Presença dos Beatles cresce no mercado editorial brasileiro
Mais de cinco décadas após o final, banda inglesa atrai cada vez mais o interesse dos leitores com livros diversificados, como biografias, memórias e análises poéticas e sociológicas
TEXTO Marcelo Abreu
05 de Dezembro de 2024
Foto tirada por Paul McCartney integra coletânea fotográfica "1964 – Os olhos do furacão"
Foto Paul McCartney/Divulgação
Nos primeiros dez anos após a separação dos Beatles, era possível contar nos dedos os livros que tratavam da banda lançados no mercado editorial brasileiro. Há notícias de uma edição da primeira biografia da banda, lançada em 1968 na Inglaterra, de autoria de Hunter Davies, e pouca coisa mais. No Brasil, ela saiu nos anos 1970, pela editora Expressão e Cultura, com o título de A vida dos Beatles. Foi somente com o assassinato de John Lennon, em dezembro de 1980, que começaram a surgir mais publicações sobre a banda e seus integrantes. Hoje, passados 54 anos desde o fim da banda, os Beatles têm sido assunto de muitos livros lançados no Brasil e o interesse dos leitores só cresce.
O maior exemplo disso é a editora Belas Letras, de Caxias do Sul (RS), que nos últimos tempos lançou pelo menos cinco títulos importantes. Entre eles, 1964 – Os olhos do furacão, uma coleção preciosa de 275 fotos tiradas pelo próprio Paul McCartney, tendo como foco a banda e o seu entorno, entre dezembro de 1963 e fevereiro do ano seguinte, período que culminou na primeira turnê feita nos Estados Unidos. Tiradas numa câmera Pentax de 35 milímetros, usando, principalmente, filmes em preto e branco, as fotos capturam todo o frenesi em torno da banda, no momento em que ela decolava para o sucesso mundial.
Outro lançamento da mesma editora chama-se As letras, que reúne o texto de todas as 161 canções compostas por McCartney na fase dos Beatles e na fase solo que se estende até hoje, publicadas com comentários do autor sobre cada uma delas. Também lançado há pouco é a tradução em português, em dois volumes, com mais de 1300 páginas, da biografia The Beatles Tune in – Todos esses anos, do inglês Mark Lewisohn, considerado o maior especialista na história da banda. Este é um projeto em andamento, já que serão lançados, na Inglaterra, mais dois volumes, completando a história completa do grupo (o primeiro volume em inglês interrompe a narrativa em dezembro de 1962, às vésperas da chegada da fama e do sucesso).
A Belas Letras publicou recentemente um livro sobre o estúdio de gravações que tem tudo a ver com a banda: Abbey Road: a história secreta do estúdio mais famoso do mundo de David Hepworth. E também a biografia George Harrison – O Beatle relutante, de Philip Norman. O mesmo Norman publicou, pela Companhia das Letras, a biografia John Lennon – a vida, em 2022, e Paul McCartney – A biografia, em 2017.
O livro pioneiro de Hunter Davies,citado acima, está disponível agora numa edição da editora Best Seller, com texto atualizado em 2009 e o título The Beatles - A única biografia autorizada. Por ser a primeira obra consistente sobre o tema, é interessante como comparação para se ver como o passado vai sendo reinterpretado – e até reescrito - com a passagem dos anos. A Best Seller também publicou uma excelente biografia intitulada Fab: A intimidade de Paul McCartney, de Howard Sounes.
A história dos Beatles e de seus integrantes (antes, durante e depois da banda), tem permitido uma infinidade de abordagens: desde as memórias pessoais de quem conviveu ou trabalhou com os músicos, até análises poéticas, musicais ou sociológicas sobre o período de mudanças que a banda ajudou a moldar a partir dos anos 1960.
Também têm sido abordadas as reverberações da banda em áreas como o cinema, por exemplo. A editora Estética Torta lançou o livro Get back, em formato grande (25 cm x 31 cm), capa dura, para acompanhar o documentário homônimo lançado pelo cineasta neozelandês Peter Jackson, em 2021. Em 240 páginas, o livro transcreve os diálogos da banda que ocorreram nos estúdios Twickenham durante a gravação do documentário e do disco Let it be, em janeiro de 1969. Além de apresentar fotos das gravações, de autoria de Linda Eastman (futura McCartney) e Ethan A. Russel, a edição primorosa conta com prefácio do próprio Peter Jackson e introdução do escritor Hanif Kureishi.
