CONTINENTE Como descreveria sua trajetória profissional no âmbito do design?
ELAINE RAMOS Minha trajetória é bem linear. Cursei a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo/FAU-USP. Dentro da FAU, interessei-me mais por design. Saí da FAU e seis meses depois entrei na Cosac, onde fiquei até hoje. Estou lá há 14 anos; a editora tem 18 anos da abertura do CNPJ. O primeiro livro, o do artista plástico Tunga, foi de 1996. Entre 1996 e 2000, a editora lançou, aproximadamente, 50 livros. Hoje, tem quase mil títulos no catálogo.Vi toda a trajetória da editora e participei da sua transição de um trabalho totalmente pessoal do Charles (Cosac, proprietário), mais um projeto dele de lançar os livros de arte, uma extensão da sua casa, para uma empresa que hoje tem uma equipe de comercial e de marketing. Vivi esse processo inteiro.
CONTINENTE E hoje você é diretora de arte em uma editora reconhecida por apostar na sofisticação no texto e na arte. Como se dá isso na Cosac Naify?
ELAINE RAMOS A editora tem uma equipe interna de design, o que é um modelo bem raro no mercado editorial. Somos eu e mais cinco designers. Dividimos e discutimos os projetos entre nós e com os editores. Cada editor dentro da Cosac é responsável por alguns livros, normalmente por uma área, e aí há uma interação entre designers e editores. Há também a parte da produção gráfica, que é a equipe encarregada das pesquisas. Tudo é discutido em um processo coletivo e bem rico. Agora, como também faço parte da diretoria, tenho muita autonomia. Posso dizer que não nos pautamos pelo que é vendável. Há sempre a preocupação em comunicar, em atingir um público leitor daquele livro, mas nunca fazemos projetos pautados pelo que achamos que vende mais. Até porque achar o que vende mais é uma ciência da adivinhação. Nós arriscamos, eu acho.
CONTINENTE Fale um pouco sobre Linha do tempo do design gráfico no Brasil, um livro seu que se relaciona com a temática da exposição Cidade gráfica.
ELAINE RAMOS Fazer esse livro foi um processo muito prazeroso, ao lado de Chico Homem de Melo, que foi meu professor na FAU e é um supercolecionador e pesquisador. Foi muito interessante para mim, que me alimento de informação e referências, poder fazer uma organização da perspectiva de quem faz design. O legal é que Chico é designer, eu sou designer, e nenhum dos dois é historiador. Não havia a pretensão de ser uma versão historiográfica do design, e, sim, um panorama o mais generoso possível. O fato de não sermos historiadores fez com que, por exemplo, não tivéssemos uma ideia preconcebida de como organizar o livro. Nossa base foi a linha do tempo, um conceito totalmente neutro. Mas não tínhamos o objetivo de determinar que os anos 1920 eram art nouveau. A verdade é que a produção é e sempre foi superplural. Você encontra linhas de força que estão ali representadas dentro da multiplicidade de cada época. E assim fomos discutindo, achando recorrências, tentando incluir as exceções, os pontos fora da curva, que são muito interessantes. Foram três anos de trabalho na militância, sem patrocínio algum. A Cosac Naify pagou os custos do livro, mas fizemos o nosso trabalho porque era prazeroso. O grande objetivo da Linha do tempo é que seja o ponto de partida para outras pesquisas.
Nos anos 1970, o escritório de design Cauduro Martino criou, ao longo da Avenida Paulista, abrigos para pedestres na cor ocre-alaranjado. Foto: Acervo Cauduro Martino/Divulgação
CONTINENTE Com a imersão nessa pesquisa, foi possível rastrear identidades claras no design brasileiro ou correntes que até hoje perduram?
