Editora Record lança edição especial de O encontro marcado para celebrar o centenário de Sabino. Imagem: Divulgação/Record
Vale a pena abrir um parêntese para explicar a figura. Benito se dizia amigo dos brasileiros famosos que circulavam em Nova York, a começar por ninguém menos do que Pelé, que na época mantinha um apartamento na cidade. A gente não acreditava muito nessas histórias. Mas algumas delas acabaram se confirmando: certa vez, deparei com ninguém menos do que Nelson Pereira dos Santos, ele mesmo, o grande pioneiro do Cinema Novo, na agência de viagens Benito, na Rua 45. Outra vez, lá chegou Cyro Baptista, renomado percussionista brasileiro, na época famoso por tocar na banda de Paul Simon, um dos maiores nomes do pop rock daquele momento, na turnê do disco The rhythm of the saints. Cauby Peixoto também apareceu por lá porque Benito promoveu shows dele em Miami e Nova York.
O próprio Pelé se casaria, em 1994, com uma cunhada de Benito. Portanto, nem tudo era conversa fiada. Então, quando Benito disse que era amigo do também mineiro Fernando Sabino e que o escritor estava na cidade, frequentando à noite uma casa noturna chamada Red Blazer, na Rua 45, tudo fazia sentido. Segundo se dizia, depois de alguns uísques, Sabino fazia questão de tocar bateria, acompanhando grupos de jazz (uma de suas paixões), sendo ele um admirador declarado do famoso baterista Gene Krupa.
Eu imediatamente pedi a Benito Romero que facilitasse um contato meu com o escritor, informando a ele que gostaria de fazer uma entrevista. Disperso entre os seus muitos negócios (uma pequena agência de viagens, uma pequena revista publicada em português, promoção de pequenos shows no próprio Red Blazer, comércio de produtos brasileiros etc.), Benito ia me levando com desculpas e não falava com Sabino. Umas duas semanas se passaram até que, temendo perder a oportunidade, saí cedo num domingo de manhã em direção a um hotel onde o escritor estava hospedado, pelo que me lembro também na área “brasileira” de Manhattan, talvez na Rua 50 (na época, tudo relacionado aos brasileiros se concentrava entre as ruas 45 e 50, no lado oeste). Apresentei-me na portaria e disse o nome de quem procurava. O recepcionista norte-americano o conhecia e disse: “Mister Sabino acabou de pegar um táxi para o aeroporto. Voltou para o Brasil com a mulher”. E assim, eu perdia a chance de fazer uma entrevista com Sabino num dos cenários mais sugestivos de sua trajetória como escritor.
Já nos anos 2000, como professor de um curso de Jornalismo, estimulava os alunos a lerem Fernando Sabino para observar as qualidades da prosa, clara, límpida, divertida, direta, grande inspiração para a modernização do texto jornalístico no Brasil, a partir dos anos 1950. O estímulo não despertava nenhum interesse aparente. Parecia que estava me referindo ao um nome obscuro do século XVIII. Teria a passagem de apenas algumas décadas levado o nome de Fernando Sabino ao caminho do esquecimento?
Seus livros não estão mais em destaque nas prateleiras, mas é verdade que isso não acontece somente com ele. De toda forma, uma nova edição de O encontro marcado, acaba de sair para comemorar o seu centenário de nascimento (o livro chegou à centésima edição em 2018). E as coletâneas das Melhores crônicas de Fernando Sabino, assim como os Melhores contos e Melhores histórias ainda estão disponíveis, excelentes introduções para quem quiser entrar no universo ao mesmo tempo divertido e poético do escritor mineiro.
Quando vou ao Rio de Janeiro, gosto de passar a pé pela pequena Rua Canning, que fica entre Copacabana e Ipanema. É lá que Fernando Sabino morava, num predinho estreito e antigo. Por algum motivo, o endereço saía em algumas edições de seus livros pela Record. Sempre fico pensando na injustiça de um dos maiores escritores brasileiros (em qualidade e em quantidade de vendas) passar décadas morando naquele prédio, enquanto milhares de profissionais liberais, sem o mesmo brilho, morarem em grandes apartamentos ali perto. Um testemunho da falta de valorização da vida intelectual no Brasil.
MARCELO ABREU, jornalista e autor de livros de viagens.