Entrevista

“A Terra continua, mas não as pessoas”

Biólogo e oceanógrafo Clemente Coelho fala sobre as consequências ignoradas das manchas de óleo, que, neste mês, atingiram 1 mil pontos no litoral brasileiro

TEXTO Débora Nascimento

27 de Janeiro de 2020

Clemente Coelho, biólogo e professor da UPE

Clemente Coelho, biólogo e professor da UPE

FOTO Thais Rebequi / Acervo da Fundação Toyota do Brasil / Divulgação

Quase não se fala mais no assunto na imprensa e nas redes sociais. No entanto, o problema persiste. Neste mês de janeiro, as manchas de óleo chegaram a mais de 1 mil pontos no litoral brasileiro. E as dúvidas sobre a origem e as consequências da tragédia ambiental permanecem. Em dezembro de 2019, o biólogo e oceanógrafo Clemente Coelho concedeu uma entrevista para a reportagem de capa da Continente de janeiro, sobre a história social da praia. Na conversa, o professor da UPE falou sobre as reais implicações do derramamento de óleo e convocou a sociedade a cobrar do governo federal um monitoramento das águas, das áreas costeiras e dos peixes, como também uma postura mais enfática na defesa do meio ambiente.

CONTINENTE Como está a situação dessa tragédia ambiental?
CLEMENTE COELHO No momento, esses pequenos fragmentos chegam muito raramente. Há um pouco de desconfiança de que existem ainda manchas de óleo no fundo, porque conforme essa substância é despejada no mar, ela sofre um processo que a gente chama de intemperismo físico-químico, algo como uma decomposição. Uma parte, os gases, sobe para a atmosfera, e a parte sólida, se dividisse em duas fases, uma mais pesada e a que foi essa que veio migrando para cá. A que foi para o fundo é que a gente ainda desconhece, é bastante difícil se detectar isso, então não sabemos ainda que manchas virão ainda, manchas mais pesadas. Ainda paira essa desconfiança na academia. Então, hoje, a situação é essa, não chegam mais aquelas manchas, como chegavam, pequenos fragmentos. Porém, o que tem aparecido bastante no nosso litoral, inclusive aqui em Pernambuco, Alagoas, são manchas que ficaram enterradas, não foram limpas. Elas reaparecem na superfície, nas praias, nas areias, e aparecem manchas nos estuários, pela movimentação das marés, o movimento dos rios, que acabam trazendo à tona, porque o óleo penetrou no rio e afundou. Só que ele também sofre o processo de decomposição, então muito dessas manchas de óleo está subindo, porque formam gases e, ficam meio gelatinosas, reaparecem e vão parar no mangue novamente. E há alguns relatos de manchas que aparecem, por exemplo, na praia do Boqueirão, em Japaratinga, que são manchas que estavam presas nos corais, e os ventos, os movimentos de corrente, de ondas, trazem para a praia. A praia do Boqueirão, por exemplo, ela recebeu óleo durante 50 dias. Então é essa a situação, o óleo que ainda não foi limpo está sendo empurrado pra lá e pra cá.

CONTINENTE Então a gente ainda não pode dizer que o pior já passou?
CLEMENTE COELHO Essa é a questão principal, talvez não. A gente divide o impacto em duas fases, a aguda, e a crônica. Não se pode comparar qual parte é melhor e qual é pior, mas é fácil entender. A aguda é essa que a gente vê, o óleo que vem cobrindo as praias, vem cobrindo as pedras, os corais, entra nos manguezais, suja as raízes, os troncos, a lama do mangue… Esse é o efeito agudo. Depois que chegou o material e ele começa a sofrer esse processo de decomposição, é que vem o que a gente chama de impacto crônico, que é exatamente a liberação de moléculas bastante nocivas para o meio ambiente, inclusive para a saúde humana, e demora muito tempo até a natureza cuidar disso. As medidas de remediação para isso às vezes são até piores do que o estrago em si. Usar produtos químicos para decompor o óleo mais rapidamente, ou usar produtos de decomposição aparentemente natural, faz com que se acelere o processo de liberação de moléculas nocivas, hidrocarbonetos, benzenos. Esse efeito crônico é o que a academia vai começar a dar mais atenção. As respostas ainda vão chegar, as análises são demoradas. Os relatos de experiências similares ao redor do mundo indicam que parte de petróleo pode demorar até décadas nesse efeito crônico, essa contaminação. Então eu não diria que diminuiu o problema, nós vamos ter que enfrentar esse problema pelo menos nos próximos 20 ou 30 anos.

