Comentário

Oscar 2022: o resgate do telespectador

Após fiasco de 2021 e ainda sob o contexto da pandemia, a 94ª edição da premiação investe em mudanças para atrair uma maior audiência

TEXTO Débora Nascimento

25 de Março de 2022

Os dez indicados ao Oscar de Melhor Filme abrangem vários gêneros e exibem diferentes qualidades cinematográficas

Os dez indicados ao Oscar de Melhor Filme abrangem vários gêneros e exibem diferentes qualidades cinematográficas

Foto Reprodução

Depois de angariar a pior audiência da história com a cerimônia de 2021, dirigida por Steven Soderbergh, ainda na pandemia do novo coronavírus, o Oscar, em 2022, enfrenta o desafio de tentar reconquistar o interesse dos telespectadores, sob o histórico de quem já alcançou um público recorde de 57 milhões de pessoas só nos Estados Unidos, em 1998, no ano de Titanic. Sem nenhum fenômeno cinematográfico dessa magnitude que atraia a atenção, uma das soluções é apostar em uma edição mais enxuta e em diversas participações especiais bastante populares, dentre elas Billie Eilish e Beyoncé (ambas concorrentes ao Oscar de Melhor Canção) e até no resultado da votação de uma “categoria alternativa” através do Twitter.

A apresentação da cerimônia deste ano será feita pela primeira vez por três mulheres comediantes, Regina Hall, Amy Schumer e Wanda Sykes, que vão comandar o evento no domingo (27), a partir das 21h, no Teatro Dolby, em Los Angeles. No Brasil, ele será transmitido pela Globoplay (e não na TV Globo, mas a transmissão na plataforma de streaming será gratuita, sem necessidade de assinatura) e pelo TNT.

Realizada ainda no contexto da pandemia, mas com vacinação e diminuição no número de casos de Covid-19, a 94a edição começará marcada por protocolos de segurança, que envolvem comprovantes de vacinação, uso de máscaras, distanciamento entre os participantes, apresentação de testes negativos e redução no número de convidados, de 3,3 mil para 2,5 mil. Com isso, alguns nomes acabaram ficando de fora da cerimônia ou simplesmente foram esquecidos, como Rachel Anne Zegler, atriz estreante que interpreta Maria, protagonista do remake West Side Story, de Steven Spielberg. Ao relevar que veria o evento apenas de casa, a notícia gerou revolta nas redes sociais e a Academia fez um convite às pressas.

Ao contrário do Oscar de 2020, quando os vencedores das principais categorias já eram dados como certos, neste ano, paira a dúvida no ar sobre os possíveis contemplados com a estatueta. O filme Ataque dos Cães, inicialmente favorito a ganhar o título, passa a enfrentar um inesperado concorrente na reta final, CODA – No ritmo do coração. Talvez não seja dessa vez que a Netflix emplaque uma vitória na principal categoria do Oscar. Anteriormente entraram na disputa Roma, O Irlandês, História de um Casamento e Mank. A disputa está acirrada. Enquanto Ataque dos Cães, que lidera o número de indicações ao Oscar (12), ganhou o Bafta e Globo de Ouro, CODA – No Ritmo do Coração recebeu um impulso ao levar o PGA, o SAG Awards (do sindicato dos atores) e o WGA (do sindicato dos roteiristas). No Metacritic, CODA é a aposta de 54% dos críticos, e Ataque dos Cães, de 41% deles. Há ainda chance para azarões, como Belfast e Amor, Sublime Amor, com 2% cada um. Ou talvez, o japonês Drive my car surpreenda e repita o feito de Parasita, ao ganhar Melhor Filme e Melhor Filme Internacional.

Diretora de Ataque dos Cães, Jane Campion pode levar o Oscar de Melhor Direção. Se isso se concretizar, afinal ela já ganhou o prêmio do sindicato dos diretores, será a terceira mulher a ganhar essa categoria e a segunda na sequência, visto que Chloé Zhao (Nomadland) venceu no ano passado. Em 1994, Jane foi indicada pelo O Piano, mas perdeu a estatueta para Steven Spielberg, diretor de A lista de Schindler.

