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A última fermata de Antonio Meneses

Renomado violoncelista pernambucano faleceu, neste sábado (3), aos 66 anos

TEXTO Carlos Eduardo Amaral

03 de Agosto de 2024

Foto Clive Barda/Divulgação

Dizer que Antonio Meneses foi o maior violoncelista da história do país é temerário, ante a grande quantidade de ases que o país revelou para o instrumento, como Aldo Parisot, Italo Babini, Iberê Gomes Grosso, Alceu Reis, Antonio Del Claro e outros tantos. Além disso, convenhamos que é desconfortável e inconveniente montar rankings no momento de se prestar um tributo.

Porém é seguro dar-lhe o devido lugar em alguma Grande Orquestra Sinfônica Celestial, por sua férrea disciplina e extremo apuro artístico, culminados na conquista do Concurso Internacional de Munique, em 1977, e do Concurso Internacional Tchaikovsky, em 1982 — tendo sido o único brasileiro da história a vencer o certame russo, inaugurado em 1958.

Nunca outro intérprete pernambucano alcançaria láureas próximas a estas, nem gravaria ao lado do mítico maestro Herbert von Karajan, na Deustche Grammophon, ou seria regido por outro violoncelista icônico, do quilate de Mstislav Rostropovitch, para não falar da trajetória camerística, como no Beaux Arts Trio, fundado em 1955 pelo pianista Menahem Pressler.

O destino de Meneses, em grande parte, teve influência de seu pai, o trompista pernambucano João Gerônimo, que se mudou para o Rio de Janeiro ao aceitar um convite da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal da então capital federal. A decisão de João Gerônimo, de colocar os cinco filhos para aprenderem instrumentos de cordas, fez com que todos — Gustavo e João (violino), Ricardo (viola), Eduardo e Antonio (violoncelo) — seguissem carreira na área, especialmente na Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) e na Orquestra Petrobras Sinfônica.

Mas o primogênito viria a embarcar para a Europa aos 16 anos, com o objetivo de se tornar solista internacional. Atuante na OSB desde os 12, os planos de Meneses mudaram ao ser acolhido como aluno de Antonio Janigro, que fizera um concerto com a OSB e aceitara uma proposta para ouvir o jovem pernambucano. Bem avaliado, Meneses surpreendeu o mestre italiano ao se apresentar para as aulas em Düsseldorf pouco tempo depois.

Na primeira semana de setembro de 2007, o virtuose pernambucano concedeu uma entrevista no Hotel 7 Colinas, durante a realização da quarta edição do Mimo (então sigla de Mostra Internacional de Música em Olinda), publicada na edição 71 da Continente. Sobre as dificuldades do período de adaptação em um ambiente tão hostil, ele respondeu:

"Olha, dificuldade sempre existe. Mas você, quando é jovem, tem uma maneira diferente de ver as dificuldades. Para passar por isso, você tem que ter uma meta muito certa na sua vida, e a minha meta era tocar bem o violoncelo. Então as dificuldades não eram importantes, elas não eram relevantes. O que era relevante para mim eram os meus estudos, todo o resto resolvia-se de alguma maneira. Eu tinha pouco dinheiro, eu morava em lugares feios, não tinha apoio dos familiares de perto, estavam todos muito longe. Tudo isso era parte da minha vida com 16 anos. Era parte da minha vida, um pouco, a solidão também, mas não eram coisas importantes."

Essa abnegação, em cumprir os compromissos assumidos consigo mesmo, o levou aos palcos mais consagrados de todos os continentes e aos catálogos de gravadoras centenárias. Interpretações perfeitas ou definitivas eram um conceito totalmente rejeitado por ele, como frisou na mesma entrevista:

"Uma coisa que acontece muitas vezes é que uma obra tem que ser tocada bastante, o intérprete tem que entrar na obra de tal maneira que, às vezes, uma vez, duas vezes que ele toque não são suficientes para que ele tire toda a riqueza musical que ela tem."

Destaquemos, sobretudo, o encorajador incentivo de Meneses à produção de composições nacionais inéditas, uma lacuna da qual ele era totalmente consciente e que o incomodava. A primeira das obras que comissionou, o Concertino em sol maior para violoncelo e cordas, de Clóvis Pereira, foi estreada na sétima edição do Virtuosi, em 2004, e tocada novamente por ele no Mimo 2007.

Meneses deu status mundial à peça ao gravá-la junto aos dois concertos de Haydn em CD com a Northern Symphonia, da Inglaterra, em 2010. No ano anterior, lançou o CD Suítes brasileiras, com peças solo de Marisa Rezende, Marcos Padilha, Marlos Nobre, Ronaldo Miranda, Almeida Prado, Edino Krieger e a Suíte Macambira, de Clóvis Pereira, em cinco movimentos.

Em 2019 e em 2023, estreou mais dois concertos, escritos por Marlos Nobre e André Mehmari, respectivamente. São dignos de nota, ainda, dois álbuns dedicados a Villa-Lobos: um com obras para cello e piano; outro, para cello e orquestra. Sua vida e sua glória profissional estão registradas na biografia Antonio Meneses – Arquitetura da emoção, de autoria dos jornalistas João Luiz Sampaio e Luciana Medeiros (Algol Editora, 2010).

Nascido no Recife no dia 23 de agosto de 1957, Meneses residia desde 2009 na cidade suíça da Basileia. Ele deixa a esposa, a japonesa Satoro Kuroda, e o filho Otávio — do casamento anterior, com a pianista filipina Cecile Buencamino Licad. Na data de hoje, deixa, igualmente, uma fermata sobre uma grande pausa na principal estante dos violoncelos do mundo inteiro.

CARLOS EDUARDO AMARAL, crítico musical, pesquisador e escritor

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