CONTINENTE Nessa leitura, a gente não deveria tomar banho de mar?
CLEMENTE COELHO Quando se fala de mar, a gente tem que lembrar, é um corpo d'água oceânico gigantesco, né? Então há uma divisão. Praias mais agitadas, com ondas, com mais corrente, certamente estão livres dessa contaminação. O que dá uma maior concentração dessas moléculas nocivas são as áreas mais abrigadas, com menor circulação da água, como os estuários, por exemplo. Nos nossos rios, possivelmente as águas estão contaminadas. Naqueles que receberam maior quantidade de óleo, bacias hidrográficas menores, a concentração é maior, e isso tem que ser monitorado. Por enquanto, não se tem, infelizmente, essa medida de monitoramento. Essa análise de água demora um pouco. Com relação à contaminação do solo, da areia da praia ou da lama do mangue, sequer fizeram esses estudos ainda. Então não se consegue limpar 100%. Porque o óleo se fragmenta em pequenas partículas, então elas já estão misturadas na areia. A ação voluntária, a ação de limpeza e as raríssimas ações de limpeza feitas pelo governo dão a impressão de que está tudo bem, quando não se vê o óleo. Mas pequenas partículas, tem. Não há muitas partículas, mas praias que não foram limpas, sem dúvida nenhuma estão contaminadas e talvez não haja nem necessidade de análise, porque o petróleo, é altamente tóxico. A gente tem hoje o que a gente chama de princípio da precaução. Infelizmente, por falta de estudo, a gente acaba passando essa informação, de que o petróleo é altamente tóxico, e que áreas mais afetadas devem ser evitadas. Áreas que não foram afetadas ou áreas que foram um pouco melhor limpas, vamos dizer assim, possivelmente não vão causar nenhum problema. Mas, sempre esperando que hajam estudos para comprovar essa hipótese.

CONTINENTE Ou seja, é preciso ter uma análise de amostras de areia e de água de cada praia pra poder ter uma ideia?
CLEMENTE COELHO Tem que ser feito. Eu acho importante que a sociedade saiba disso, para cobrar. A gente já completou mais de cem dias. No entanto, a gente só foi ver os resultados das primeiras análises no final de novembro. Mais de 70, 80 dias para iniciar e ainda faltam alguns resultados, que são muito esporádicos. Poucos pontos, levando em consideração a dimensão gigantesca do nosso litoral. O litoral do Nordeste inteiro, chegando até o Rio de Janeiro. A gente vê que são pontuais demais esses estudos, raríssimos.

CONTINENTE Essa análise estaria dentro do plano de contingência, ou seria algo extra?
CLEMENTE COELHO Esse é o grande xis da questão. Desde o começo, os ambientalistas, a academia, bateu nessa tecla se acionar o plano nacional, porque o plano nacional de contingência tem um comitê executivo, que infelizmente foi extinto em abril de 2019, que era quem deveria operacionalizar o plano. O plano tem um manual aprovado em abril de 2018. Ee você olhar lá, tem tudo, tem desde ações de limpeza, remediação, até assistência às vítimas. Então, infelizmente, a gente vê as coisas acontecerem de forma completamente desarticuladas, na maioria das vezes, iniciativas voluntárias, até essas análises também. Tem pesquisadores aí buscando recursos pra fazer análise que o governo deveria já ter adiantado desde o começo, de 30 de agosto pra cá. Em meados de setembro já era pra o governo começar a atuar nisso, de analisar, e tudo mais. Sem dúvida nenhuma, o fato do plano nacional de contingência não ter sido acionado atrapalhou muito, muito, muito, em todos os sentidos. Por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente, que é o órgão central, a gente viu o que aconteceu, né? O descaso, a forma como tratou inicialmente de forma politicamente incorreta, e isso atrapalhou bastante. E hoje, a gente vê a Marinha emitir um chamado (para a formação de um) GAA (Grupo de Avaliação e Acompanhamento), que é um braço do plano nacional de contingência composto por Marinha, Ibama e Agência Nacional do Petróleo, e como o óleo veio do oceano, o GAA é coordenado pela Marinha. A Marinha só foi acionar os cientistas, a discussão, no início de dezembro. Exatamente cem dias depois. E você vê nitidamente escrito lá no manual que deveria se ter logo quando acionado o plano, já a criação de uma comissão, de um grupo de trabalho de cientistas com expertise em óleo para poder então levar diretrizes e planejar como lidar com a causa. E a gente viu isso acontecer na semana em que foi a reunião do GAA lá no Rio de Janeiro.