ELAINE RAMOS O design no Brasil tem identidades, com certeza. Mas é difícil falar da identidade de um design brasileiro, de uma brasilidade no design. Houve momentos muito antenados, outros menos, mas, certamente, existe uma particularidade, inclusive dada pelos meios de produção, pelo contexto local de gráfica e de mercado. Porém, acho complicado dizer que exista um estilo brasileiro de design. Na verdade, o design canônico no Brasil tem origem na escola de Ulm, na Alemanha. O design que é mais sério, que passou a ser identificado e chamado de design, é totalmente construtivo e suíço. Mas sempre existiram os artistas que eram vetores. Por exemplo, Di Cavalcanti fez design. Há muitas peças dele na Linha do tempo. Ele é um artista que tem uma temática brasileira, mas também considero que suas obras poderiam ter sido feitas na França, por um artista francês. O curioso é que houve muitos estrangeiros: no comecinho, o português Rafael Bordalo Pinheiro, depois Eugênio Hirsch, que era de origem austríaca e morou na Argentina antes de chegar ao Brasil, e outros. Vários dos vetores da Linha do tempo sequer são brasileiros; estavam convivendo e produzindo aqui, submetidos à equação produtiva do Brasil.
CONTINENTE O design contemporâneo do Brasil entra como pano de fundo dessa exposição, que busca analisar a relação com a cidade. Como nasceu essa mostra? Qual foi o maior desafio, a grande expectativa de pensá-la?
ELAINE RAMOS A Cidade gráfica começou assim: o congresso da AGI acontece uma vez por ano em algum lugar do planeta. Em 2014, foi em São Paulo. Quem abrigou o congresso foi o Itaú Cultural. No começo das conversas, a ideia era fazer uma exposição de design em simultaneidade com o congresso. Por uma questão de agenda, a exposição se desvinculou do evento e ficou para novembro, mas, durante o congresso, o Itaú Cultural sediou a Ocupação Aloísio Magalhães. A partir do pedido do Itaú de radiografar o design brasileiro contemporâneo, dentro do grupo brasileiro da AGI, eu, Celso Longo e Daniel Trench assumimos o desafio e pensamos no recorte da cidade. Por quê? Porque está claro que o Brasil vive uma era de se cobrar e se conscientizar acerca das questões urbanas, e o design gráfico fica distante dessas questões. É uma profissão que, no país, é muito gerida pelo job, pelo cliente.
CONTINENTE Sob essa perspectiva, como se equilibra a relação entre design e sociedade?
ELAINE RAMOS A exposição é um pouco para refletir sobre isso. Penso que toda profissão tem um papel social, ou pelo menos deveria ter. E acho que o design atua pouco nessa vertente atualmente. Podia atuar mais. Quisemos fazer uma provocação disso e propor que o design recuasse em relação ao cotidiano do trabalho. Queremos pensar como é possível atuar como designer na cidade, pois essa é a grande questão atual: como interagir com o lugar onde se vive?
CONTINENTE Então, qual seria o papel social do designer na vida de hoje?
ELAINE RAMOS A chave é exatamente a comunicação. Qualquer tipo de movimento, seja ele político, cultural ou artístico, traz em si uma necessidade de comunicação que é primordial. E é o design que faz essa interface. Na vida cotidiana das grandes cidades, temos uma necessidade de comunicação básica que nem sempre é atendida. Por exemplo, seria lindo incluir na Cidade gráfica um projeto de sinalização urbana de sistema de ônibus de alguma cidade do Brasil, qualquer iniciativa criada para transmitir as simples informações dos horários de chegadas e partidas dos ônibus. Só que isso não existe. Como estamos em 2014 e chegamos a um ponto de ônibus sem saber que linhas passam ali? É inacreditável ter essa situação em cidades como São Paulo ou o Recife.
CONTINENTE O design então se torna, no cotidiano urbano contemporâneo, uma ferramenta essencial para fazer com que a cidade se comunique com os que nela vivem?
ELAINE RAMOS A eficiência da comunicação é a chave. Se, por lado, ela faz uma marca reverberar mais ou uma empresa ser notada por um produto que está construindo, aí tem um valor material; por outro, no caso desse tipo de articulação ligada à cidade, a que chega às pessoas, ela pode ser, inclusive, um desenho invisível, mínimo. E, mesmo assim, atingir não só a elite da cidade, mas toda a população. Por isso que se entende que o design é fundamental em toda a comunicação e em questões que não necessariamente têm a ver com a reivindicação de direitos ou com política, mas que são questões básicas, de funcionamento daquela determinada cidade.
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