Cobertura

O corpo, o que o circense tem de melhor

Espetáculos inovadores que misturam linguagens de circo, dança e performance marcaram último fim de semana do Festival de Circo do Brasil, no Recife

TEXTO Paula Mascarenhas

12 de Novembro de 2018

'Lazuz', de Israel, é um duelo entre um acrobata e um malabarista

'Lazuz', de Israel, é um duelo entre um acrobata e um malabarista

Foto Jonatan Agami/ Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online | nov 2018]

A 14ª edição do
Festival de Circo do Brasil, sob o tema Toda fauna e toda flora, trouxe ao Recife e ao Agreste do estado, durante a última semana, diversos espetáculos, performances e filmes que contemplam o universo do circo em sua diversidade: técnicas, habilidades, talentos, corpos, movimento. Como bichos em seu habitat natural, as trupes ocuparam diferentes espaços com apresentações tanto em locais abertos quanto nos já habituais teatros e museus.

Foram 10 companhias brasileiras e cinco internacionais viajando com acrobatas, malabaristas, palhaços, dançarinos, mágicos, isto é, artistas cuja técnica torna-se cada vez mais imprevisível, embora eles continuem mexendo com a fantasia, a imaginação e os limites do corpo humano. Suas atuações não só marcaram ludicamente a infância, como também atiçaram as lembranças e curiosidade dos adultos.

O AMOR E AS ACROBACIAS
O pomposo e histórico Teatro de Santa Isabel, no Centro do Recife, foi um dos palcos-picadeiros onde o festival se armou. Na noite da sexta (9/11), já estava lotado na expectativa de mais uma atração do festival. Todos pareciam ansiosos para a apresentação do espetáculo Finding no man’s land, produzido pela companhia francesa Cie Two Cirque.

Ao mesmo tempo em que cada um sentava em seus devidos lugares, olhares curiosos eram lançados para o tablado: parecia que o espetáculo já tinha começado. Logo nos deparamos com um dos artistas no palco: o acrobata brasileiro Ricardo Gaiser. Lá estava ele, sentado em uma cadeira de rodas, imóvel, observando calmamente a plateia. O artista parecia aguardar o aval do público, tomando-o como uma engrenagem fundamental para lhe dar movimento.

O cenário instalado no palco do Santa Isabel era simples: do lado direito do artista, havia uma longa e grossa corda; já do esquerdo, um cabideiro com figurinos; logo à frente, estava um microfone e uma pequena mesa com um vaso. Esses detalhes já eram um prelúdio à diversidade de técnicas apresentadas: a união de artes circenses, como a acrobacia, com o teatro e a dança foram tomando o público de ímpeto com a entrada da artista Katia Andersen.

A diversidade não ficou restrita apenas às habilidades artísticas - e irreverentes - da dupla. Primeiro, eles dançam juntos na cadeira de rodas, equilibram-se e improvisam. Ao longo da apresentação, interagem com todos os objetos da cena, mas usam principalmente o que tem de melhor: seus próprios corpos.


O espetáculo francês também aborda o feminicídio nas relações amorosas.
Foto: Divulgação

É a partir dos movimentos corporais e cênicos que um turbilhão de sentimentos são revelados. No geral, nos fazem refletir sobre o mais universal deles: o amor. Trabalhando o afeto e os conflitos das relações amorosas, a partir de expressões de abandono e ciúme, o casal constrói um espetáculo que vai além do romance e da comédia, abarcando diálogos incomuns, cantorias e interação com público e chegando à tragédia, com a agressividade possível nos relacionamentos e até uma representação de feminicídio.

A abordagem dessas temáticas mais dramáticas são encarnadas de forma poética e sensorial pelo dueto, que investe em técnicas corporais complexas, as quais resultam não só de acrobacias individuais, mas também daquelas mais desafiadoras, praticadas em duo, com e contra o corpo do parceiro. A superação de limites físicos de ambos os artistas impressionam e encantam durante toda a apresentação, que não deixa de fora o clima mágico e nostálgico do circo.

MOVIMENTO, DISPUTA E CUMPLICIDADE
Lazuz significa “se mover” em hebraico. O movimento, o ato de se mexer e de se deslocar artisticamente é a prática basilar e fundamental do circo. É no picadeiro que os pequenos movimentos do corpo se transformam em arte e em desafio. Esta também é a base do espetáculo homônimo Lazuz, criado e encenado por dois dos profissionais mais tradicionais da cena circense: o acrobata e o malabarista.

Também parte da programação do Festival de Circo do Brasil,os israelenses Ron Beeri e Itamar Glucksmann formam a dupla da performance, que tem como mote apresentar cada uma das suas técnicas como se estivessem em uma competição, um jogo interativo no qual os malabares e as bolinhas de um enfrentam a força e a destreza do outro. Qual deles consegue superar mais os limites do corpo e do equilíbrio?

O Teatro Apolo também ficou cheio para prestigiar a duo-performance no sábado (10/11), penúltimo dia do festival. Domingo, o último, e segunda apresentação deles na cidade, estava com todas as sessões esgotadas. O burburinho de tantas pessoas na plateia chegou a intimidar os artistas. Em entrevista à Continente, contaram que o silêncio é um dos elementos essenciais da apresentação e que a plateia também constrói esse momento. É necessário que o público se entregue ao espetáculo e consiga ouvir as batidas do corpo no tablado, os malabares trocando rapidamente de mãos e a respiração ofegante dos artistas. Os primeiros 10 minutos trouxeram um silêncio poético. A plateia contribuiu quieta, atenta e surpresa com os movimentos precisos em cena.


A suposta competição entre o acrobata e o malabarista revelam a cumplicidade entre os dois artistas. Foto: Jonatan Agami/ Divulgação

A arte circense contemporânea se mostra cada mais vez inovadora, sem perder a tradição de deixar todos encantados com as possibilidades mais arriscadas do corpo e do movimento.

Leia também o texto O corpo contando histórias, sobre a apresentação de Palafita no 14º Festival de Circo do Brasil.

PAULA MASCARENHAS é graduada em Letras pela UFBA, estudante de Jornalismo pela UFPE e estagiária da Continente.

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