Assim como articulou a poesia com a vida, Paz acreditou na associação entre poesia e crítica. A elaboração de sua obra poética teve por contraponto seu trabalho como ensaísta. À publicação da reunião de seus poemas, Libertad bajo palavra, em 1949, seguiu-se um período de amadurecimento de seus estudos, que resultou em O arco e a lira, de 1956. A reflexão sobre a poesia, sobretudo do período moderno, desdobrou-se, em seguida, em Os filhos do barro e A outra voz. Os versos de Paz formulam perguntas de grande relevância filosófica e seus escritos teóricos são muito poéticos. Em poemas como Pedra do sol e Blanco, traduzidos por Horácio Costa e Haroldo de Campos, respectivamente, nota-se intenso trabalho de reflexão. A obra de Paz é extensíssima, vai de 1933 até sua morte, em 1998. Além da produção poética, seus ensaios cobrem uma quantidade impressionante de assuntos: política, estética, filosofia, história do México, biografia, viagens, artes plásticas, cinema, antropologia. Será possível reconhecer um traço comum nessa pluralidade de assuntos e nessas múltiplas abordagens?
Muitos acreditam, com razão, que um escritor ou um pensador persegue, ao longo de sua obra, a resposta a uma única pergunta. Isso aconteceu com Octavio Paz. Em 1943, ele fez uma palestra sobre São João da Cruz e Quevedo, dois dos maiores poetas do século 17, na Espanha, intitulada Poesia de solidão e poesia de comunhão. São João expressa a experiência da comunhão com Deus, da completa consonância com a transcendência. O voo místico descrito nos seus versos foi possível porque ele ainda pertencia a um mundo em que imperava a harmonia de todas as esferas da experiência. Muito diferente foi o caminho de Quevedo. Ele é o poeta consciente de estar apartado da totalidade. E consciência significa cisão entre o eu e o mundo.
Os textos teóricos de Paz e sua poesia foram uma exploração sempre renovada do significado dessa oposição entre solidão e comunhão. O labirinto da solidão considera a história do México por esse viés. Ela começa com um período em que predominava um sentido unitário do mundo, na colônia, caminha para uma época de estranhamento do país relativamente a seu próprio modo de ser, no século 19, e alcança a Revolução, que constituiu a tentativa de resgate da unidade perdida.
A dialética de comunhão e solidão adquire na obra de Paz uma dimensão filosófica, histórica e existencial. Entretanto, ela nunca alcança um termo final, é incompleta. A lição que o escritor extraiu do exame da revolução mexicana é de que o resgate da identidade pretendido por ela é impossível. Do mesmo modo sob todos os outros aspectos: filosófico, pois nunca captamos a realidade como plenitude; histórico, pois a história nunca termina, como pretenderam filósofos como Marx; existencial, uma vez que nossa busca do absoluto é sempre insatisfatória.
Isso acarreta uma desistência ou significa um malogro? Não para Paz. As mais relevantes realizações da humanidade e as experiências mais preciosas de cada homem se explicam por estarem envolvidas na dialética da solidão. A vida de cada um progride na infância, a seu modo feliz, passa pelas obrigações do homem adulto, e caminha para o fim. Em certos momentos, temos a expectativa de recuperar alguma forma de completude. Essas são experiências que derivam do reconhecimento da nossa precariedade e também de nosso inconformismo diante delas. São como pontes que lançamos, mas que nunca atingem o outro lado.
Também do ponto de vista da história, a humanidade passou das comunidades primitivas até a modernidade, que é o momento em que se sofre da maior solidão. Octavio Paz considerou alguns enfrentamentos da dramática situação moderna. A política revolucionária foi um deles. Os grandes líderes dos séculos 19 e 20 prometeram a realização do reino da liberdade e a superação da solidão. Entretanto, o que se viu, e que Paz denunciou, foi que a síntese alcançada nessa dialética levou ao congelamento de todas as possibilidades criativas e à prisão a um novo absoluto. Outro foi o caminho apontado pelos poetas, a contrapelo do mundo moderno. Novalis, Nerval, Baudelaire, Lautréamont, Poe, Rimbaud e Breton são os verdadeiros heróis míticos do nosso tempo. O intento deles foi unir o céu e o inferno, mesmo sabendo que nunca atingiriam isso.
EDUARDO JARDIM, escritor, doutor em Filosofia e autor do livro A duas vozes - Hannah Arendt e Octavio Paz.
Leia também:
Poesia: Uma mistura de contrários
Força da tradição humanista