uso outro tipo de linguagem. Não sou assim toda hora, mas sou assim profissionalmente, quase o tempo todo. Minha linguagem de confronto é quando sei que estou discutindo com o que chamo de “inteligentinhos”. Aquele grupo de pessoas que tem repertório médio, que tem um comportamento totalmente mercantilizado com seu trabalho, finge que não tem, e que leu dois livros e nunca mais leu nada que pusesse em dúvida o que leu nos dois livros. A pessoa que tem a favor dela o fato de que tem as opiniões “certas”. Ela tem um pacote de “opiniões certas”. Quando estou confrontando isso, o tom de minha discussão sobe.


Imagem: Reprodução

CONTINENTE No livro Guia politicamente incorreto da filosofia há uns trechos bem duros com os colegas de academia.
LUIZ FELIPE PONDÉ Isso é uma questão já muito antiga. Existem colegas com quem não tenho nenhum confronto, faço parte de grupos de trabalho de Filosofia da Religião, tenho amigos. Mas é importante dizer isso: comecei a ter confronto muito antes de ficar famoso na mídia, porque tinha muito aluno na aula e atraía muito orientando, e gostava de dar aula. Sempre fui um pouco negligente com demandas burocráticas, não tenho paciência com isso. Quando voltei do pós-doutorado em Tel Aviv, em 2001, comecei a ter problemas na academia com alguns colegas. E só fui assinar a coluna na Folha em 2008. Foi a partir daí que eu virei “filósofo pop”.

CONTINENTE Gosta do rótulo?
LUIZ FELIPE PONDÉ Não me importo. Em alguma dimensão sou um filósofo pop. Acho isso ótimo. E é uma das coisas que enchem o saco de alguns colegas meus porque eu, de fato, hoje em dia, não estou preocupado com que achem que sou isso ou aquilo. Sou muito fiel ao que sou em termos de pensamento (risos).

CONTINENTE A partir de que ponto uma pessoa formada em Filosofia pode ser considerada um filósofo?
LUIZ FELIPE PONDÉ Acho que, primeiro, quando você começa a produzir conceitos que são mais ou menos originais. A gente nunca tem conceitos completamente originais em filosofia nem em coisa nenhuma. Estamos sempre aprendendo com a tradição anterior, com quem está do lado, com as leituras. Mas aí você começa a produzir algumas sínteses e conceitos que não têm em outro lugar. Por outro lado, quando você começa a falar alguma coisa que responde aos anseios de pessoas com quem vive. Daí minha preocupação em estar na mídia, falar com gente comum, ou seja, ser capaz de responder a questões que as pessoas têm no dia a dia. A filosofia também tem de fazer essa coisa. E quando você começa a servir de objeto de estudo para outras pessoas, isso é um indício de que começa a falar coisas, para além de ser unicamente um reprodutor daquilo que leu.

CONTINENTE Dizer que alguém é de direita no Brasil soa como uma acusação. Ninguém assume o termo. Afinal, qual a sua relação com as ideias de direita?
LUIZ FELIPE PONDÉ Uso a palavra no sentido de direita liberal, que não é o papo de ditadura militar. Só que, historicamente, a gente acabou associando, no Brasil, ditadura à direita, porque a ditadura, no cenário de Guerra Fria, representava os interesses americanos. Mas a ditadura brasileira foi desenvolvimentista, intervencionista, muito distante da ideia da direita liberal. Nada a ver com isso. Agora, minha relação com a direita liberal é um pouco controversa. Está claro que sou antissocialista, defensor da propriedade privada e da sociedade de mercado. É o único sistema que produz alguma riqueza. Mas, ao mesmo tempo, vai ficando mais claro para mim que existem certos estremecimentos no meu pensamento que são românticos, tecnicamente falando. Então, reconheço claramente efeitos colaterais desgraçados na sociedade de mercado. E isso me põe um pouco distante do liberalismo otimista, de que a direita normalmente gosta, de que se reduzir o Estado e soltar o mercado tudo fica ótimo. Muitos elementos da direita me olham com desconfiança porque defendo a sociedade de mercado, mas, ao mesmo tempo, tiro sarro de um certo ressentimento mimado que o capitalismo produziu. Todo mundo acha que tem direito a isso, a aquilo. Penso, por exemplo, que a sociedade contemporânea vai levar a uma catástrofe, vai explodir os recursos, não porque eu seja um cara que abraça árvore, mas porque acho que o desejo humano é insustentável. A gente quer consumir como norte-americano e ter segurança como um sueco. O meu problema é que não acho que a esquerda é solução. Pelo contrário, ela atrapalha porque fica ali no caminho da roça de Marx e de Foucault, a ideia de oprimido e opressor. E, do ponto de vista institucional, ela é supercanalha, domina a universidade, tem poder em redação de jornal. A esquerda perdeu em tudo, mas ganhou na cultura, na América Latina. Ela atrapalha porque oferece utopias. Não adianta dizer que vai criar igualdade no mundo. A igualdade só existe na pobreza. Se botar as pessoas para produzirem, elas vão se diferenciar. Agora, no cenário político atual, não há dúvida de que prefiro que surja um partido mais liberal no Brasil.


