Curtas

Intercâmbio artístico 'Se permuta'

Semelhanças entre o Recife e Havana é tema de projeto que promove trocas culturais e estéticas entre artistas visuais

TEXTO Paula Mascarenhas

26 de Abril de 2019

Mural de 90 m² foi pintado por artistas cubanos e recifenses e mistura símbolos de ambas as culturas

Mural de 90 m² foi pintado por artistas cubanos e recifenses e mistura símbolos de ambas as culturas

Fotos Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Durante quase cinco
décadas, a legislação de Cuba proibiu a população de comprar ou vender imóveis. Da revolução cubana até o ano de 2011, a única maneira de mudar de casa na ilha era através de trocas informais, ou seja, permutas – quando as pessoas precisavam sair de suas residências, procuravam uma outra família que tivesse interesse em permutar a moradia. Muitas vezes, essas negociações aconteciam em espaços públicos, assemelhando-se a uma prática bastante comum aqui no Recife: as tradicionais feiras de troca-troca, que acontecem há décadas nas ruas da cidade.

Há mais de 10 anos, os artistas plásticos Maria Eduarda Belém e David Alfonso Suárez se deparam com inúmeras similaridades arquitetônicas e simbólicas entre a capital pernambucana e Havana. E como uma forma de concretizar esse olhar, Maria Eduarda (também comunicadora e atuante nas áreas de design, arte e gestão cultural) e o pintor cubano David Suárez se juntaram para idealizar e produzir o intercâmbio artístico Se permuta, projeto de trocas culturais e estéticas entre artistas pernambucanos e cubanos com intuito de compartilhar artisticamente os cruzamentos poéticos entre as duas cidades.



David Suárez vive no Brasil desde 2007 e contou, em entrevista à Continente, como essa similaridade entre o Recife e Havana sempre o deixou mais próximo de sua terra natal, sentimento que se tornou o mote para a realização do projeto. "Cada vez que vou ao Recife Antigo, sinto uma sensação muito peculiar, algo familiar que me transporta para a 'Habana vieja', que é o centro histórico da cidade. Se você dá uma volta pelo centro da Recife, vê as pessoas jogando dominó como em Havana. É claro que existem diferenças entre as cidades, mas há muitas coisas em comum, como a fisionomia das pessoas, o calor humano. Quando passo férias em Cuba, sinto saudade do Recife, quando estou aqui, sinto saudades de lá. Uma amiga, a fotógrafa Bárbara Wagner, uma vez me falou: 'David, a sua Havana está aqui!'", relembra.

Embora já existisse o desejo da dupla em transformar essa sensação de pertencimento em arte, a idealização do Se Permuta começou a tomar forma em 2016. Neste ano, foi a vez de Maria Eduarda desembarcar em Havana e, finalmente, conhecer e vivenciar essa mesma ligação que David sentia com o Recife, a sensação de familiaridade entre seus sons, sua temperatura, sua arquitetura e, principalmente, seu povo.

Mas foi apenas em 2018, com o apoio do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), que o Se Permuta se concretizou como um intercâmbio na ilha caribenha, promovendo diversas experiências, pesquisas e intervenções artísticas resultantes desse olhar confluente. Durante 20 dias, período de imersão dos artistas na cultura e na dinâmica da capital cubana, os dois coordenadores do projeto se juntaram ao coletivo recifense Vacilante, composto pelos artistas plásticos Alexandre Ponz, Heitor Pontes e Luciano Matos, e à designer e ilustradora Sofia Lobo, para, enfim, realizar a residência artística e explorar esse parentesco entre as cidades.






A Fábrica de Arte Cubano (FAC), que produzia óleo de cozinha e se transformou em um dos mais importantes equipamentos culturais e artísticos de Havana, não foi apenas o local onde todo o intercâmbio aconteceu, mas também o espaço que promoveu a exposição de todas as obras produzidas pelo Se Permuta. Três intervenções foram realizadas durante o processo: uma pintura inédita em um muro da FAC, um site especific e um procedimento de deriva, ambos pertencentes à série Y se te lo imaginas.

A pintura produzida no mural da Fábrica de Arte Cubano tornou-se o maior grafite de Havana. Feita por David Suárez, pelo coletivo Vacilante e pelos artistas cubanos Anabel Alfonso, Darién Sánchez, Edel Rodríguez, Gabriela Gutiérrez, Nelson Ponce e Raúl Valdés, a obra tem 90 m² e mistura abstrações, figurativos, pixos e caligrafias que retratam elementos culturais de ambas as cidades, como dizeres populares e imagens icônicas.

Já Maria Eduarda e Sofia Lobo realizaram uma instalação site especific, exposta em uma das salas da FAC. A obra retratou, através de traçados, tecidos e elementos diversos, as semelhanças e familiaridades entre Recife e Havana, incorporando textos do pernambucano Mário Sette e do cubano Ciro Bianchi. Além disso, a dupla de artistas também realizou o procedimento de deriva, ou seja, um mapeamento "psicogeográfico" na cidade a partir de uma conversa com seus moradores, presenteando-os com um lençol, um simples objeto do cotidiano transportado ao campo do simbólico e da arte.

A designer Sofia Lobo, também em entrevista à Continente, contou sobre a produção das duas obras: "Nosso trabalho foi feito em parceria e expressa um sentimento de familiaridade de um mundo onde essas sensações se misturam e viram realidade. E usamos esse norte para fazer nossa deriva e construir o site especific. Saímos pelas ruas de Havana para trocar nossos sonhos com os das pessoas e também distribuir nossos desenhos (de elementos gráficos feitos com uma mistura de formas arquitetônicas do Recife e Havana), estampados e recortados em lençóis. Uma grande cartografia poética foi construída com essas experiências".



Após toda essa imersão artística em Cuba, o Se Permuta terá a sua última etapa de produção apresentada, desta vez, ao público pernambucano. Nesta sexta-feira (26/4), às 18h, o Mepe (Museu do Estado de Pernambuco) promove um debate sobre os processos de criação e desenvolvimento do projeto, assim como a distribuição gratuita de um catálogo resultante das trocas e experimentações vivenciadas por todos os artistas durante a imersão. 

"Este momento é essencial para nós dividirmos a experiência com o público e isso se dará a partir da distribuição gratuita do livro-registro, um catálogo que versa como um relato da nossa residência na cidade, assim como com a exibição de um vídeo produzido em Cuba", explica Maria Eduarda Belém.

Mais informações sobre o evento estão na página do Facebook do projeto. 





PAULA MASCARENHAS é graduada em Letras pela UFBA, estudante de Jornalismo pela UFPE e estagiária da Continente.

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