CONTINENTE E dessa reunião, o que foi que saiu de importante, que você possa me dar um resumo?
CLEMENTE COELHO Existe um grupo, ainda não foi de fato lançado, mas a imprensa noticiou essas reuniões. Existem grupos de trabalho desde, por exemplo, grupos de trabalho junto às unidades de conservação, mais voltados à pesquisa oceanográfica, modelagem do oceano, para se verificar as causas, até grupos de trabalho de ecossistemas, de manguezal, coral, praias… Então eles se reuniram, foram grupos pequenos, por exemplo, de um GP de manguezal foram quatro pesquisadores, e poucos, realmente, levaram protocolos para serem apresentados. O GP manguezal apresentou, sim, um protocolo, mostrou até que já existiam esses protocolos. O manguezal, infelizmente, é o ecossistema mais vulnerável dentre todos os ecossistemas costeiro-marinhos, inclusive, não é nem um protocolo de limpeza, é um protocolo de monitoramento, que já existia. Mas foi um dos poucos que apresentou um plano na reunião. Foi quase um workshop. Foram, se não me engano, três dias de reunião, e os outros grupos, ainda engatinhando. Então essa é o grande xis da questão. Esses cientistas já poderiam já ter sido consultados há muito tempo.

CONTINENTE E com relação ao consumo de peixe? As pessoas deveriam continuar a consumir peixe, ou evitar?
CLEMENTE COELHO Pois é, isso é um problema bastante complicado. Primeiro, porque a gente tem um contingente de profissionais da pesca que estão com sérios problemas, perderam sua renda, pessoas deixaram de consumir peixe com medo de estar contaminado, então a gente está vendo um problema social seriíssimo. Acho que talvez seja o pior dos problemas. Quase 80% da produção pesqueira no litoral do Nordeste é de pesca artesanal, então estão usando apetrechos e uma logística bem simples, de barcos pequenos, ou seja, atuam na região mais próxima do litoral, que é mais afetada pela contaminação. E hoje a gente tem poucos estudos mostrando se os peixes estão ou não contaminados. Um deles, por exemplo, foi um primeiro estudo do governo federal, e coletou peixe de peixarias, que mal se sabe onde e quando foram pescados, e deu um resultado lá, no qual se mostra que não estariam contaminados. Foi de uma irresponsabilidade sem precedentes. O que a gente orienta, como precaução, é reparar que alguns organismos ficam mais em contato com o óleo e estão mais em contato com as moléculas nocivas, principalmente aqueles que estão próximos aos manguezais ou dentro dos manguezais: sururus, ostras, caranguejos. Desses organismos, não se tem ainda nenhum – nenhum – estudo da contaminação. Os peixes, por exemplo, em alto-mar, possivelmente não estão contaminados, mas naqueles mais costeiros, há uma probabilidade grande de estarem contaminados. E um dos problemas da contaminação é que ela é cumulativa. Hoje, por exemplo, você pode comer um peixe que tem uma baixa concentração de metais pesados, benzenos, dos HPAs, que são moléculas bastante nocivas. Você pode comer um peixe, mas você acumulou o problema. Se você comer diversos peixes com uma concentração pequena, isso aumenta no seu corpo, porque ele não sai do seu corpo. Isso é o que a gente mais teme, então é por isso que há a necessidade de se acelerar os estudos, as análises dos tecidos dos peixes com relação à contaminação. Há uma necessidade urgente disso, até para poder solucionar o problema, poder criar estratégias para atender a essa população, os pescadores e marisqueiras que estão desassistidos, infelizmente. Inclusive, passando fome. E o mais assustador é que eles passam fome por não terem renda, não ter recurso, e se alimentam daquilo que pode estar contaminado.

