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"O intelectual perfeito não existe"

Jornalista, biógrafo e documentarista, o argentino Eduardo Eduardo Montes-Bradley desmistifica a possível "sacralização" dos autores que ele traz em seus trabalhos

01 de Agosto de 2013

Eduardo Montes-Bradley

Eduardo Montes-Bradley

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "Claquete" | ed. 152 | agosto 2013]

Eduardo Montes-Bradley,
ao longo de mais de 40 anos de carreira, criou a própria maneira de filmar.Desempenha as funções de jornalista e biógrafo.“É impossível separar os papéis”, diz. Entre as obras de sua autoria estão a biografia Cortázar sem barba, sobre o escritor argentino - que também é protagonista de um de seus documentários - e a antologia de contos Água no terceiro milênio. Nesta conversa com a Continente, ele revela aversão à canonização de estrelas da literatura e conta como se deu sua aproximação com o Brasil. “Não trabalho com escritores com um olhar cego de um fã incondicional”, afirma.

CONTINENTE De onde surgiu o interesse pelo Brasil?
EDUARDO MONTES-BRADLEY Está no meu DNA social. Meu pai morou aqui, em 1954, num intercâmbio no bairro carioca de Laranjeiras. Muitos parentes meus moraram no país, como Carlos Ocantos-Ziegler, o primeiro argentino a escrever sobre o Rio de Janeiro, ainda no século 19.

CONTINENTE A sua concepção de como filmar um documentário mudou do seu primeiro filme até hoje?
EDUARDO MONTES-BRADLEY A tecnologia e a forma de entender as audiências mudou. A TV é cheia de shows de realidade. Documentário é drama ao vivo, está em todo canto. Os formatos tradicionais de filmar estão mortos, como a Alemanha Oriental.

CONTINENTE No seu filme Cortázar: apuntes para un documental, há visões positivas e negativas acerca do escritor. Não é solene. Existe algum autor a respeito do qual você se posiciona como fã incondicional?
EDUARDO MONTES-BRADLEY Não trabalho com nenhum personagem sob o olhar cego de fã incondicional. Esse tipo de intelectual perfeito não existe. Eu amo contradições. Aprecio encontrar livros que não leio porque não foram escritos para mim. Confie no que diz o escritor Luis Borges: se você lê um livro e não gosta, não leia. Se for Don Quixote, que seja! Literatura deve ser prazer.

CONTINENTE Há um estranhamento entre a literatura hispano-americana e a brasileira?
EDUARDO MONTES-BRADLEY Não creio em irmandade. A multiplicidade de idiomas está em constante tensão. Existe mais distância entre o espanhol falado na região do noroeste da Argentina e uma pessoa no sul da Espanha, como no espanhol falado em Chiapas e em Bogotá. Posso ter mais em comum com um poeta dos Balcãs do que com um poeta da Guatemala. Idiomas são únicos.

CONTINENTE Qual a diferença entre a literatura argentina e a literatura brasileira?
EDUARDO MONTES-BRADLEY A literatura argentina já foi bastante influente. Hoje é praticamente restrita a Buenos Aires. A brasileira é mais diversificada, é de onde os melhores títulos estão saindo. A primeira está derretendo, aparentemente estagnada. A segunda está envolvendo. 

CLARISSA MACAU, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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