Pequeno Encontro da Fotografia 2020
Evento segue a linha dos demais nesta pandemia e realiza a sua sexta edição toda online, com palestras, oficinas, leituras de portfólio e outras atividades ligadas à fotografia
TEXTO Thaís Schio
31 de Agosto de 2020
Da série 'Journey to the center', da palestrante espanhola Cristina de Middel
Fotografia Cristina de Middel/Divulgação
[conteúdo exclusivo Continente Online]
Não é mais novidade: a pandemia trouxe a sensação de vida em suspensão. Para os agentes da arte e cultura, então, esse tempo em “suspenso”, ou em transformação, pode ter sido ainda mais intensificado. Imagine só, se antes os editais e investimentos relacionados à área já eram insuficientes, por vezes hostis, durante a quarentena, a situação só piorou para muitos trabalhadores da área.
Mas, sem arte e entretenimento, o isolamento seria impossível e, assim, artistas e produtores de todo o país fizeram os eventos acontecerem por vias digitais, como o festival Coquetel Molotov, ou a feira de arte contemporânea SP-Arte. Acontece o mesmo para o Pequeno Encontro de Fotografia 2020, que, após oito anos ocupando mercados, ruas e praças do Sítio Histórico de Olinda, este ano tem sua primeira edição virtual, que começa nesta segunda (31/8) e estende-se até sexta (4/9).
“Nós começamos o ano sem ter a garantia do financiamento que havia permitido fazer o encontro acontecer até os dias atuais. Por isso, no começo do ano, já estávamos fazendo o planejamento para encontrar financiamentos diretos e parcerias, tentando viabilizar o encontro sem o aporte do Funcultura. Nesta edição, o encontro já iria se adequar ao que fosse possível. Quando chega a pandemia, nos vemos duplamente atingidos. Se por um lado não podíamos mais pensar em oficinas, palestras, projeções (como no vídeo abaixo) e atividades na rua, por outro todas as conversas e os diálogos sobre financiamento foram extintos. A ideia do virtual foi muito feliz, porque possibilitou o levantar depois da rasteira. Também porque tem se mostrado muito interessante ter pessoas geograficamente mais distantes nesta edição, um ano com mais sotaques diferentes em relação aos participantes e, principalmente, à plateia”, comenta Eduardo Queiroga, um dos idealizadores do evento ao lado de Maria Chaves e Mateus Sá.
Sua sexta edição, levantada por uma campanha de financiamento coletivo na internet, com cerca de 200 inscritos, traz como tema do evento A insustentável leveza da fotografia, traçando um paralelo instantâneo ao livro existencialista de Milan Kundera que, neste encontro, ganhou o recorte das lentes e questões pelas quais somente o olhar fotográfico é capaz de despertar: “O mundo já estava ruindo, com dificuldade de se sustentar em pé, quando seus habitantes foram tomados por um estado de suspensão. A pandemia do (novo) coronavírus aumentou os contrastes, impôs à nossa visão contornos mais nítidos de desigualdades que já sofríamos e nos convidou à reflexão”, explicaram os organizadores.
Neste sentido, atravessaram as propostas do evento questões como “de que maneira a imagem tem sido utilizada para escancarar a vulnerabilidade humana, sustentar sobrevivências e inspirar a construção de novos mundos possíveis?”; ou “como a imagem tem atravessado a nossa existência a ponto de se tornar essencial para expressar a situação de toda a sociedade?”.
Na programação virtual, há palestras, oficinas, leituras de portfólio, exposições, projeções e o espaço do livro (onde livreiros, pesquisadores, editores e artistas compartilham dicas pessoais de fotolivros). As oficinas com Miguel Chikaoka (Prêmio Brasil de Fotografia), Letícia Lampert (Prêmio Pierre Verger de Fotografia) e Ana Lira (artista visual e curadora recifense) já estão fechadas, bem como as leituras de portfólio com Mariano Klautau Filho (curador do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia) e Rosely Nakagawa (Curadora do Armazém Cultural 11). Mas todas as cinco palestras e rodas de diálogo ficarão abertas ao público e disponíveis via YouTube e Facebook oficiais do evento.
Entre os palestrantes, estão:
- Pio Figueiroa, fotógrafo pernambucano que traz seus trabalhos ainda em execução para discutir relações da imagem com a apropriação de narrativas e construção de discurso;
- Cristina de Middel, espanhola representada pela revista Magnum, com mais de 12 livros publicados;
- Joelington Rios, artista visual que mistura elementos da fotografia, vídeo, colagem, arte sonora e performance para tratar de questões relacionadas a corpo, tempo, memória, ancestralidade, morte, raízes e pertencimento, também criador da série Entre rios e mocambos (2020), feito no Quilombo Jamary dos Pretos.
Fotografia, vídeo, colagem, arte sonora e performance estão na obra do artista visual Joelington Rios (MA). Imagens: Divulgação
Sobre Cristina, é importante destacar o seu trabalho focado em tensionar as fronteiras entre realidade e ficção, como espécies de crônicas fotojornalísticas. Há sete anos, em 2013, o Centro Internacional de Fotografia de Manhattan, em Nova York, a premiou (Infinity Award) por seu livro The afronauts (2012). A narrativa é baseada na história do professor Edwuard Makuka, fundador da Academia Nacional de Ciências, Pesquisa Espacial e Filosofia da Zâmbia, em meados dos anos 1960, e seu empenho em levar a primeira tripulação negra para a lua. No Brasil, Cristina de Middel se dedicou ao trabalho Sharkification (Editora Madalena, 2016), onde se debruçou sobre a problemática relação entre as favelas do Rio de Janeiro e a truculência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) instaladas por lá. O resultado do trabalho é, no mínimo, surpreendente: a ex-jornalista retrata os moradores da periferia como peixes de arrecife e os policiais, como tubarões.
Sobre o evento, embora já tenha atingido a primeira meta de sua campanha de financiamento coletivo, a “vaquinha” continua disponível até o encerramento do encontro. Eduardo explica: “Claro que queremos um patamar maior porque é outra característica que prezamos: conseguir pagar os convidados de maneira digna, porque precisamos parar de olhar para esse tipo de situação sempre sacrificando artistas e a cultura, principalmente nesse momento”.
Para acessar a programação do Pequeno, acesse o site por aqui.
THAÍS SCHIO é jornalista em formação pela Unicap e estagiária da Continente.