CONTINENTE Eu fui em Brasília Teimosa e conversei com os pescadores de lá, e eles continuam pescando, mas a venda caiu 50%, eles disseram. E eles disseram que continuam a comer peixe, estão comendo peixe todos os dias, e que isso daí era conversa de biólogo, que não tinha nada a ver. Aquela coisa do presidente, de que o peixe não come o óleo, que o peixe desvia do óleo, eles estão replicando esse discurso.
CLEMENTE COELHO Uma coisa que surpreende nesse discurso dos pescadores é que Recife não foi afetado. Podem ter vindo fragmentos, ou as moléculas, os compostos estão dissolvidos na água, e pode ter até atingido ali a região da Ilha de Deus, agora, é estranho eles terem esse discurso. Se você chegar numa comunidade como Ilha de Deus, Itapipoca e Massangana, você vai ver outro discurso. Eles não dizem isso, eles estão realmente receosos. É estranho. A gente vê que isso é discurso de algumas lideranças locais, não é a realidade dos pescadores na Bahia, os pescadores na Ilha de Itapipoca, as marisqueiras da região de São Bento e Maragogi, é outro discurso.

CONTINENTE Eles ficaram revoltados porque eles não viram o óleo aqui. Por isso disseram que isso estava acabando com o trabalho deles, porque as pessoas não estavam querendo comprar peixe…
CLEMENTE COELHO É, mas eles não sentiram na pele o que os pescadores de outras áreas sentiram. Os pescadores foram para as ações de limpeza, se contaminaram, então há relatos de vários, de dezenas e até de centenas de pescadores intoxicados. Poucos procuraram o SUS, e esses pescadores, por sentirem os efeitos na pele, literalmente, sabem que seus produtos podem estar contaminados. E não vendem os seus produtos, assim como os da Ilha de Deus. Agora, os de Brasília Teimosa, ao comentarem isso, atrapalham a grande luta daqueles que realmente sofreram o impacto. Mas isso mostra também um pouco da desarticulação dessa atividade socioeconômica. Eles, infelizmente, são vítimas. Vítimas da falta de políticas que assistem a esses profissionais, e principalmente agora, nesse momento. Eu só espero que esse seja um discurso isolado, que não ecoe, porque a luta é outra. Eu estive numa mesa redonda e nela estava um pesquisador do México, que é uma das áreas que mais sofre com petróleo no mundo. Tinha uma pesquisadora da Fiocruz, eu falei sobre os impactos nos ecossistemas, e tinha uma senhora, uma pescadora da Ilha da Maré, acho que é Marinalda, o nome dela, e chamam de Nega da Ilha da Maré. Todos da mesa redonda, e todos os participantes desse evento, que já vinham da comunidade, estavam completamente conscientes do problema de intoxicação, de contaminação. A pescadora que deu a sua palestra nessa mesa redonda chegou a emocionar todo mundo. Ela disse que sim, a comunidade dela, da Ilha da Maré, está preocupada, é ciente da contaminação, inclusive corroborando até a pesquisadora da Fiocruz, que estava presente na mesa, e a pesquisadora levantando a coisa dos riscos que é consumir… Ninguém, absolutamente ninguém, está fazendo esse discurso para prejudicar pessoas. A academia não tem interesse nenhum nisso. Mas a ciência nos mostra que é um problema seriíssimo, um problema de saúde pública que pode levar à morte das pessoas. Então a gente tem que ver quem são os cientistas que estão orientando esses pescadores de Brasília Teimosa. Negar a ciência é o discurso atual da política do governo Bolsonaro. E pelo pouco que eu conheço dos pescadores, muitos são contrários a esse governo, só que tomam a mesma atitude.

