Cinema

Coppola fez Megalópolis para ser amado ou odiado; ou qualquer coisa entre amor e ódio

Novo filme é uma mistura de ficção científica, épico ambientado no futuro e uma reflexão sobre o presente

TEXTO Marcelo Abreu

18 de Novembro de 2024

Foto Lions Gate/Divulgação

Depois de 13 anos sem lançar um longa-metragem, o lendário diretor norte-americano Francis Ford Coppola chega com mais um filme e o mundo cinematográfico pára e presta atenção. Afinal, trata-se do diretor de O poderoso chefão, Apocalypse now, Peggy Sue – seu passado a espera e tantos outros filmes que marcaram o cinema nos últimos 50 anos.

Megalópolis estreou o Festival de Cannes em maio, encerrou a 48 Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e agora está no circuito comercial brasileiro. Em São Paulo, durante a mostra, Coppola, aos 85 anos, demonstrou toda a energia que anuncia ter para filmar e promoveu o trabalho em entrevistas variadas. Disse até que o personagem principal do novo filme, Cesar Catilina, foi inspirado no ex-prefeito de Curitiba, o arquiteto e urbanista Jaime Lerner.

Este não é um trabalho que flerta com a modéstia. Seu objetivo é ser visto nas salas com tecnologia IMAX, com som e imagens de ponta. O megalo do título torna-se quase um comentário irônico sobre a empreitada. Isso porque, infelizmente, o novo filme de Coppola é experimental demais para se tornar um clássico popular. O mais provável é que entre nas listas dos grandes fracassos comerciais do cinema. Custou 120 milhões de dólares, tirados do próprio bolso do diretor, que afirma ter vendido parte de sua fábrica de vinho na California para bancar o projeto. Baseado na bilheteria das primeiras semanas nos EUA, onde estreou em setembro, dificilmente reaverá o dinheiro (o que em si dá ao filme um outro caráter, o de uma empreitada quixotesca que levou quarenta anos para ser realizada). Megalópolis torna-se, assim, outro marco polêmico na filmografia de Coppola, como foi também o maravilhoso Do fundo do coração, de 1982, que, na época, levou seu estúdio Zoetrope à falência.

Ambientado na Nova Roma (uma espécie de Nova York em um tempo indeterminado), o filme é uma mistura de ficção científica, épico ambientado no passado e no futuro e uma reflexão sobre problemas do presente. Mas não chega a ser uma experiência agradável por vários motivos. A narração é confusa: há demasiadas frases supostamente “filosóficas” narradas em off. As cenas são curtas, às vezes picotadas, com diálogos sempre carregados de filosofia, sem nenhuma frase banal, o que torna o acompanhamento trabalhoso; há um uso excessivo de colagens, montagens de imagens simultâneas, manchetes de jornais, noticiários televisivos, em ritmo acelerado.

O filme utiliza alguns acontecimentos da Roma clássica, narrados nas famosas Catilinárias, o conjunto de quatro discursos proferidos pelo cônsul romano Cícero, no ano 63 a.C., contra o senador Catilina (com o célebre início “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”, decorado por todos os estudantes no tempo em que se estudava latim no Brasil). No filme, Cesar Catilina (interpretado por Adam Driver) é um opositor ao prefeito da Nova Roma, Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito). Catilina é um arquiteto atormentado que sonha em reconstruir a cidade de acordo com suas ideias utópicas e enfrenta a resistência do sistema político. No processo, inventa uma forma de parar o tempo e envolve-se com Julia (Nathalie Emmanuel), a lânguida e bonita filha do prefeito Cicero.

No filme, há uma coleção de personagens paralelos, marcantes de alguma forma, como o motorista (Laurence Fishburne), que, nessa salada de referências, faz a narração em off de alguns trechos do filme e conduz Catilina num automóvel Citroën DS (o modelo clássico fabricado entre 1955 e 1975). Em se tratando de um trabalho de Coppola, é reconfortante encontrar nomes como os atores Jon Voight, que interpreta o ricaço Hamilton Crassus III, e Dustin Hoffman, interpretando Nush Berman, assessor de Cicero.

Há outros personagens interessantes como Wow Platinum, a ambiciosa repórter de tv representada por Aubrey Plaza. São todas figuras que beiram a caricatura e a sordidez associada à antiga Roma, com os homens usando aquele corte de cabelo simulando uma franja curta, como na época dos césares. O mais sórdido de todos é Clodio Pulcher (Shia LaBeouf), o invejoso primo de Catilina. Há também um grande número de personagens menores, que confundem a narrativa em breves aparições.

Claramente uma fábula sobre o mundo atual, baseado em fatos da Roma antiga, Megalópolis exige concentração para acompanhar e entender, afinal, o que defende Coppola nas várias camadas de diálogos e recursos de montagem que se sobrepõem ao longo do trabalho. Uma narrativa que pode parecer desagradável e longa demais, mas que merece ser revista para tentar penetrar melhor na mensagem.

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