O Roda de Conversa 22 tem como premissa a ideia de que discutir arte é não só importante, como necessário, e que não deve estar restrita aos gabinetes ou ateliês. Assim, artistas, curadores, pensadores e espectadores podem trocar ideias, tensionar tópicos e levantar provocações sobre as obras em questão ou os temas que as atravessam. Segundo Fernando Neves, proprietário da Arte Plural, estão programados pelo menos cinco encontros ao longo do ano que vem, tendo como pauta as exposições que ocuparão a galeria. A ideia é sempre juntar na conversa os criadores e um escritor ou intelectual convidado, que deve lançar seu olhar sobre os trabalhos e produzir um texto a partir dessa troca para ser incorporado à exposição.
O primeiro momento do Roda de Conversa 22 girou em torno da exposição Falar imagens. Ver palavras, atualmente em exibição na galeria. A mostra coletiva reúne nove artistas de diferentes linguagens. São eles: Alexandre Severo (in memoriam), Fred Jordão, Gustavo Bettini, Hélia Scheppa, Priscilla Buhr e Josivan Rodrigues, na fotografia; Filippe Lyra e Renato Valle, na pintura; e Sebastião Pedrosa, com trabalhos em gravura e objetos. Para o bate-papo inaugural, estiveram presentes Priscilla, Fred, Renato e Gustavo, além da curadora, Bruna Pedrosa, e do escritor e sociólogo Paulo Marcondes.
“A gente vem usando esse formato (dos encontros) desde que se viu como galeria. Mesmo antes. Em 2005, a gente construiu esse espaço para juntar pessoas, tomar um café e falar sobre fotografia, que é uma coisa que eu gosto. As pessoas foram chegando e aqui acabou se transformando em um espaço de exposição, sem deixar de ser um local para se discutir arte. A gente nunca quis se fechar em uma linguagem e, por isso, fizemos várias ações que congregavam diferentes expressões, como o Sarau Plural. Fizemos 56 edições deste projeto e, por aqui, passaram alguns dos principais escritores de Pernambuco. A música também se fez presente, como no projeto Gerações Musicais, que juntava músicos de épocas diferentes e precisou ser interrompido por conta da pandemia”, explicou Fernando, em conversa com a Continente.
O novo projeto aconteceu presencialmente na galeria, com comparecimento do público (seguindo os protocolos de prevenção à Covid-19), mas também contou com transmissão online, através do Instagram, dialogando ainda com outras plateias. No encontro, a curadora explicou que seu recorte para essa exposição partiu do seu interesse, inclusive como artista, pela relação entre palavras e imagem. A partir do casting da galeria, foi atrás de trabalhos dos acervos pessoais dos artistas, buscando construir outros olhares sobre esses trabalhos, incluindo questões sobre representatividade, gênero e o próprio momento pandêmico.
Para o poeta, compositor e sociólogo Paulo Marcondes Ferreira Soares, que é professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE, a exposição evoca um certo sentimento de melancolia que atravessa as produções, tenham elas sido feitas durante a pandemia ou não. Ele chamou a atenção ainda para um tópico que permeou a fala dos artistas, que é o da percepção do tempo.
O artista e sociólogo Paulo Marcondes Ferreira Soares. Foto: Eric Gomes/Divulgação
Durante a conversa, os artistas foram convidados a falar sobre seus trabalhos em exposição e seu processo de produção. Renato Valle explicou que suas duas telas fazem parte de um processo de ressignificar aquilo que ele via como falho ou de menor valor artístico. Escritos sobre pinturas ruins é uma série na qual ele promove intervenções gráficas com palavras sobre trabalhos que, a princípio, não lhe agradavam.
“O texto era uma forma de colocar para fora o que estava engasgado com aquela pintura. Visualmente, ela podia até não ser visível, mas tinha que resolver plasticamente a pintura. Eu fiz muita coisa ruim e normalmente a gente só divulga o que faz de bom. Acho que foi um momento de enfrentar e assumir que, na vida e na pintura, a gente faz muita coisa ruim porque ela reflete o que a gente vive. Não acredito em gênio. Acredito no trabalho, no esforço, no senso crítico”, afirmou o artista.