CONTINENTE Quando a tragédia estava no auge, uma matéria de TV fez o registro uma coleta coletiva na praia. E o tom da reportagem era de celebração ao evento como se fosse uma festa. Depois conversaram com o dono de um hotel e mostraram os turistas na praia, passando a impressão de que estava tudo bem. Então percebi que é algo meio orquestrado com a mídia, para não acabar com a indústria hoteleira.
CLEMENTE COELHO Pois é, eu estive na CPI do óleo e falei exatamente isso. Quem deve direcionar as estratégias de planejamento para gerir esse caos não é a indústria hoteleira, definitivamente! O que deve orientar as ações a serem feitas a partir de agora é o governo, baseado na ciência, na academia, sem dúvida nenhuma, e, principalmente, a sociedade organizada, ciente do problema. Então realmente, o que a gente vê são interesses políticos. Em Porto de Galinhas, logo no início do evento, houve uma gravação do Secretário de Turismo, dizendo que Porto de Galinhas não tinha sido afetada. Se você buscar esses dados, de quantos pacotes turísticos foram cancelados, você não acha essa informação. E foram milhares. Eles são também vítimas, não há dúvida disso, eles são vítimas, mas eles não podem esconder o problema. Todos nós temos que, neste momento, assumir o problema, reconhecer que pode estar por vir, e vamos simbora. Agora, jogo de palavra, jogos de ideias, de interesses políticos, só faz atrapalhar, e aliás, é exatamente como o governo quer que aconteça.

CONTINENTE Independente dessas manchas de óleo, qual é a situação dos oceanos hoje com o aquecimento global e com a poluição dos plásticos?
CLEMENTE COELHO Pois é, né? Até o dia 30 de agosto nós estávamos com a bandeira de proteção dos oceanos, de combate dos problemas que existem, desde a sobrepesca, a questão do lixo, e até mesmo a discussão maior de hoje, claro, que é a questão das mudanças climáticas e a elevação do nível médio dos mares. Quer dizer, esse é um enfrentamento que a gente já tem desde o final da década de 1980, pro início da década de 1990. Então, é uma luta árdua, sabemos estamos perdendo, infelizmente. Veja o resultado da COOPI, que mais uma vez não é muito animador, então chega esse petróleo estrago ainda maior. Me perguntaram nessa semana que passou se o petróleo poderia estar desviando a discussão de problemas existentes, principalmente o do plástico, e eu, por incrível que pareça, acho que não. Eu acho que há a oportunidade, agora, de mostrar que realmente estamos mais sensíveis. A gente até comenta de que todos esses problemas, quando colocados juntos, eles potencializam alguns danos, o que a gente chama de efeito cinético. Esgoto lançado no oceano, plástico, sobrepesca, mudança climática, aquecimento da água, elevação do nível médio do mar, isso já está tudo dentro da panela de pressão. Aliás, está dentro de uma panela, na qual chega o óleo, e bota a tampa de pressão. E aí se aumenta e potencializa o problema. Eu acho que nós estamos agora num momento crucial para se tomar medidas urgentes. Para as mudanças climáticas, essas medidas já estão sendo divulgadas, de que não há mais tempo para se discutir, e, realmente, não tem muito mais o que fazer. Ah, chegou óleo? Chegou o óleo. Vamo simbora, é mais um problema. É um problema que já existe, mas não é o primeiro impacto de petróleo sobre nosso litoral. Sem dúvida nenhuma, é disparadamente o maior, mas aí eu acho que os outros problemas só vão fazer com que a panela de pressão esquente mais, e toda a sociedade vai ter que se mobilizar. Eu acho que não se desviou as questões não, que não se desviou o foco. Que nesse momento, a gente tem uma menina que representa até muito a nossa luta, a Greta Thunberg, e eu acho que é um momento de reflexão. A sociedade está bem abalada, acho que já está bem provocada a opinião pública, e agora resta saber se essa massa crítica de pessoas vai começar a agir para que se tomem medidas urgentes para se combater os efeitos nocivos também das mudanças climáticas, da poluição do plástico, da falta de saneamento básico, e aí vai.

