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Nordeste: Grafismos retratam cotidiano pré-histórico

Em toda a Região são encontradas inscrições que, para os arqueólogos, se constituem sobretudo um meio de comunicação

TEXTO DANIELLE ROMANI
FOTO LÉO CALDAS

01 de Dezembro de 2010

Sítio dos Homens sem Cabeça apresenta pinturas com variedade de temas, riqueza de enfeites e figuras em movimento

Sítio dos Homens sem Cabeça apresenta pinturas com variedade de temas, riqueza de enfeites e figuras em movimento

Foto Léo Caldas

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 120 | dezembro 2010]

O número e a vaidade de grafismos rupestres encontrados no Nordeste são abundantes. Somente no Piauí, que possui o maior acervo mundial de pinturas em um único sítio, o do Boqueirão da Pedra Furada, 1.300 figuras foram catalogadas. Os temas abordam situações cotidianas ou ritualísticas dos homens pré-históricos: cenas de sexo, danças, caçadas, figuras geométricas e antropomorfos estão por toda a parte.

O registro rupestre é a primeira manifestação estética da pré-história brasileira, mas a utilização do termo “arte” para designar essas pinturas e gravuras ainda é motivo de controvérsia entre especialistas. A arqueóloga Anne-Marie Pessis prefere analisar as representações como um meio de comunicação, uma pré-escrita. “A nossa tendência atual é não interpretar as representações rupestres, mas apenas descrevê-las”, complementa Gabriela Martin.

Comprovações irrefutáveis da presença humana, esses registros são a parte mais atraente dos sítios pré-históricos, e dividem-se, segundo catalogação dos profissionais da área, em duas grandes tradições: a nordeste e a agreste.

A tradição nordeste, explica Gabriela Martin, é facilmente identificada pela variedade de temas representados, a riqueza de enfeites e atributos que acompanham os humanos. As figuras são de pequeno tamanho, estão sempre em movimento, às vezes possuídas de grande agitação, como se gritassem. Entre os temas, luta, caça, dança e sexo são as mais recorrentes. Animais também são constantemente representados.

Segundo Gabriela, as pinturas da tradição nordeste não representam apenas cenas do cotidiano. “Eles utilizavam grafismos cujos significados nos escapam e são repetidos em vários abrigos, aos quais chamamos de emblemáticos, como se fossem logotipos da tradição nordeste”, diz a arqueóloga.

Quanto à tradição agreste, que se acredita posterior à nordeste, apresenta técnica gráfica e riqueza temática inferiores. Suas principais características são os grafismos de grande tamanho, geralmente isolados, que não formam cenas ou, quando elas existem, apresentam-se compostas por poucos indivíduos ou animais. “Um grafismo emblemático da tradição agreste é a figura de um antropomorfo, às vezes de grande tamanho, por volta de um metro, de aspecto grotesco, estático, e geralmente isolado, assemelhando-se a uma figura totêmica”, explica Gabriela.

O nome agreste deve-se à grande concentração de sítios com pinturas localizadas nos pés-de-serra, várzea e brejos do agreste de Pernambuco e do sul da Paraíba, mas elas podem ser vistas por todo território nordestino, tanto no Agreste como nas áreas sertanejas semiáridas.

No Vale do Catimbau, dezenas de sítios pré-históricos possuem registros das duas tradições. Durante muitas décadas, os painéis pré-históricos locais – então desconhecidos dos cientistas – serviram como palco para brincadeiras e passeios dos jovens da região. “Quando era criança e adolescente, vivia pelos pés-de-serra. Passava pelos sítios rupestres e vinha sempre a eles, mas não sabia o valor que tinham. A gente olhava e dizia que eram os desenhos dos caboclos”, explica o guia Genival Constantino da Silva, 29 anos, natural de Buíque e morador do distrito chamado, igualmente, Vale do Catimbau, principal porta de entrada para o Parque, que ajudou dezenas de arqueólogos a alcançarem os sítios da região.

No sitio Alcobaça, que apresenta pinturas e gravuras apenas da tradição agreste, feitas em diversos períodos, a figura do antropomorfo gigante pode ser conferida. A alguns quilômetros, no caminho do cânion, em um matacão no meio da caatinga, um painel com pintura da tradição nordeste, conhecida como homens sem cabeça, mostra uma cena de luta. Muitos outros poderão ser vistos pelos turistas que visitarem as trilhas do Parque Nacional do Vale do Catimbau.

No mundo, duas pinturas pré-históricas são amplamente conhecidas. Em Altamira, na Espanha, na primeira caverna descoberta, em 1879, os desenhos reproduzem vários animais e foram feitos no teto, o que lhes rendeu o título de Capela Sistina da arte pré-histórica. Outra caverna conhecida é a de Lascaux, na França, que tem composição de caça, datada de 17 mil anos, a mais antiga que se tem conhecimento. As figuras brasileiras passíveis de serem datadas são mais jovens, remontam a 12 mil anos. 

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