Foto: Reprodução

CONTINENTE Uma coisa que intriga no chamado pensamento conservador, expresso, por exemplo, no seu artigo no livro Por que virei à direita, é a ideia de que o ser humano é ruim em essência e o Estado não deve fazer nada para tentar melhorar seu comportamento. Então, o que se pode fazer?
LUIZ FELIPE PONDÉ Pelo menos no meu caso, não acho que o homem é ruim. No artigo A formação de um pessimista, vou mostrando os autores que marcaram a minha concepção de mundo. Entre eles, estão Pascal e Agostinho. Acho que o ser humano tem determinadas contradições e não acho que são as instituições que as causam, as instituições são frutos das contradições. O Estado, quando começa a querer legislar sobre o ser humano, pelo menos a história mostrou até hoje, ele só fez coisa ruim. O economista norte-americano Thomas Sowell usa a expressão “visão trágica”. Eu me identifico como trágico naquele artigo. Significa o seguinte: o ser humano tem contradições e ambivalências. E a gente conseguiu, a duras penas, ao longo de milênios, estabelecer algumas soluções para ele. Não acredito que um cara num gabinete, tipo Rousseau ou Marx, tenha resolvido toda a história da humanidade, determinando como o ser humano deve ser. Isso é só vaidade. Não tenho a mínima ideia do que fazer com o ser humano. Acho que qualquer um que diga que sabe é um mentiroso, pelo menos do ponto de vista intelectual. A gente tem que ir com mais calma com o ser humano, principalmente depois do século 20 e de toda a utopia de esquerda realizada. Pelo menos a história comprova que a gente é meio egoísta, meio mentiroso. Acredito que os sete pecados capitais são melhores para analisar o comportamento do que a luta de classe, apesar de eu não ser religioso.

CONTINENTE Você não acha que o Estado tem um papel de coibir, por exemplo, propaganda de bebida alcoólica em programas infantis ou propaganda de cigarro?
LUIZ FELIPE PONDÉ Acho que o Estado quer definir tudo na nossa vida e ele cresce na medida em que a família encolhe. Não é à toa que o Estado vai se agigantando à medida que as famílias vão sendo destroçadas. É interessante como fazemos, nas Ciências Humanas e na Filosofia, uma demolição da família, no mínimo há 40 anos. Arrebentamos teoricamente com a família dizendo que ela é patriarcal, autoritária, que os pais não sabem nada, que os filhos devem criticar os pais, filhos de 15, 16 anos. Penso que o Estado tem uma vontade danada de mandar em todo mundo. Não confio nele. Quem disse que tenho de confiar em alguém que fez uma tese de doutorado numa faculdade e virou secretário da Educação ou da Cultura e acha que tem de definir o que eu assisto na TV? É muito difícil discutir com a “teoria dos ungidos”, como diz Thomas Sowell, intelectuais e técnicos que, supostamente, sabem guiar nossa vida. No caso de bebida, é claro que tem de alertar para não guiar se vai para uma festa. Mas não vejo com bons olhos que o Estado comece a querer legislar a relação entre pais e filhos, como a lei da palmada e coisas assim. O fato é que quanto menos se tem família mais se precisa de Estado. Agora, o Estado tem de dar saúde básica, educação básica para todo mundo, fazer estradas etc.