CONTINENTE Também com relação aos corais, em um documentário (Em busca dos corais) que é realmente assustador. O problema está ali, mas as pessoas não sabem, porque está submerso. Apenas a queimada na Amazônia chama mais atenção.
CLEMENTE COELHO E, por incrível que pareça, as coisas estão casadas. Essa diminuição das áreas da região amazônica causa impacto sobre os oceanos. Porque a gente está falando de mudança climática, então as coisas estão muito casadas. Comentei no começo desse problema do petróleo, numa entrevista, que acho que foi até no NETV, “as pessoas estão sendo apresentadas à corrente sul equatorial”, tipo assim, olha, isso aí já estava no ensino médio. Agora as pessoas sabem que o óleo foi trazido pela corrente sul equatorial, que é a mesma corrente que traz os plásticos. Então as coisas estão aí, a sociedade já tem muita informação, uma hora vai ter que acordar, uma hora vai ter que pressionar, né? A gente vê esse movimento, repito, trazido pela Greta Thunberg, reunindo milhares de jovens do mundo inteiro.

CONTINENTE Jane Fonda também. Durante várias sextas-feiras foi presa.
CLEMENTE COELHO Fundação Leonardo DiCaprio… Estão levantando a bandeira, e é até importante, porque uma voz de um pesquisador que publica seus trabalhos, aos quais a sociedade não tem acesso, não atinge a massa crítica, não atinge a opinião pública, né? A não ser que uma jornalista como você venha buscar essa informação, e divulga, e tem também sua limitação das pessoas terem acesso. É claro que quando chegam essas personalidades, multiplica essa voz. A Greta acaba carregando uma bandeira que vem lá de trás, do ambientalismo, né? Então eu acho que sim, realmente, hoje eu percebo que existe muito mais mobilização. Isso é uma coisa interessantíssima, um dos maiores aprendizados na questão do petróleo. Infelizmente, teve muito discurso romântico em relação aos voluntários, que foram também vítimas. Mas nós mostramos que tem gente preocupada, que a mobilização faz, sim, a diferença. Acho que quando a gente vê a Europa toda, pelo menos os jovens, mobilizados com a questão das mudanças climáticas, a gente tem que olhar pra nossa casa, o Brasil, e ver que a gente ainda está engatinhando, a gente ainda está dando voz aos discursos retrógrados, e isso me assusta um pouco.

CONTINENTE O que aconteceu em Chernobyl lembrou muito o que aconteceu aqui, essa coisa dos voluntários, das pessoas não terem informação sobre o risco, muita gente morreu por conta disso. E o governo também manipulava as informações para não dar exatamente a dimensão da tragédia. Aí lembra bastante, a atuação do governo e a falta de informação da população, que sofreu mais por conta disso.
CLEMENTE COELHO Vamos pegar as outras tragédias, né, Mariana e Brumadinho. São dois Chernobyl que aconteceram, não tenha dúvida, porque praticamente toda a população da região está contaminada. Do entorno das duas barragens. Então é real, e como assusta… As comunidades tradicionais e indígenas da Amazônia já estão sofrendo impacto, por exemplo, da exploração do ouro, da mineração da Amazônia, pessoas que já estão com sintomas de intoxicação, sintomas gravíssimos de bioacumulação de metais pesados, e aí a gente lembra aquela história do Mal de Minamata, no Japão, não sei se você sabe ou lembra dessa história. No Japão, lá em Minamata, toda a sociedade dessa cidade acabou contaminada pelos metais pesados, pelo mercúrio, o que gerou uma série de problemas gravíssimos de saúde, de nascimento de crianças com problemas genéticos, o que veio a ficar conhecido como o Mal de Minamata. A gente tem o Mal de Minamata em cada região da Amazônia! A gente está tendo Mal de Minamata em Brumadinho e Mariana, e vamos ter o Mal de Minamata no nosso litoral. Quer dizer, é bem complexo, bem complicado, mesmo, e assustador.

