Historicamente, os espaços de fomento à produção, à circulação e ao consumo de arte têm se concentrado na região sudeste. Afinal, é também nessa região onde está a maior concentração econômica de capital, que tem necessidade de uma manutenção do seu capital simbólico para se reafirmar constantemente no poder. É por isso que as grandes exposições nascem nesses territórios com investimentos e patrocínios milionários enquanto o restante do país sofre um processo de precarização.
Redistribuir os espaços de difusão da arte é também redistribuir o direito à cidadania plena em sua experiência estética e política. Por isso, a Bienal Internacional do Sertão nasce como uma resposta a esse processo colonizador na busca por uma descentralização dos espaços de arte promovendo assim uma outra geopolítica estética.
O Nordeste é uma região em disputa de imaginários. A arte nos mostra outras imagens do Nordeste para além dos estereótipos da seca, fome e miséria, intervindo assim na geopolítica da imaginação. As obras da exposição revelam imaginários encantados, místicos, sagrados e cotidianos que existem e resistem às invisibilizações e apagamentos históricos.
No cenário nacional, o Nordeste é colocado dentro da gaiola da "arte regional" enquanto o eixo sul-sudeste é colocado no patamar da "arte brasileira". Não somos brasileiros? Nordeste não é Brasil? Talvez não! Talvez não sejamos Brasil, mas sim anti-Brasil. Afinal, "Brasil" é o nome para um projeto colonial que se iniciou em 1500 com o extermínio de uma infinidade de povos, culturas, línguas e modos de vida que já habitam esta terra. Talvez o que fazemos não seja "arte regional" nem "arte brasileira", mas sim um arte que discute o território em disputa que habitamos, um território em guerra, na qual tem nome e data, que é o Brasil.
O Cariri é um caldeirão cultural marcado por aspectos geográficos, afetivos, espirituais e artísticos. A Bienal Internacional do Sertão acontece em diálogo com essas forças que povoam esse território de modo a se compor com elas.
O sertão não é apenas um território geográfico determinado pelo clima, ele é também um território afetivo, sensível e imaginário. Sertão é um signo de resistência e criação de vida apesar das condições adversas à sobrevivência, sejam essas impulsionadas por causas ambientais mas também sociais.
Nesse sentido, a Bienal Internacional do Sertão acolhe trabalhos de todo o mundo apesar de ter ênfase às produções oriundas do Nordeste brasileiro. A Bienal Internacional do Sertão busca ser um espaço de difusão e reflexão sobre o mundo contemporâneo que vivemos. Por isso, os critérios de seleção foram as forças contemporâneas do trabalho em discutir questões que avaliamos serem urgentes e pulsantes no tempo presente, tais como: mudanças climáticas, violência de gênero, racismo, ancestralidade etc.
As obras, cada uma à sua maneira, lança um olhar para questões do nosso tempo nos dando a ver processos intoleráveis mas também ensaiando novos mundos possíveis, convocando assim as nossas imaginações políticas para agir no presente.
Por isso, a exposição é um convite a experimentarmos as questões urgentes do tempo em que vivemos, que a partir de imagens, cores, formas e texturas nos fazem sentir que outros modos de viver nessa região é possível e que plantam em nós a semente de um novo mundo.
Lucas Dilacerda - Curador da Bienal Internacional do Sertão