Foi assim que a dramaturgia apresentada em Pernambuco ganhou mais uma camada: a história real dos atores. “Nas leituras e ensaios, vi que aconteceu um milagre! Leidson era realmente Olivier e Fátima era Lili. Eu não sabia disso! Rolou uma projeção muito forte. Leidson hoje fala de Olivier como se fosse ele mesmo”, brinca o diretor. “Foi um processo forte, intenso. Muitas pessoas vão se identificar, porque são experiências comuns a todo mundo, a infância, a juventude, o amor”, explica Leidson Ferraz.
Na cena, há momentos em que fica difícil distinguir quem é quem. Será aquela a história de Olivier ou dos próprios atores? Há, por exemplo, uma sequência em que Lili perde o pai. Nesse momento, a dramaturgia abarca ainda mais a realidade: Fátima fala da morte do pai dela e até o diretor entra em cena contando o que aconteceu, quando soube do falecimento do pai da amiga. Sim, porque, em última instância, o espetáculo é uma história de amizade. Uma celebração! Entre Olivier e Lili e entre Rodrigo Dourado, Fátima Pontes e Leidson Ferraz, que, apesar de serem amigos há 15 anos, nunca tinham trabalhado juntos.
Para montar esse quebra-cabeça entre real e ficção, público e privado, a pesquisa contou com vários elementos “verdadeiros”, como fotografias e objetos do uso cotidiano. “A partir do momento em que a memória é também uma reconstrução do real, criamos aí outra camada para o público mergulhar”, aponta o diretor. Rodrigo Dourado vinha de uma experiência de direção frustrante. Ele, que também é jornalista e professor universitário, se apaixonou por um texto do venezuelano Gustavo Ott. “Enlouqueci, quando conheci a escrita do cara. É bem parecida com a escrita de Newton Moreno, de Marcelino Freire”, diz. E aí, em 2009, estreou o espetáculo Chat – que o público, o diretor mesmo conta, achou chatíssimo. “Foi um fracasso de público e de crítica. Mas foi muito bom, para perceber os interesses da plateia do Recife. Chat tratava de questões religiosas, islamismo, migração, violência”, relembra. Com Olivier e Lili, tanto direção quanto elenco apostam noutro resultado, inclusive com o público jovem. “O espetáculo tem uma pegada pop muito grande. É engraçado, divertido”, diz Leidson Ferraz.
Se, em Chat, Rodrigo Dourado trabalhava com quatro atores, neste novo espetáculo também poderia ter optado por um elenco mais numeroso, já que o texto traz essa possibilidade. São vários os personagens que passam pela vida de Olivier e Lili ao longo da encenação. Aí entra a decisão do diretor, que queria se aprofundar no trabalho dos atores e facilitar a produção e, por isso, resolveu focar apenas os personagens principais.
A história deles, no entanto, não é contada de forma tradicional. Muito antes do surgimento do Twitter, Elizabeth criou um texto telegráfico, uma narrativa fragmentária. Escrito em terceira pessoa, não há diálogos entre personagens; ou, mesmo, antes disso, a definição de personagens. É quase um diário dos hábitos e do que acontecia na vida dos dois. A partir daí, podem surgir diversas questões, como o público e o privado, a sociedade do espetáculo, do Big Brother e das câmeras de segurança. “A sociedade já está tão teatralizada, que o teatro parece que está fazendo o caminho inverso. A política, a religião, está tudo tão performático, que o teatro parece querer se tornar menos empolado, menos ‘teatral’ demais”, diz Dourado.
Não é, no entanto, um mergulho em definitivo na realidade. “Se for realidade 100%, a plateia rejeita.” Rodrigo Dourado lembra o que diz a pesquisadora francesa radicada no Canadá, Josette Feral: que o real só deve entrar em cena quando tiver um sentido dramatúrgico. É a realidade servindo ao propósito de poetizar a ficção.
POLLYANNA DINIZ, jornalista, colaboradora do blog sobre teatro Satisfeita, Yolanda?.