Um disco dançante, mas também político
Novo álbum da dupla Craca e Dani Nega, 'O desmanche', está disponível nas plataformas digitais
TEXTO EDUARDO MONTENEGRO
01 de Junho de 2018
A dupla paulista Dani Nega e Craca em imagem para o álbum 'O desmanche'
FOTO DIVULGAÇÃO
[conteúdo na íntegra (degustação) | edição 2010 | junho de 2018]
Um ditado afirma que existem músicas feitas para dançar com uma mão no joelho e outra mão na consciência. Se o aplicarmos ao álbum O desmanche, lançado em abril pela dupla paulistana Craca e Dani Nega, já disponível nas plataformas digitais, encontramos a justa adequação. Nesse novo trabalho do duo, as letras e sonoridades são um manifesto político; afinal, o ato de dançar também é político.
Desde Dispositivo tralha, seu primeiro álbum, nota-se um amadurecimento dessa ideia de “política dançante”, se assim pudermos adjetivá-la. O primeiro disco, originalmente, seria um trabalho somente de Craca, com as próprias pesquisas e referências; no entanto, Dani Nega desembarcou e eis que tudo mudou. Naquelas primeiras músicas, já se podia notar algo que vem com mais força nO desmanche: a mescla de sonoridades e a militância política nas letras, entretanto, de maneira ainda singela, sutil. “No primeiro eu fui pega de surpresa, era para ser só do Craca”, conta Dani, por telefone, rindo da memória. Então, se conheceram e, desse encontro, o convite para acrescentar rimas ao longo das melodias foi feito e aceito. Decidiram assinar o Dispositivo… como dupla e foi assim que Craca e Dani Nega nasceram, vencendo posteriormente o 28º Prêmio da Música Brasileira como melhor álbum de eletrônica.
“Neste segundo, foi tudo junto, compomos juntos, pensei em sonoridade, ele pensou em letra. Esse disco tem uma fusão dos encontros mais ajeitado, mais democrático. Tem a coisa do discurso, mais cantado. Arrisco melodias”, explica Dani. Enquanto os versos dela no álbum anterior são restritos ao spoken word – uma récita de suas rimas –, em O desmanche, é como ela explica: se escuta sua voz cantada.
O disco carrega um discurso plural, abordando lutas diversas, especialmente o feminismo e o ativismo negro. Em Quando voltarão?, sabe-se que ali estão os nomes de jovens que pereceram pelo genocídio negro na periferia. Dani canta: “haja bala pra tanta carne tirada com pinça/ e o nosso sangue pinga, pinga, pinga, pinga”. Ela, como mulher negra, confidencia que, para cantar um discurso assim, não existe a possibilidade de não convidar mulheres negras para o colaborar no álbum. É por isso que todas as parcerias musicais presentes no disco são de mulheres.
Quando, anteriormente, comentamos o amadurecimento, isso também diz respeito à sonoridade do disco, que soa mais arranjada, definida e elaborada na mescla de ritmos e referências. O trabalho de Craca na produção sonora do álbum, que poderia se encaixar nos termos de pop, é mais atento que outros do mesmo gênero, surgido na “capital da música pop”, os Estados Unidos. Se bem que, lá, também há o ativismo negro incorporado ao mundo pop, como em This is America, música recente de Childish Gambino – alter ego do ator, cantor e diretor Donald Glover – que quebrou a internet com as referências ao genocídio negro norte-americano, as chacinas e aos quadrinhos racistas. São trabalhos que se aproximam pelo discurso e pela sonoridade, para além da fronteira geográfica.
O corpo central de O desmanche ainda é a música eletrônica norte-americana, porém, desmembra-se para outros locais, como a África, notando-se referências de ritmos latinos. Em Saravá Xangô, com Juçara Marçal e Sandra X, há a potência dos ritmos negros usados como referências, e também o ato político. “Acreditamos no encontro, na celebração. Numa manifestação, numa parada LGBT, por exemplo, a pulsação é essa, é movimentando, gritando, pulando, dançando.”
Um dos objetivos da dupla é despertar a alegria, ou euforia, na audição das músicas, mas também é um convite para a participação política e não desanimar. “A gente espera que seja um disco ouvido, porque as pessoas estão desanimadas, sem esperanças. É momento de fortalecer, de chamado”, convoca a cantora.