CONTINENTE Numa sociedade de massa, saturada pela enganação publicitária, o Estado não deveria ter um papel de defensor, por exemplo, do consumidor?
LUIZ FELIPE PONDÉ Não acredito nesse papel, não existe defensor. A propaganda manda você comprar uma coisa, a outra manda você comprar outra coisa; se existe pai e mãe, um deles manda a criança desligar a TV naquele horário. Por que deixam na frente da televisão? Porque estão separados, pai e mãe querem ir para a balada e aí chamam o Estado. Não confio no papel de defensor porque o Estado traz um aporte ideológico. Você se defende da McDonald’s não comprando. Mas como se defender do Estado? Quando ele resolve multar feito um louco, como em São Paulo, o que você faz? Nada, porque o Estado se oferece como um deus. Quanto à publicidade, pode-se desligar a TV. E o Estado? Você não desliga o Estado. Ele vigia você o tempo inteiro.


Foto: Reprodução

CONTINENTE Por que existe tanto entusiasmo entre os intelectuais em torno das mobilizações por meios eletrônicos, mesmo tendo elas estimulado experiências desastrosas como a chamada Primavera Árabe, a atuação dos black blocks, o terrorismo e o crime em geral?
LUIZ FELIPE PONDÉ Primeiro, porque as redes sociais dão visibilidade a intelectuais que não têm visibilidade. Isso é para todo mundo, inclusive intelectuais. Por isso, nas redes sociais funciona melhor o linchamento do que qualquer outra coisa, porque dá tesão linchar as pessoas. Depois, vem uma certa ideia de que todo mundo vai se reunir e fazer uma revolução e é o povo. Mas intelectual, normalmente, só gosta do povo que ele tem na cabeça. Quando o povo faz o que ele não gosta, ele diz que o povo é ignorante. Quando tem um grupinho que concorda com ele, diz que esse grupinho é o povo. Quanto à Primavera Árabe, ela foi um surto orgasmático do intelectual ocidental. O Oriente Médio é uma região supercomplexa, o Egito voltou a ser o que era, a Síria está destroçada. O ocidente intelectual só atrapalhou a discussão da Primavera Árabe. O apoio se insere no frenesi de intelectuais que tomam vinho em Paris e acham que o mundo inteiro cabe lá na taça de vinho deles.

CONTINENTE O culto da tecnologia é hoje uma nova forma de ideologia no sentido marxista da palavra?
LUIZ FELIPE PONDÉ No sentido marxista da palavra, eu vou dizer que é uma das formas que a ideologia burguesa assume no seu período tardio. Aquilo que Adorno dizia que a ciência é o fetiche da burguesia, nesse sentido, sim. A mesma coisa com as redes sociais. Não vejo diferença do fetiche com o iPhone e o fetiche com as redes sociais como motor transformador do mundo. Para mim, são fetiches do mesmo tipo. Não tenho dúvida de que certas estruturas econômicas impactam no modo de pensar do mundo. De tanto brigar com a esquerda para ela me deixar existir, para ela não destruir todos os alunos e deixá-los ler outras coisas, pode parecer, por exemplo, que eu ache que a teoria da mercadoria não seja verdadeira, que eu ache que a razão instrumental não seja verdadeira. Na verdade, grande parte da crítica e da análise da sociedade e do capital é superimportante. Mas a esquerda quer ser mais do que isso, quer dizer que sabe como resolver isso, o que é mentira. Quer que todo mundo leia o que ela acha que é verdade, o que é autoritário. Ela reduz a bibliografia dos alunos. É muito fácil fazer com que o aluno seja de esquerda, basta dizer que ele não precisa arrumar o quarto, precisa mudar o mundo.

CONTINENTE Você afirmou que o Facebook é “brega”. Por que usou esse termo exatamente?
LUIZ FELIPE PONDÉ Porque ele é uma espécie de fetiche vagabundo. O que eu acho brega é porque o sujeito tira foto de pizza, posta a foto, fala um monte de mentira sobre si mesmo. E brega mesmo é quem acha que o Facebook é revolucionário (risos). 

MARCELO ABREU, jornalista, autor de livros como De Londres a Kathmandu e Viva o Grande Líder - Um repórter brasileiro na Coreia do Norte.

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