FOTOS DAVID CAMPBELL
30 de Janeiro de 2018
A artista baiana Larissa Luz
Foto David Campbell
[conteúdo exclusivo Continente Online | jan 2017]
A canção que dá título ao segundo álbum da carreira solo de Larissa Luz, Território conquistado (2016), já apresenta indícios da importância e do teor político que a obra da artista vem conduzindo. “Eu sou uma mulher livre da sina e da obsessão./ Eu sou o que eu quiser./ Decisão é consequência/ E se te assusta a minha aparência,/ boto fogo no olhar e acendo minha consciência”, entoa a baiana – enquanto a multidão acompanha – com seus olhos fervorosos de força e sonoridade a cada apresentação. Unindo referências pessoais, literárias e ritmos provenientes de seu estado natal à música eletrônica e ao rap, seus shows reiteram o quanto o corpo é potente quando utilizado na arte como discurso de empoderamento; afinal, como ela mesma sugere na faixa Meu sexo, “pelve solta é equilíbrio”.
Uma das primeiras atrações confirmadas do festival Rec Beat, no Recife, este ano, Larissa é cantora e compositora e faz parte da atual cena autoral da música baiana. Entre outros nomes dessa leva, estão Baco Exu do Blues, Baiana System, Luedji Luna, Ifá, ATTØØXXA e O Quadro. Além de agitar a capital pernambucana durante o Carnaval, ela participa do trio Respeita as Minas, em Salvador, com Pitty e Karina Buhr, do Trio sem Cordas, ao lado de Baco Exu do Blues e Emicida, e finda em um palco aberto no bairro da Liberdade, onde nasceu o bloco afro Ilê Ayê.
Desde os 15 anos (hoje ela tem 30), Larissa faz apresentações musicais. Começou integrando banda de rock e grupo de cultura popular, que além da música, trazia elementos da dança e do teatro. “Fiz parte de uma banda de rock só de meninas chamada Lucy in the Sky e, com 14 anos, comecei a circular na cena underground de Salvador”, conta em entrevista à Continente. Sua mãe, a professora de Literatura Regina Luz, sempre a estimulou ao contato com as diversas linguagens artísticas, o que contribuiu para a sua formação. “Ela sempre me estimulou a ler e escrever. Escrevo poesia desde nova.”
Ainda na época de escola, estudava teatro. Em 2014, estreou com a peça Gonzagão – A lenda (2012), do diretor e dramaturgo pernambucano João Falcão, e posteriormente encenou Ópera do malandro (2014), texto de Chico Buarque adaptado por Falcão. “Sempre gostei muito do movimento corporal enquanto ferramenta criativa, a dança sempre esteve presente na minha arte... O teatro me fez enxergar novas possibilidades de utilização dessa ferramenta. João falcão me ajudou na busca por essa concentração que nos dá mais argumento para usar o corpo com convicção”, explica a artista.
Desde que saiu do vocal do Araketu, em 2012, entregou-se cada vez mais às pesquisas de sua carreira solo. O primeiro álbum foi intitulado MunDança (2013), com arranjos já bastante carregados de instrumentos eletrônicos. Sobre o encaminhamento de sua obra, ela conta: “Eu queria trazer referências ritimicas e históricas da Bahia, mas sob outras perspectivas, comecei uma pesquisa pra achar caminhos de interação entre as máquinas e os tambores. A fusão de ritmos que foram desenvolvidos e trazidos pela diáspora africana ao redor do mundo, tendo a Bahia como ponto de partida me interessa
muito. O MunDança, foi o primeiro material desse começo de pesquisa e
aprofundamento”.
TERRITÓRIO
Três anos depois, Território conquistado deu continuidade ao percurso – e incessante amadurecimento artístico – da artista. Desta vez, além dos músicos, contou com a colaboração da antropóloga e escritora Goli Guerreiro. Elas ficavam horas juntas, conversando e trocando informações e opiniões numa época em que a autora havia acabado de lançar o romance Alzira está morta (2015), vencedor do selo literário João Ubaldo Ribeiro – que trazia, em sua narrativa, a fusão de personagens femininas negras históricas e ficcionais. As referências ao pensamento e à arte dessas diversas mulheres acabaram contribuindo para o conceito desse segundo álbum.
O título Território conquistado surge, inclusive, da leitura de um dos textos da ativista norte-americana Bell Hooks em torno do conceito. De modo peculiar, Larissa o incorpora, mas subverte a semântica utilizada pelo conceito de Hooks. São novas possibilidades. “Na denominação de território conquistado, Bell Hooks está se referindo aos cabelos das mulheres negras. Está falando sobre o processo de alisamento do cabelo crespo, que é um processo colonizador, uma forma de dominar. Alisar o cabelo seria uma forma de domesticar o território que é o corpo negro. Enquanto Bell Hooks fala de território conquistado como algo que foi dominado pelo imperialismo e pela colonização branca, Larissa transformou esse sentido e disse: 'Eu vou assumir isso aqui', que é o nosso corpo, a nossa história, nosso repertório. Ela começa a inverter as ideais que demonstram o processo de racismo para ganhar uma nova tônica”, explica Goli.
Em 2016, o disco de Larissa concorreu à categoria “Álbum pop contemporâneo em língua portuguesa”, do Grammy Latino em Las Vegas. Seu forte discurso de empoderamento negro e reflexões sobre a falta de representatividade da mulher negra na sociedade – exemplo da canção Bonecas pretas – contribuem para essa potência que é Território conquistado e sua criadora na música brasileira. Entre as referências do álbum, estão Carolina de Jesus (autora de Quarto de despejo), Nina Simone, a escritora peruana Victoria Santa Cruz – cujo poema Gritaram-me negra é declamado nos shows – e, como dito anteriormente, a autora norte-americana Bell Hooks. Além de outras.
Há também as participações especiais de Elza Soares na música-título do álbum – outra grande referência para Larissa – e da cantora e atriz Thalma de Freitas na faixa Mama chama. “Gosto de usar minha música como ferramenta política. Trabalhar na direção da melhoria do mundo que estamos vivendo é gratificante. Acredito na transformação e no nosso poder”, defende Larissa. Este ano, mais uma vez com patrocínio da Natura Musical e um conceito bem marcado, ela prepara o terceiro álbum, ainda sem título, com produção de Rafa Dias.
ERIKA MUNIZ, formada em Letras pela UFPE, estudante de Jornalismo pela Unicap, estagiária da revista Continente.