Aruanda celebra Vladimir Carvalho
Além da retrospectiva, edição de festival de cinema, que presta homenagem ao falecido documentarista paraibano, destaca novos filmes da safra nacional e curtas de jovens cineastas estrangeiros
TEXTO Marcelo Abreu
05 de Dezembro de 2024
Foto Walter Carvalho/Reprodução
O tradicional festival de cinema Aruanda, realizado em João Pessoa até o dia 11 de dezembro, está prestando este ano uma homenagem ao documentarista Vladimir Carvalho, que morreu aos 89 anos, no mês de outubro passado. O diretor paraibano, que estava radicado em Brasília desde os anos 1970, deixou uma vasta obra que aborda problemas da realidade social brasileira.
Na cerimônia de abertura do festival, realizada no Cinépolis Manaíra, foram exibidos trechos de entrevistas de Vladimir e depoimentos de pessoas ligadas ao cinema. O diretor de fotografia Walter Carvalho, irmão mais novo de Vladimir, agradeceu as homenagens, antes da exibição do curta A bolandeira, realizado em 1968. Conhecido por sua simpatia e energia para conversar com várias gerações de admiradores e pessoas ligadas ao cinema provenientes de todo o Brasil, Vladimir Carvalho era uma presença constante no festival, realizado há 19 anos, sempre no mês de dezembro. Esta edição do Aruanda é a primeira sem sua presença. “Foi ele que, numa entrevista concedida a mim, fez a provocação, dizendo que havia festivais em todo canto, menos na Paraíba”, relembrou o professor de cinema da UFPB, Lúcio Vilar, fundador e produtor executivo do Aruanda.
O debate intitulado “Trajetória e legado do cinema de Vladimir Carvalho em 64 anos de história com a câmera apontada para o real” reuniu depoimentos de pessoas que conviveram com ele. A presidente da Cinemateca Brasileira, Maria Dora Mourão, contou como conheceu o cineasta, em 1971, quando ela era ainda estudante de cinema na USP, ao ser assistente de montagem do filme O país de São Saruê, que seria proibido pela censura durante quase dez anos e se tornaria o trabalho mais famoso do paraibano. O jornalista Sílvio Osias, destacou a ausência de dogmatismos em Vladimir que, apesar de ser de esquerda, era grande admirador de cineastas conservadores como Elia Kazan e John Ford. A atriz paraibana Zezita Matos relembrou o encontro com Vladimir em 1958, quando dava os primeiros passos no teatro. Walter Carvalho falou dos inúmeros aspectos de sua vida que foram influenciados pelo irmão, da paixão pelo cinema e pela fotografia até a admiração por Bob Dylan. “Eu devo a ele até por tudo que eu não sei”, disse emocionado.
Também exibida na retrospectiva do documentarista está uma cópia restaurada em 4K, do clássico Aruanda, de Linduarte Noronha (realizado em 1960) que teve a participação de Vladimir como roteirista (apesar de ser creditado apenas como assistente). Aruanda é considerado um marco no cinema brasileiro por ter influenciado a geração do Cinema Novo nos anos 1960 e hoje dá nome ao festival. Ao longo dos próximos dias serão também exibidos na retrospectiva Vladimir Carvalho filmes como o curta-metragem A pedra da riqueza, (1975), que contou com fotografia de Manoel Clemente, também recentemente falecido e homenageado no evento deste ano.
Outros filmes exibidos são o longa-metragem Rock Brasília - Era de ouro (2011) e de O engenho de Zé Lins, (2007). Na terça-feira, a mesa de debates intitulada “Memórias de um conterrâneo velho de guerra (a partir do testemunho de ex-alunos, colaboradores, parceiros, pesquisadores e produtores)” vai reunir o crítico Luiz Zanin Oricchio, os professores da UFPB Bertrand Lira e Pedro Nunes, o cineasta Joel Pizzini e o fotógrafo João Carlos Beltrão.
Este ano, o festival adota oficialmente o nome de Fest Aruanda do Audiovisual Internacional da Paraíba a passa a investir mais fortemente na exibição de curtas, destacando o trabalho de jovens realizadores, em convênio com a Universidade de Comunicação da China, Universidade Losófona, de Lisboa, em Portugal, e da Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos.
Haverá também uma homenagem a um dos maiores cinéfilos de que se tem notícia, um personagem da vida cultural paraibana chamado Ivan Araújo Costa, mais conhecido com Ivan Cineminha. Desde criança, ele assiste a milhares de filmes e, com memória prodigiosa, anota e decora suas fichas técnicas. Será exibido um curta-metragem baseado em sua história chamado O contador de filmes, de Elinaldo Rodrigues (2010) e haverá a entrega do Troféu Aruanda ao homenageado.
Ainda na programação está a participação do cantor Ney Matogrosso ao lado da atriz Camila Morgado, num encontro intitulado “Desvendando os caminhos da música e o ofício de interpretar”. Serão exibidos também filmes da nova safra nacional como Lispectorante, de Renata Pinheiro, Manas, de Mariana Brennand (ambas produções pernambucanas) e os documentários Lampião, governador do sertão, de Wolney Oliveira, do Ceará, e Os afro-sambas, o Brasil de Baden e Vinícius, de Emílio Domingos, do Rio de Janeiro.
MARCELO ABREU, jornalista e autor de livros de viagem.