Para o fotógrafo Fred Jordão, que se considera um documentarista, ter suas imagens em um espaço voltado para a arte – e o diálogo sobre ela – é uma oportunidade muito rica de significados e traz questionamentos para o seu próprio trabalho. Uma das obras em exibição foi criada durante a pandemia e reúne 62 fotografias tiradas por ele do mesmo espaço, uma janela da sua casa, durante dias e horários diferentes.
“Como fotógrafo documentarista, gosto muito das paisagens e, no final das contas, esse trabalho resumiu um pouco o sentimento de imobilidade. O outro trabalho são fotos do Sertão, com um tríptico, que representa bem a ideia que vejo do documental: a construção de uma ideia geral a partir de pequenos tijolinhos, informações que vão se juntando. O terceiro é uma paisagem de um coqueiro que vem como um contraponto de transformação e contemplação da natureza. Acho que meu trabalho se revela como um documental de encontrar o tempo, o espaço e as personalidades, de quem e do que você fotografa e do que eu penso também”, revelou.
Fred pontuou ainda que o processo dos artistas pode ser muito solitário e que, na troca com a curadoria, com os colegas e com o público, era possível abrir novas dimensões para os significados das obras. A opinião foi compartilhada por Gustavo Bettini, que lembrou sobre o percurso que resultou nas imagens apresentadas por ele na mostra coletiva. São fotografias registradas durante uma viagem que fez sozinho de bicicleta por Ouro Preto (MG), Paraty (RJ) e Diamantina (MG), cidades que fizeram parte do Ciclo do Ouro, entre o final do século XVII e XVIII.
“Na viagem, passei muito tempo em silêncio, sem falar com ninguém. E as fotografias que estão aqui foram feitas quase no final, quando fui retratando coisas muito simples, quase vazias do cotidiano dessa viagem. Quando fui tratar essas fotos, fiz uma coisa diferente do que eu tinha feito até então: eu sempre tentei manter o tratamento mais próximo do que eu tinha feito, mas dessa vez fui tirando o que achei que não era essencial para a narrativa, em alguns casos até a cor”, contou o fotógrafo.
O sentimento de isolamento e deslocamento do tempo e do cotidiano também permeia as fotografias de Priscilla Buhr na série Hoje não. O trabalho registra o olhar da artista sobre as miudezas da vida nos primeiros meses do isolamento social e da convivência de seu filho, então com três anos, com a sua mãe, na época com 73.
Bruna Pedrosa, curadora da exposição em cartaz na galeria. Foto: Eric Gomes/Divulgação
“A câmera era o meu momento, minha forma de me sentir eu (durante o isolamento social). Eu sentia que começava a perceber também como o tempo se materializa de outra forma. A forma como a gente lida com a natureza, com o silêncio. São fotos deste fluxo de vida, de como a rotina se modificou, a casa mudou, de como meu filho cresceu. Começamos a pandemia ele estava com três anos e ainda estamos na pandemia e ele está com cinco, é outra criança, minha mãe mudou, está com mais cabelos brancos. Eu mudei”, enfatizou a fotógrafa, que contou ainda que seu filho também fez vários registros durante a pandemia, uma espécie de série paralela. “Ainda quero fazer algo juntando esses dois olhares, dois mundos.”
Após este primeiro momento de interação com o público, haverá ainda outra oportunidade de troca de ideias com os participantes da exposição Falar imagens. Ver palavras. No dia 15 de dezembro, acontece uma visita guiada com os outros artistas da mostra que não puderam participar do Roda de Conversa 22. A mostra fica em exibição até o dia 29 de janeiro. A Arte Plural Galeria está localizada na Rua da Moeda, 140, e funciona de segunda a sexta, de 9h às 18h, e aos sábados, das 14h às 18h.
MÁRCIO BASTOS, jornalista e mestrando em Comunicação pelo PPGCOM/UFPE.