Palafita está em circulação desde 2014, quando estreou no Festival Circos, no Sesc Pompeia (SP), um ano depois de ter iniciado o processo criativo, que durou mais dois anos. Essa foi a primeira proposição do espetáculo. Na lógica do corpo como um mecanismo que sofre constante modifição a partir das experiências externas, uma apresentação que se propõe a usá-lo como instrumento segue a mesma linha.
Os artistas fizeram residência num sítio localizado na Praia de Sabiaguaba, em Fortaleza. Um lugar semideserto, numa região de dunas, em processo de forte especulação imobiliária. Num dia, ao acordarem, a enorme duna em frente à casa, vista na noite anterior, havia desaparecido. Mais tarde, descobriram que a areia foi utilizada como aterro na construção de uma BR. "Isso foi uma coisa bem violenta, que marcou muito a gente. Tivemos que incorporar ao trabalho", explica Eric sobre a presença da areia em grande parte do espetáculo. Além disso, a palafita é um tipo de construção muito comum nos mangues da Sabiaguaba.
A inspiração também foi tirada do livro Vagamundo, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, mais especificamente do conto Segredo no cair da tarde. É perceptível a construção do espetáculo ao acolher seus componentes. Uma narrativa que fala sobre perda e desejo sendo revelada através da linguagem circense, também performance. Em 30 minutos, a arte da cena direciona o olhar para as dimensões social e psicológica do tema. Moradias precárias, frágeis e isoladas.
Palafita é o corpo e seu potencial em evidência. É o corpo contando histórias. Ao final, as luzes se apagam lenta e completamente, enquanto canções ecoam no escuro, provocando um misto de assombro e encanto. As pupilas logo se dilatam, na reação involuntária dos olhos para se acostumarem. A réstia esbranqueçada da areia antes agitada vai surgindo em meio a escuridão. É um sentimento sublime. Quando as luzes reacendem, só é possível enxergar o público de pé e o estrondoso som dos aplausos.
Confira a cobertura dos espetáculos Lazuz e Finding no man’s land, também parte da programação do 14º Festival de Circodo Brasil em seu último fim de semana.
SAMANTA LIRA é estudante de jornalismo da Unicap e estagiária da Continente. Ama circo e acha que foi circense em vidas passadas.