CONTINENTE Citei o caso de Chernobyl porque estourou a usina e as pessoas ficaram de longe, mas elas estavam já recebendo aquela radiação…
CLEMENTE COELHO É, falta de orientação, né? Quem deu orientação para usar EPI (Equipamento de Proteção Individual) fomos nós da sociedade civil organizada, da academia, que saímos gritando loucamente nas redes sociais. Meus alunos, eu estava até discutindo isso por esses dias, criou-se um grupo também dentro da Universidade de Pernambuco, para se discutir o óleo, e os alunos estavam querendo participar dos mutirões. Eu falei, meus alunos não vão participar. Porque isso é bonito, é lindo, mas é perigoso. A gente acabou se mobilizando, e conseguimos, pouco, mas conseguimos, recursos para a compra de EPI, realmente os que deveriam ser usados, porque o que a gente via era pessoas, ou completamente sem nada ou com luvinhas de silicone dessas que compra em farmácia, máscaras de pó. Então dissemos a eles, essa situação é perigosa. Quando chegou na Bahia eles já tinham olhado para trás, viram o que nós passamos, e eles estavam um pouco mais organizados. Ou seja, vamos voltar lá pro Plano Nacional de Contingência. Imagine se ele tivesse sido acionado logo no começo de setembro. A gente não estaria aqui fazendo esses apontamentos.

CONTINENTE E a causa, ainda não se tem a certeza, né?
CLEMENTE COELHO A imprensa lançou em dezembro mais uma provável hipótese e eu acabei entrando em contato com o pessoal da COOPI do Rio, que são os especialistas em modelagem oceânica. Um professor chamado Paulo Nobre, do INPE, já trouxe mais uma hipótese, que não está sendo bem-aceita pela academia. Isso, eu até comentei com meus amigos, não vamos dar tanta publicidade para mais essa hipótese, porque é o que o governo quer também, não se sabe de onde veio, quantos quilômetros. A hipótese levantada pelo professor Paulo Nobre chega cem dias depois, dizendo que pode ser de óleo que está vindo da costa africana. E o pessoal da COOPI do Rio de Janeiro diz que é pouco provável, então fica mais uma suspeita, a sociedade ler, já está se mobilizando, recebi de vários grupos essa mesma mensagem, essa mesma matéria… Por enquanto, eu faço parte de um grupo um pouco maior que acredita, sim, que foi lançado entre 500 e 1mil quilômetros, em águas internacionais, veio pela corrente sul equatorial, e que tenha sido um acidente de algum navio petroleiro, ou um problema nas suas células de armazenamento de petróleo, ou na transferência. E na CPI do óleo, um professor da UFAU, Professor Humberto Ramalho. Não me lembro o sobrenome dele agora, disse, sim, olha, existe sim tecnologia para se investigar de onde veio. A origem, sim, porque uma das coisas que se pregava é “não dá pra ver, deriva sob a superfície, então ele não consegue...” e ele disse “não, existe sim, existe um satélite e tem como se calcular...”. Então, eu faço parte de um grupo que ainda acredita que esse derramamento deve ter sido lançado em águas internacionais, veio pela corrente sul equatorial, e foi fazendo a dança da deriva. Quando chega ao nosso litoral, muda o vento, mudam as condições de marés, mudam as ondas, e ele fica sendo empurrado pra lá e pra cá. Essa hipótese é a mais provável. Mas, como eu falei, cada um chega e tenta dar a sua opinião. Eu acho que não ajuda em absolutamente nada. Querer achar o culpado nessa altura do campeonato, sendo que o culpado, por responsabilidade, crime de responsabilidade, é o governo federal. Precisamos dar mais atenção à causa social, até muito mais do que aos ecossistemas. Eu até brinco, falo assim, ah, os ecossistemas… Nós passamos, a Terra continua, então eles vão dar solução para esse problema, a própria natureza vai cuidar disso, mas não as pessoas. As pessoas, elas vão ter que ser assistidas.

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