Uma das abordagens mais curiosas é Shakespeare e os Beatles (Nova Fronteira), livro no qual o jurista brasileiro José Roberto de Castro Neves conta as trajetórias de William Shakespeare e dos rapazes de Liverpool, separados por 400 anos de história, procurando semelhanças nas duas obras artísticas. Pode parecer, à primeira vista, uma coisa forçada, mas o livro, muito bem-escrito, defende bem o seu argumento e estabelece paralelos interessantes.
Outro livro interessante em catálogo é O diário dos Beatles, de Barry Miles (Editora Madras), que registra as atividades da banda, dia a dia, de 18 de fevereiro de 1934, nascimento de Yoko Ono (que viria a se tornar a senhora Lennon), até 20 de maio de 1970, quando a banda oficialmente se desfez.
Já a obra As letras dos Beatles (Editora Planeta) faz um trabalho de arqueologia musical ao resgatar anotações (em envelopes, guardanapos, papeis timbrados de hotéis) que contêm esboços de canções compostas pela banda. O autor da obra é, novamente, o biógrafo inglês Hunter Davies. São esboços de letras que viriam a se tornar parte do patrimônio afetivo de metade do mundo. Algumas dessas letras estão hoje em exposição na renomada British Library, em Londres. Davies organizou também o volume intitulado As cartas de John Lennon, que saiu em 2012 pela mesma editora.
Entre os lançamentos recentes pode-se encontrar também uma biografia sobre Ringo Starr: Ringo, a história do baterista mais famoso do mundo antes e depois dos Beatles, de Michael Seth Starr, publicada pela Planeta.
NOS ANOS 1980
O primeiro livro significativo sobre os Beatles, publicado em português no Brasil, foi A balada de John e Yoko, de autoria dos editores da revista Rolling Stone, lançado em 1983. Apesar da ênfase em Lennon, nele os autores fazem uma análise minuciosa sobre a banda e o contexto cultural de sua época. Um pouco antes, a brasileira Lúcia Villares havia lançado na coleção Encanto Radical, da Editora Brasiliense, o livro John Lennon – No céu com diamantes. A Martin Claret publicou um livro de frases e citações intitulado O pensamento vivo de John Lennon, organizado por Eide Murta Carvalho, em 1986.
Mas foi somente a partir de 2007, com a biografia extensa de Bob Spitz intitulada Os Beatles (editora Lafonte, com 1 mil páginas) é que se avolumaram as publicações sobre o tema. Veio em seguida, em 2009, Gravações comentadas & discografia completa, de Jeff Russel, pela editora Larousse. A mesma editora publicou as memórias de Cynthia Lennon (ex-esposa) intitulada John, no mesmo ano.
O engenheiro de som Geoff Emerick fez Here, there and everywhere - Minha vida gravando dos Beatles, publicado pela Novo Século, em 2013. O lendário produtor George Martin escreveu Paz, amor e Sgt. Pepper: Os bastidores do disco mais famoso dos Beatles, que saiu pela editora Sonora, de 2017.
Outra abordagem interessante foi a do livro Beatles 1966 – O ano revolucionário, de Steve Turner, da Benvirá, em 2018. O livro detalha o processo de amadurecimento da banda que resultou no LP intitulado Revolver, o primeiro da fase psicodélica que colocou a banda num outro patamar de prestígio junto à crítica. O mesmo Steve Turner já tinha escrito The Beatles - A história por trás de todas as canções, que saiu no Brasil pela Cosac Naify, em 2009.
Em 1985, a editora Brasiliense lançou uma tradução dos dois primeiros livros de Lennon, In his own write (de 1964) e A Spaniard in the works (de 1965). Essas coleções de poemas, desenhos, tiradas nonsense e charadas vinham sendo compostas pelo jovem e inquieto Lennon desde os tempos de colégio e ganharam visibilidade quando ele ficou famoso como músico. No Brasil, os dois livros saíram em um volume único com o título de Um atrapalho no trabalho e foram traduzidos por ninguém menos do que o poeta paranaense Paulo Leminski. A tradução, por muitos considerada quase impossível devido à natureza dos textos, é polêmica. Mas uma figura como Leminski era a escolha natural para enfrentar o desafio. O livro, fora de catálogo há muitos anos, hoje é peça de colecionador.
MARCELO ABREU, jornalista e autor de livros de viagem.