DIÁSPORA MODERNA
A relação com o Brasil é antiga. Eduardo é fã dos filmes Orfeu negro (1959) e Central do Brasil (1997). Como cineasta, viajou pelos bastidores do samba e do carnaval do Rio de Janeiro, no documentário Samba on your feet (2005). Na literatura nacional, quem o despertou foi Azul-corvo, romance de Adriana Lisboa. O diretor se identificou com a diáspora moderna vivida pela protagonista Evangelina.“O enredo lembra meu próprio exílio. A praia de Copacabana, na história dela, é como se fosse minha cidade de origem, Buenos Aires. O estado americano do Colorado, da pesonagem, é meu mundo pós-exílio. É interessante perceber a relação da ideia de origem e destino”.
O resultado do encontro com a escritora foi um belíssimo poema visual de 26 minutos, ambientado no clima frio das montanhas americanas coloradenses, apresentando os contextos históricos de dois países e do encontro do ser humano com o “outro”. “No meu caso, sempre posso transformar a saudade em literatura”, expressa a personagem Adriana, numa cena. O filme Lisboa está disponível na íntegra, no site da Continente.
Processo de aproximação semelhante ocorreu entre Montes-Bradley e Ronaldo Correia de Brito. No apartamento recifense do escritor, eles conversaram sobre as inspirações socioculturais do conto Homens atravessando pontes. “A escrita dele me lembra a de Edgar Allan Poe. Gosto de como descreve o caminho que percorre pelo Recife, a aura imaginativa. A cidade como uma Amsterdã tropical. Gravamos sobre a vida de Ronaldo no interior do Ceará e na capital pernambucana.” O diretor retorna em novembro ao Brasil, para filmar as últimas cenas do filme Correia de Brito, no município cearense de Saboeiro, cidade de nascimento do autor.
A leitura de Adriana Lisboa desencadeou o interesse do cineasta pela literatura brasileira. Foto: Divulgação
A partir do seu livro Flores azuis, no documentário que protagoniza, Carola Saavedra analisa o bem e o mal humanos. Entre uma casa escura em Berlim e a praia do Rio de Janeiro, a autora lê “porque não há nada mais perigoso do que tentar ser bom. A certeza de que na bondade residem os maiores delitos, as maiores injustiças”. Os efeitos são únicos. A câmera sai vasculhando entre luzes, trechos de livros e a relação invisível, mas sempre presente, entre o diretor e o escritor. É como uma conversa pacata cheia de insights, acolhida por um olho fotográfico que aproveita as ocasiões memoráveis do espontâneo.
Os livros Eles eram muitos cavalos, de Luiz Ruffato, e Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum, são considerados por Montes-Bradley como dois dos melhores romances que já leu. Os documentários, ainda em fase de produção, trazem perspectivas tanto dos lugares de onde os escritores cresceram quanto de suas visões pessoais sobre o mundo. Ambos, Ruffato e Hatoum, são migrantes em São Paulo: o primeiro, mineiro, o segundo, manauara.
“O foco da minha filmografia não é literatura, nem o escritor. Esse é o gancho para mergulhar na cultura. Estou mais interessado nas circunstâncias que cercam o homem atrás dos escritos de Correia de Brito, por exemplo, do que nos seus trabalhos os quais eu acredito devam ser o foco da crítica literária”, adianta Eduardo Montes-Bradley, para quem não existe forma certa ou errada de explorar a experiência humana, mas “só resultados inigualáveis”.
Além dos autores brasileiros, o diretor está finalizando um longa sobre a poeta ganhadora do Prêmio Pulitzer, Rita Dove, e a relação delicada – em meados dos anos 1960 – entre negros e brancos nos EUA. Ao refletir sobre sua intenção, Montes-Bradley afirma: “Não procuro popularidade. O que espero é saber que, algum dia, seus netos e os meus poderão conhecer, através dos olhos de certos personagens, como foram os dias vividos hoje.”
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