Escrevo esta carta na intenção de abrir um diálogo com vocês. Agora são quase 11h da manhã do sábado, dia 28 de julho. Resolvi escrever esta carta porque durante os dias da Flip tive a oportunidade de encontrar e reencontrar com vocês. Que sensação boa cruzar olhares com as nossas e os nossos, ou simplesmente abraçar aquelas e aqueles que já conhecemos, por ora, através da internet ou de outras pessoas amigas, e que o movimento do mundo ainda não tinha cruzado nossos passos.
É uma grande festa literária, todo mundo já sabe. Todo mundo vem para cá sabendo que é um grande encontro, que aqui encontraremos muitas coisas do universo da literatura. É também um espaço importante para nós, poetas, divulgarmos nossos trabalhos e vendermos nossos livros. Encontrei, nos primeiros dias, diversas pessoas poetas que estavam circulando pela Flip, vendendo seus livros e buscando fazer uma grana. Aqui rola grana, é fato. O dinheiro circula rapidamente durante a Flip, na cidade colonial. Todo mundo quer fazer o seu e tirar um dinheirinho para pagar as contas e manter-se vivo. É sobre isso que quero falar com vocês. Não sobre o dinheiro, especificamente, mas sobre como estamos encontrando, diante do mundo, condições para se manter vivos.
Poetas, estamos ante uma situação trágica no país, os índices de desemprego, as condições precárias de trabalho, as violências cometidas pelo Estado brasileiro contra as que lutam, as que resistem, contra os povos indígenas e tradicionais. Escutem poetas, alguns de nós não estamos conseguindo dar conta dessa situação dentro das nossas cabeças, alguns de nós estamos enlouquecendo de diferentes maneiras e acredito que precisamos estar atentos a nós mesmos.
Nas noites que encontrei vocês, quando nossas conversas duravam um tempo suficiente para falarmos das nossas vidas, perguntei como que vocês estão mantendo-se vivos, como que vocês estão sobrevivendo diante do mundo. Vejam, não é uma pergunta que faço para criar constrangimentos, não quero colocar ninguém numa sinuca de bico. Faço essa pergunta porque acredito, nesse momento, ser importante compartilharmos nossas táticas de sobrevivência. Muitos de nós estamos desempregados, fazendo bicos aqui e ali, trabalhando com outras coisas para sustentar a vida, preocupados em pagar o aluguel. Não precisamos ter vergonha das nossas táticas, principalmente, em um espaço como a Flip, que, junto à circulação do dinheiro, traz uma espécie de glamour literário. Desviemos um pouco do glamour literário.
Poetas, quero muito saber de vocês nas segundas-feiras, quero saber o que pensam quando deitam a cabeça e, olhando para o teto, esperam o sono chegar. Como está sendo? O que estamos fazendo para burlar as situações as quais estamos inseridos? E como estamos encontrando condições para segurar nossas cabeças sem perder as estribeiras?
Escutem, estamos vivas e vivos! Isso é importante. Somos as poetas e os poetas que estão vivos, contemporâneos, e o que vem à cabeça é que podemos, nesses encontros como a Flip, formular novos encontros. Por que penso nisso? Porque é incrível a sensação de abraçar vocês e saber como vocês estão, ver o sorriso estampado em vossos rostos é extraordinário. Porque ver sua resistência alimenta a minha. Não estamos viajando na maionese, não estamos vivendo num “mundo de Bob”, é isso que penso quando encontro vocês, poetas. É um alimento em nosso corpo e cabeça saber que nós estamos, em nossas cidades, resistindo com a poesia.
Vejam, somos muitos aqui na Flip. No entanto, quero chamar atenção que boa parte de nós que aqui estamos, moramos em cidades próximas ao Rio de Janeiro, no dito eixo. Então, não consigo pensar em vocês, sem pensar nas milhares de poetas e poetas espalhados pelo Brasil, principalmente as pessoas poetas – que assim como eu – são filhas e filhos do Nordeste, do Norte, de outras regiões nas margens do país. Tenho certeza de que essas pessoas também resistem a inúmeras situações e fazem poesia. E que bonito ver que, no movimento contemporâneo da poesia, surgem mais e mais pessoas poetas, pessoas que estão encontrando na escrita, e, principalmente, na voz e na poesia falada, uma maneira de falar, de dizer, de romper os silêncios impostos, de contar suas próprias histórias. Sinto que, exatamente no momento em que um de nós abrimos a boca para dizer um poema, estamos no fundo no fundo gritando ao mundo: “Alô mundo, estamos vivos e não perdemos a guerra!”.
Então, fico pensando ao escrever esta carta a vocês, que talvez uma das potências desse nosso encontro durante a Flip, repito, é formularmos outros encontros. Quando vamos nos encontrar novamente? Quando vamos nos ver, nos tocar, rirmos juntos sobre as besteiras do mundo? É isso que move esta carta. Quero encontrar vocês de novo e quando nos encontrarmos, no momento dos nossos abraços, olharei para vocês nos olhos e direi estamos vivas, poeta! Viva o nosso jeito de existir no mundo.
Na expectativa que esta carta chegue até vocês,
Com carinho,
De seu amigo Pedro Bomba.
PEDRO BOMBA é poeta e artista nascido em Aracaju (SE).