Curtas

Roberto Vietri

Em 'Desmanche, construção e (dis)junção: oxigênio e outros trabalhos', artista paulistano leva "praia" para dentro da Galeria Janete Costa, no Parque Dona Lindu, e questiona a permanência

TEXTO Sofia Lucchesi

16 de Novembro de 2017

Uma das obras do conjunto 'Outros trabalhos', de Roberto Vietri, que compõe a sua primeira individual no Nordeste

Uma das obras do conjunto 'Outros trabalhos', de Roberto Vietri, que compõe a sua primeira individual no Nordeste

Foto Roberto Vietri/Divulgação

Certa vez, o crítico e historiador Georges Didi-Huberman falou sobre a existência de imagens intermitentes, como de uma luz pulsante, passageira e frágil. “Imagens-vagalumes”, que possuem uma “vocação” para movimento constante. São imagens de resistência, que (re)existem mesmo em sua impermanência e transitoriedade, numa alusão à arte e ao próprio fazer artístico.

Hoje, com o processo de forte desvalorização que as instituições de arte e cultura têm passado, as "imagens-vagalumes" parecem estar ainda mais vulneráveis. Vivenciando na pele esse processo, o artista paulistano Roberto Vietri realiza sua primeira individual no Nordeste, na Galeria Janete Costa, no Parque Dona Lindu. Desmanche, construção e (dis) junção: oxigênio e outros trabalhos havia sido selecionada pelo edital da Prefeitura do Recife, em 2015, e só pôde ser realizada agora, devido a um atraso no pagamento - outros artistas sequer receberam.

Em reação ao processo conturbado que a arte sofre em todo o país, o artista traz à galeria a instalação Oxigênio, que consiste numa “praia imaginária” - na verdade, bastante real: foram seis caminhões de areia (de construção) para preencher cerca de um terço do espaço da galeria, o que equivale 210 m² de “praia”. Com curadoria assinada por Gal Neves, a mostra, com abertura na quinta-feira (16/11), segue em cartaz até 8 de fevereiro de 2018. O horário de visitação é de quarta a domingo, das 12h às 19h.

“Eu trouxe para o espaço institucional essa fragilidade da areia, dessa praia construída, como um refúgio, um castelo de areia, mas onde a fragilidade da própria instituição em si está em cheque. É um castelo que está ‘protegido’ entre aspas, porque existe uma atuação de forças externas”, pontua Vietri, cujos trabalhos possuem forte teor conceitual. “É um espaço de experimentação e vivência, onde o público pode fazer o que quiser. Além disso, haverá artistas convidados com ações, atos e performances nessa praia imaginária. A instalação é um convite para a atuação, sendo um espaço para a colaboração, trazendo essa classe da cultura que está sendo atacada de todas as formas”, explica o artista. Durante a abertura, alguns artistas da cidade - como a Ana Lira e Nando ZV - estarão intervindo no espaço.

Além da instalação, a mostra conta também com o conjunto Outros trabalhos - para qual a exposição havia sido originalmente selecionada -, costurando uma uma espécie de “jogo” de improvisações visuais. São paredes construídas dentro da galeria que não servem apenas para expor as fotografias e vídeos, mas agem como outras instalações que compõem a narrativa, num percurso que convida o visitante a entrar no "jogo". 

Nas imagens, restos, lixo, formas a serem completadas e outras paredes - uma metalinguagem, como se fossem telas em branco esperando para serem preenchidas, reconstruindo e ressignificando esses espaços. Em um dos vídeos, caminhões carregam fragmentos de coisas que um dia já foram e hoje já não são mais, em um fluxo circular contínuo, um movimento de ruptura incessante. Sendo a arte esse próprio terreno mutável, é na sua capacidade de movimentação onde reside sua potência. É na impermanência onde os antigos castelos de areia são reinventados, quebrando velhas fortalezas e abrindo um novo campo de possibilidades. Ruína também é recomeço. 

SOFIA LUCCHESI, estagiária da Continente, estudante de Jornalismo da Unicap e fotógrafa.

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