As palavras de Rodrigo Raposo, repórter da Rede Globo e narrador do canal Sportv Premiere, dão a dimensão do quanto é importante não transparecer simpatia por qualquer um dos três rivais pernambucanos: “Por dinheiro nenhum do mundo, digo por qual time eu torço. Na rua, não canso de escutar a pergunta ‘qual seu time?’. Para quem expõe a própria imagem, lidar com torcedor de futebol é muito arriscado”.
Antes de trabalhar na televisão, Raposo passou por cinco emissoras de rádio, mas só depois que chegou às telas passou a sentir a fúria dos torcedores. “Certa vez, nos Aflitos, um homem nas sociais me xingava tanto, que me vi obrigado a interromper uma gravação e fui lá encará-lo. Perguntei se ele queria resolver o problema comigo. Sei que errei, corri um sério risco, mas os gritos do sujeito estavam me atrapalhando.”
José Gustavo Silva nunca bateu boca com torcedor, mas se orgulha de ter brigado com dirigentes dos três clubes da capital. No Santa Cruz, o ex-presidente Romerito Jatobá ameaçou impedir sua entrada no Arruda, insatisfeito com uma série de textos publicados no Diario de Pernambuco, sobre os erros cometidos durante o Brasileirão 2006, que resultou no rebaixamento para a série B. “Quando entendeu que o jornal iria triplicar as matérias negativas, se insistisse na proibição, ele liberou minha entrada, dizendo que ‘não aconteceria nada comigo’. Vê se pode!”
Editor-assistente do mesmo jornal e comentarista da Rádio Clube, José Gustavo defende que a relação com o público seria mais honesta, caso os profissionais da imprensa esportiva revelassem seus times de coração. “Quando qualquer diretor pergunta qual é meu time, eu digo na hora, respondo sem medo. O que vai fazer você ser respeitado é a qualidade do trabalho.” Apesar de suas convicções, ele evita revelar o time publicamente, por temer a violência das torcidas organizadas.
Editor do Blog de Primeira, site integrante do portal da Folha de Pernambuco, Carlos Lopes dá uma pista para os torcedores mais curiosos: “Os jornalistas esportivos revelam involuntariamente por qual time torcem na hora da crítica e não do elogio. Se a crítica for mais ácida do que o habitual, pode ficar certo de que ele torce por aquele time que está mal das pernas; então, ele critica porque não pode ficar xingando o técnico ou o cartola pelo microfone. Eu mesmo, admito, sou tão duro na hora de criticar meu time, que os leitores mais assíduos do blog já perceberam que sou tricolor”.
Lopes foi o único dos entrevistados a revelar seu time. Mesmo assim, ele garante que não é tão difícil relatar honestamente aquilo que viu nos jogos e escutou de jogadores, treinadores e da própria torcida. “Quando comecei na profissão, entendi imediatamente que, ou fazia meu trabalho para receber o salário no final do mês, ou ficava torcendo na arquibancada.”
Profissional de rádio há 33 anos, o narrador da Rádio Clube, Bartolomeu Fernando, nunca ficou angustiado ou constrangido em gritar gol do Náutico, Santa Cruz e Sport. Ele torce pelo Fluminense. “Lá em Venturosa, não pegavam as rádios do Recife, só a Rádio Globo e a Nacional, do Rio de Janeiro.”
DISTÂNCIA APARENTE
Longe do cotidiano da cobertura esportiva, a professora de Comunicação da UFPE, Yvana Fechine, afirma que a neutralidade é um objetivo impossível em qualquer área do jornalismo. “Qualquer olhar é interessado ou situado a partir de classe social, do gênero ou repertório cultural de quem olha. A prática jornalística gera efeitos de objetividade, quando se aplicam estratégias de linguagem – ao não se usar o ‘eu’ e ‘nós’ nos textos, por exemplo – que garantem uma aparência de distanciamento. Mas são estratégias de linguagem, o olhar é sempre interessado”, explica Fechine.
Quando Gabriel Accetti nasceu, há 31 anos, Claudemir Gomes já cobria futebol, há quase uma década, na equipe comandada por Adonias Moura no Diario de Pernambuco. Representantes de gerações diferentes, ambos discordam da professora Yvana e garantem que, no jornalismo esportivo, a paixão pode ser mantida à margem. O motivo é surpreendente: o ambiente do futebol profissional é tão corrupto, tão cheio de intrigas, que as paixões clubísticas não duram muito tempo.
“Você vê tanta sacanagem, que acaba percebendo que não adianta nada torcer. No futebol, só existe um inocente. Sabe quem é? O torcedor”, assegura Claudemir, a meio caminho entre a amargura e a resignação. Com a experiência de quem já foi repórter, editor e atualmente apresenta o programa Esportes no canal 11, da TV Universitária, e é colunista da Folha de Pernambuco, ele conta que, independentemente da corrupção, aprendeu os truques para garantir longa vida na profissão com seu primeiro chefe, Adonias Moura.
Segundo ele, Moura perguntava aos candidatos à vaga de repórter por qual time torcia. Se o jovem afirmasse não torcer por time nenhum, perdia a chance de conquistar o emprego. “Ele dizia que a gente só faz bem aquilo de que gosta. O segredo dele era fazer rodízios entre os repórteres: tricolores cobriam o Sport, rubro-negros passavam um ano acompanhando o Náutico, alvirrubros iam direto para o Santa Cruz. Depois, mudava tudo. Quando o torcedor do Sport chegava à Ilha do Retiro, já tinha feito amigos no Arruda e nos Aflitos.”
Na opinião de Accetti, que já trabalhou na atualização da homepage do Sport, a experiência ajudou-o a manter-se neutro na rivalidade entre os três clubes recifenses. Repórter da Folha, ele compartilha o mesmo sentimento do veterano Claudemir. “Muitas vezes, o ambiente num clube de futebol é tão pesado, que não há como uma pessoa manter o amor por ele. Para mim, é fácil ser imparcial, porque já não há paixão. Vou lhe dizer qual é meu único vínculo emocional com o futebol: torço contra os times mantidos por bilionários russos e árabes. E só.”
INÁCIO FRANÇA, jornalista, consultor de Comunicação das Nações Unidas e blogueiro.
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