Artes Visuais

Retratos de uma luta contra o silenciamento feminino

Artista Renata Faccenda reflete sobre cancelamento e misoginia em retratos de mulheres inspiradoras que estarão expostos na Maumau dia 30 de janeiro

21 de Janeiro de 2025

"Fui cancelada em Berlim", diz artista pernambucana radicada na capital alemã

Foto Divulgação

Uma perseguição desencadeada por um ex-parceiro de trabalho deu início a uma série de 13 desenhos a lápis sobre papel que a artista visual pernambucana radicada em Berlim Renata Faccenda traz para o Recife. “Fui cancelada em Berlim”. A exposição intitulada Misoginia, cancelamento e palco - Um depoimento ilustrado, que acontece no próximo dia 30, na galeria Maumau, no Espinheiro, surge como reflexão e maneira de enfrentamento diante de cancelamentos em redes sociais e até processos judiciais sofridos pela artista.

Ao longo de quatro anos Renata, que também é cantadora e designer,  foi desenhando retratos de mulheres inspiradoras como Lia de Itamaracá, Dilma Rousseff e dela própria para refletir o papel de mulher e de artista, seja no resultado dos desenhos, seja no próprio ato de desenhar. “Descobri algo novo sobre a misoginia: o ódio é ainda maior contra mulheres que não temem a misoginia. Ao desenhar mulheres e conhecer suas histórias, encontrei exemplos inspiradores de resistência e compreendi os motivos que as tornaram quem são”.

A cirandeira Lia de Itamaracá é uma das 13 mulheres desenhadas pela artista

Renata diz ainda que a importância das lutas feministas e antirracistas e o impacto das redes sociais na vida das pessoas foram outros fatores que a levaram a seguir com a exposição, que já foi exibida no festival berlinense “48 Stunden Neukölln”, em junho de 2024, dentro do tema “Silêncio Urbano”.

A história começou quando a artista tomou conhecimento de que o então parceiro de trabalho estava enganando uma grande quantidade de pessoas em Berlim e Recife, aparentemente para obter vantagens e dinheiro. “Achei que tinha a liberdade de falar abertamente sobre o assunto diretamente com ele porque naquele momento, na minha percepção, alimentávamos mútua relação de amizade. Estava equivocada. Indícios de que estas práticas desonestas e as que se seguiram eram um padrão de comportamento dele vieram à tona posteriormente. Obviamente que assim que percebi tudo isso eu me afastei imediatamente”.

Já era tarde. Acusada de difamação (atribuída a motivações racistas), Renata foi processada pelo ex-amigo e sofreu cancelamento e perseguição principalmente por parte de outros tantos brasileiros e brasileiras radicados em Berlim. Os ataques pessoais ocorreram e ainda ocorrem não somente nas redes sociais, mas também por telefone. Certa vez chegou a ter seu local de trabalho cercado pelos canceladores. O jeito foi também recorrer à justiça para conseguir uma liminar de restrição de contato e aproximação. Quanto ao processo judicial, Renata conseguiu provar sua inocência ao comprovar serem falsas as acusações a partir de informações contidas no perfil do próprio acusador nas redes sociais. “Fui vitoriosa e ele foi condenado a arcar com 80% dos custos do único processo julgado, que durou cerca de um ano e meio”, recorda.

Para lidar com os ataques, iniciados em 2021, Renata contou com organizações de apoio às vítimas de crimes de ódio na Alemanha. “Recebi consultoria e apoio financeiro significativo da fundação Antonio Amadeu Stiftung e da organização Weisser Ring”.

Artista e empreendedora cultural consolidada na comunidade berlinense, Renata também contou com a própria coragem de se expor para se defender do silenciamento e da intimidação. “O palco, que sempre me fascinou e amedrontou, deixou de me intimidar. Usei a coragem que fui forçada a acessar para enfrentar esse espaço de visibilidade e vulnerabilidade. Ao ser exposta negativamente a centenas de pessoas, escolhi expor-me positivamente a milhares”.

Ironicamente, os ataques impetrados também pela comunidade brasileira em Berlim, fizeram com que Renata passasse a ser convidada para eventos de público bem maior. “De certa forma, a arte me salvou”.

SERVIÇO

Exposição Misoginia, cancelamento e palco - Um depoimento ilustrado, de Renata Faccenda
Quando: 30 de janeiro
Onde: Maumau Galeria (Rua Nicarágua, 173, Espinheiro)
Horário: 19h30
DJ: Isabela Stampanoni
Visitação até 9 de fevereiro mediante contato (81) 9200-27321

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