De acordo com a maré de premiações da temporada, as demais categorias principais devem ter os seguintes resultados: Atriz (Jessica Chastain, por Os Olhos de Tammy Faye), Ator (Will Smith, por King Richard: Treinando Campeãs), Atriz Coadjuvante (Ariana De Bose, por Amor, Sublime Amor), Ator Coadjuvante (Troy Kotsur, por CODA), Roteiro Original (Licorice Pizza ou Não olhe para cima), Roteiro Adaptado (CODA ou Ataque dos Cães), Filme Internacional (Drive my car), Documentário (Summer of Soul ou Flee), Longa de Animação (Encanto ou Flee – primeiro filme da história a ser indicado, numa mesma edição, a Melhor Documentário, Filme Internacional e Melhor Animação), Fotografia (Duna ou Ataque dos Cães), Efeitos Visuais (Duna), Trilha Sonora (Duna), Canção Original (No time to die, Billie Eilish).

Nesta edição, a cerimônia não vai realizar a entrega ao vivo de oito de suas 23 categorias: Melhor Edição, Design de Produção, Maquiagem e Penteados, Som, Música Original, Curta de Ficção, Curta de Animação e Documentário em Curta-metragem. Se, por um lado, essa decisão deve fazer com que o evento fique menos arrastado, por outro, tira a oportunidade da visibilidade para realizadores que estão começando suas carreiras no cinema. A retirada da categoria Edição é particularmente estranha, visto que é basicamente a essência dessa arte.

Enquanto isso, ingressou uma categoria alternativa: Melhor Filme Popular (Fan Favorite), que terá votação pelo Twitter. No total, concorrem 10 filmes finalistas: Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, Cinderela, Duna, Maligno, Minamata, Ataque dos Cães, Sing 2, Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, O Esquadrão Suicida e Tick, Tick... Boom!. O vencedor será revelado na cerimônia e não ganhará uma estatueta. Mas talvez essa iniciativa seja o ensaio para que a Academia abrace a ideia de levar a sério uma votação do público, reverberando na internet e resgatando ou despertando interesse sobre a premiação.

A seguir, leia algumas pontuações sobre os filmes que concorrem à principal categoria e veja onde assisti-los:

ATAQUE DOS CÃES – A diretora neozelandesa Jane Campion consegue narrar com maestria e fluidez essa história que se equilibra entre emoções à flor da pele e sutilezas. Elementos do faroeste, como duelo, vingança, conflitos étnicos e machismo, influenciam o desenrolar dos acontecimentos de maneira quase imperceptível. Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst e Kodi Smit-McPhee estão perfeitos em seus papéis. (Netflix)

DRIVE MY CAR – Literatura, teatro e cinema em um filme poético, ancorado sobre o que se fala e o que se silencia. Baseado em um conto do escritor Haruki Murakami, seu único defeito é não ter duas ou três viagens de carro a menos. Foi indicado também a Melhor Filme Internacional. (Em cartaz nos cinemas e no Mubi, a partir do dia 1 de abril)

LICORICE PIZZA – Paul Thomas Anderson parece ter pensado em juntar Embriagado de Amor e Boogie Nights num filme só. Mas não fez nem uma coisa nem outra. A impressão é que, no fundo, quis apenas um motivo para apresentar Cooper Hoffman, o filho de seu muso, o saudosíssimo Philip Seymour. Cooper e Alana Haim são os maiores atrativos do filme, que não tem uma história forte, apenas transcorre como a vida. A remontagem de época lembra o clima de …Era uma vez em Hollywood. (Nos cinemas)

CODA (NO RITMO DO CORAÇÃO) – Uma ótima Sessão da Tarde. Não deveria estar concorrendo ao Oscar de Melhor Filme. Mas vale muito por ser um “feel good movie”. Os destaques são as atuações de Troy Kutsor (o ator surdo norte-americano que interpreta o pai e que vem ganhando todos os prêmios, forte concorrente ao Oscar de Ator Coadjuvante) e de Emilia Jones, que interpreta a protagonista. (Amazon Prime Video)

