O relatório da felicidade global da ONU associa insumos objetivos, como o Produto Interno Bruto (PIB) per capita e a expectativa de vida, a critérios subjetivos, baseados em perguntas a respeito de emoções positivas e negativas no dia anterior, e a percepção do entrevistado sobre a felicidade na vida em geral. A liberdade para se tomar as próprias decisões e o grau de apoio de pessoas próximas em momentos difíceis também entram no questionário. Segundo os organizadores do relatório, a felicidade é uma medida adequada de progresso social e um objetivo das políticas públicas.
A elaboração motiva comparações entre países com realidades e povos distintos. “Esses rankings seriam interessantes, se apontassem para outras formas de viver que nos ajudassem a sair dos impasses de uma sociedade de mercado prisioneira da visão de que a acumulação capitalista pode ser a resposta para as nossas carências”, avalia Maria Eduarda da Mota Rocha, professora do Departamento de Ciências Sociais e da Pós-Graduação em Sociologia da UFPE, mestre e doutora em Sociologia da Cultura pela USP.
Para Caciane Medeiros, da UFSM, “este tipo de ‘pesquisa’ representa mais uma maquinaria que (re)produz dados mercadologicamente pensados para mobilizar sentidos no âmbito coletivo e midiático, que colaboram para uma padronização de valores afinados a um projeto de felicidade falso, uma fábula, como diz Baudrillard, que não condiz com nossa realidade social e cultural”.
Enquanto para Raquel Carriço, publicitária e professora da Universidade Federal de Sergipe, doutora pela Universidade Nova de Lisboa, a coincidência da ocupação no topo da lista dos países mais felizes por aqueles de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e maior renda per capita deve ser vista com cuidado. “Isso não quer dizer que essas pessoas são mais felizes porque consomem mais. Só quer dizer que pessoas com o mínimo de qualidade de vida são felizes.”
A socióloga Ana Roque Dantas, por sua vez, afirma que a preocupação com a medição da felicidade acompanha uma necessidade social e política de avaliar o funcionamento das sociedades e o bem-estar das populações. “Esta abordagem pretende superar as limitações que os indicadores meramente econômicos apresentam quanto às possibilidades de avaliar o bem-estar social, propondo indicadores não materiais complementares”, justifica.
Segundo a pesquisadora portuguesa, com o desenvolvimento desse tipo de indicadores assistiu-se a um aumento considerável de estudos que apresentam resultados coerentes, ao longo do tempo, em diferentes circunstâncias e populações, permitindo aferir valores médios e conhecer os principais fatores que influenciam positiva ou negativamente as percepções de felicidade, bem como as suas variações.
Mesmo assim, a felicidade posta em tabela não deve ser tomada como único parâmetro das realidades nacionais. “Ainda que as pessoas saibam se são ou não felizes, os rankings não nos permitem saber o que contribui para a sua felicidade, nem conhecer os seus significados. São, por isso, insuficientes para captar as diferenças contextuais e culturais, nomeadamente para conhecer as experiências e a avaliação das circunstâncias (na sua relação com a felicidade) das populações analisadas”, diz Ana Roque.
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