Exatamente trinta anos após seu primeiro show em Curitiba (realizado em 5 de dezembro de 1993), Paul McCartney voltou à cidade, desta vez no Estádio Couto Pereira, com lotação esgotada. A turnê Got Back se encaminha no Brasil para os últimos momentos com sucesso absoluto de público.
Os anos passam, mas McCartney vai encontrando uma solução estética visual para sua imagem no palco que o deixa, de certa forma, até mais jovial do que em turnês passadas: barba por fazer, cabelo grande agora assumidamente branco, nem sinal de barriga ou calvície, e um conjunto de paletós que ressaltam sua figura esguia (a imagem dos Beatles está associada ao paletó dos tempos da beatlemania, portanto, o traje atual não ajuda a envelhecer Paul, como poderia acontecer com outros artistas).
Os movimentos no palco são agora cuidadosos, mas ele ainda sobe degraus para chegar ao piano simulando uma pequena corrida e, em nenhum momento, apresenta a fragilidade esperada para um homem de 81 anos de idade.
O show em Curitiba teve como diferencial na atual turnê o fato de ser realizado num estádio acanhado, se comparado com os lugares anteriores, todos muito modernos: o Mané Garrincha, em Brasília, a Arena MRV, recém-inaugurada em Belo Horizonte, e o Allianz Park, em São Paulo. Mas o público não se importou e vibrou com os grandes sucessos dos Beatles, dos Wings, da carreira solo de Paul, e com os efeitos pirotécnicos do espetáculo.
Uma coisa essencial vem despertando discussões entre muitos fãs de Paul McCartney: estaria o eterno beatle com a voz ainda em forma ou deixaria a desejar em alguns momentos do show? Esse é um tópico bastante delicado, por vários motivos. Primeiro porque avaliar o som de um show em estádio é algo altamente arriscado. Depende muito do lugar de onde se assiste ao show, do barulho da multidão (às vezes muita gente canta junto e atrapalha a avaliação). Até uma rajada de vento pode alterar a propagação do som.
Depois, é bom lembrar que, no caso de McCartney, mesmo na juventude, sua voz sempre variou bastante, indo da límpida e macia versão utilizada em músicas como Things we said today, Michelle e The long and widing road até a voz gritada no limite, utilizada em, por exemplo, I’down, Oh, darling e Helter Skelter.
Então, quando, no momento atual, na sua versão de She’s a woman apresentada no show, a voz parece ficar por um fio, é bom lembrar que no compacto original, de 1964, ela já é uma canção com padrão melódico meio estranho, e cantada no limite. De qualquer modo, McCartney não foge dos riscos. Continua cantando suas canções mais exigentes e dá um show de interpretação em Maybe I’m amazed, por exemplo. Afinal, o rock and rolll sempre brincou com os limites e exige energia na execução. Energia que McCartney parece ainda ter, ou pelo menos disfarça muito bem. Afinal, como os poucos astronautas que chegam à Lua, ninguém se torna um beatle por acaso.
MARCELO ABREU, jornalista e autor de livros de viagens.