O BECO DO PESADELO – Guillermo Del Toro recria a história do livro Nightmare Alley, romance de William Lindsay Gresham de 1946, e não do longa noir dos anos 1947, O Beco das Almas Perdidas, de Edmund Goulding, que tem Tyrone Power como protagonista. Seu filme atualiza o enredo, foca na questão ética e não na culpa cristã do original. Fotografia, direção de arte e atuações marcantes, como a de Bradley Cooper, especialmente na parte final. Infelizmente, as personagens femininas são estereotipadas e não têm a mesma força do filme de 1946. (Star+)

AMOR, SUBLIME AMOR – Steven Spielberg deve ter olhado para a sua filmografia eclética e pensado: “Falta um musical”. Resolveu fazer o remake de um dos mais queridos da história do gênero e vencedor do Oscar de Melhor Filme, aproveitando para inserir várias reparações, principalmente nos sotaques e tons de pele dos personagens. A primeira parte é arrebatadora, mas a direção parece perder o ritmo em seguida. A fotografia, tão criativa no começo, vai ficando preguiçosa. E faltam coreografias que surpreendam, item indispensável a qualquer musical que deseje entrar para a história. Nenhuma é memorável. (Disney+)

BELFAST – O melhor aspecto desse filme é a fotografia em preto e branco assinada por Haris Zambarloukos (Morte no Nilo, Assassinato no Expresso Oriente e Cinderella). Também destaca-se a estreia do ator mirim (Jude Hill), que interpreta o alter ego do diretor Keneth Branagh. No mais, parece um alinhavado de situações da infância do cineasta e suas descobertas (nada que chegue próximo ao nível de Os incompreendidos, de Truffaut). O pano de fundo da história, o conflito entre protestantes e católicos na Irlanda do Norte, que tem peso no enredo, carece de explicações. A trilha sonora, baseada em músicas do gênio irlandês Van Morrison (ele criou apenas uma canção original para o filme, que está concorrendo ao Oscar) pode ser um ponto alto, mas as inserções, na maior parte das vezes, soam totalmente inoportunas. (Em cartaz nos cinemas)

DUNA – O diretor Alejandro Jodorowsky tentou filmar Duna nos anos 1970 e ganhou apenas um imperdível documentário sobre sua tentativa frustrada (Duna de Jodorowsky, 2013) após recusa dos estúdios. Mas, tanto o livro quanto as ideias mirabolantes do cineasta acabaram desaguando influências sobre diversos filmes. Star Wars (1977) e Alien (1979) são dos dois exemplos. David Lynch realizou seu Duna em 1984 e foi um fiasco na sua carreira. A história parecia uma maldição, até que o franco-canadense Denis Villeneuve, com a bagagem de Blade Runner 2049 e A Chegada, aceitou o desafio e transformou o livro clássico da ficção científica em trilogia. A primeira parte alcança um grande feito, foge aos clichês dos blockbusters do gênero e impõe sua assinatura.

NÃO OLHE PRA CIMA – O destaque desse filme é abordar a urgente pauta contemporânea do cruzamento entre mídias sociais, política e negacionismo ambiental. Mas artisticamente o longa de Adam McKay (A grande aposta e Vice) patina feio ao tentar ser uma comédia surreal sobre a tragédia do fim do mundo. Do elenco de estrelas, DiCaprio arrasa e Cate Blanchett surge canastrona, assim como em O Beco do Pesadelo. Se Não olhe para cima entrou na lista dos indicados a Melhor Filme, House of Gucci, de Ridley Scott, também mereceria ter entrado. (Netflix)

KING RICHARD (CRIANDO CAMPEÃS) – Embora seja um filme que agrada o espectador pela vitoriosa história real das tenistas norte-americanas, a aparência de produção barata e feita para a TV retira sua possível força. A ausência de uma fotografia digna de cinema incomoda. Por isso, não deveria estar listado ao Oscar de Melhor Filme. Seu maior trunfo é a atuação marcante de Will Smith, brilhante como Richard, o pai de Serena e Venus Williams. Nesta sua terceira indicação ao Oscar de Melhor Ator, Smith é forte candidato a levar a estatueta. (HBO Max)

veja também

Tão próximos e tan lejos: o que nos impede de conhecer mais a música da Colômbia

Apontamentos para uma crítica náufraga

Karim AÏnouz coloca tempero brasileiro na realeza inglesa