Artes Visuais

O curador da “Respiração da Terra”

Para Marc Pottier, a obra da artista Denise Milan "vai da filosofia, poesia, performance, escultura, fotografia. Ela constrói aqui obras que reluzem como ouro em nosso mundo interior"

TEXTO Mario Helio

27 de Agosto de 2025

Exposição

Exposição "Respiração da Terra" ocupa o espaço cultural Le Jardin, do Hotel Rosewood, em São Paulo

Foto Divulgação

Foi como uma caminhada peripatética no jardim de Epicuro. A artista Denise Milan e o curador Marc Pottier fizeram do vernissage da exposição “Respiração da Terra” um passeio ao mesmo tempo descontraído e filosófico. No fim da tarde do dia 25 de agosto de 2025, espaço cultural Le Jardin, do Hotel Rosewood, em São Paulo.

Para um grande grupo de visitantes, o curador e a artista foram discorrendo sobre cada uma das seis esculturas instaladas ali. Na conversa com o público, democrática, informal, surgem, com espontaneidade, frases definidoras daquelas obras e sua intenção. Todas apontam para a luz e o ouro, e basta a associação deste àquela para entender-se que a matéria aí não é um convite ao materialismo, mas a pensar nas matérias-primas em espírito e atitude de alquimia. Daí uma frase como esta, dita por Denise Milan, no decorrer do bate-papo com a plateia, na caminhada: “É o invisível que nos faz viver”. Logo, ela e o seu curador vão referir-se ao início da vida na terra, às separações celulares. Falam de mitoses, de recortes, das curvas, da materialidade e da maternidade, da ordem suplantando o caos, do infinito. Coisas abstratas ali mostradas sob a forma de minerais trabalhados por mãos humanas, que assumem novas formas e significados. A parte e o todo se espelham, daí a frase natural também dita pela artista, para situar o sentido daquela “Respiração”: “A Terra é uma grande pedra azul no cosmos”.

Ouvimos sobre os caminhos de ouro e de luz, sobre o oxigênio, pensamos no sol, nas estrelas, e de que elas e a água são indispensáveis à vida na Terra, como a lua e o sol, e, assim, nos lembramos desta passagem do grande poeta grego Píndaro:

“Alto dom é a água;
O ouro puro, qual chama luzente
Em noite escura, em desvanecedora
Riqueza ostenta brilhos superiores,
Mas, se com teus louvores,
Coração meu, certames gloriosos
Tentas exaltar, teu alto olhar
Fixa no sol, em dia formoso,
Astro mais luminoso
Que o sol brilhante no deserto céu
Não verás.”

Antes do começo da visita às obras da exposição, o curador Marc Pottier concedeu a Continente esta entrevista:

CONTINENTE Das exposições em que tu atuaste como curador, o que há de especial nesta “Respiração da Terra”, de Denise Milan?
MARC POTTIER Interessante pergunta. A minha chave de entrada para o Brasil foi Tunga, em 1992. E o que admirei mais na obra do Tunga? Para mim, ele estava mais para um filósofo do que somente para um artista visual. Percebi esta fronteira entre o pensamento e a obra. Neste ponto chego a Denise e o que há de especial nesta exposição. Voltei àquele tipo de situação de uma artista que, sem dúvida, é um artista visual, com uma obra visual, mas é mais do que isto. O ponto de partida é um poema de Denise Milan com o mesmo título da exposição. Estou gostando muito de rever esse tipo de pensamento numa artista que está, ao mesmo tempo, na energia das coisas, no pensamento, e de um poema que está transformando isso em uma exposição de esculturas; portanto, bem física. Acho que, para mim, foi uma coisa decisiva do diálogo que Denise e eu temos sobre essa exposição.

CONTINENTE Esse diálogo começou com o poema? Ou como troca de ideias, o convívio?
MARC POTTIER Tudo nasceu da escultura que estava já, neste jardim, há alguns meses. Certo dia, falei com a Denise: “Temos que retirar a escultura, para dar o espaço a outros artistas.” Mas, em seguida, pensamos que esse Olho que está há meses no jardim está no lugar perfeito para ele, e que retirar essa escultura iria criar uma lacuna. A escultura enamorou-se do lugar, e ficou meio complicado para nós imaginar uma outra obra depois no seu lugar. Denise propôs que, ao invés de retirar a obra, criássemos um projeto novo, e assim a exposição nasceu dessa escultura, para criar um novo caminho no jardim do Rosewood.

CONTINENTE Se fosses participar de um dicionário enciclopédico de arte e a ti coubesse redigir o verbete Denise Milan, como definirias a artista, sinteticamente?
MARC POTTIER É difícil de dizer. Mencionei Tunga, há pouco, e sei que há pessoas que, como ele e Denise, são difíceis de resumir. Para ela, acho que o título da exposição, “Respiração da Terra”, é exatamente isso. Acho que ela faz uma obra de respiração, que vai do infinitamente pequeno ao infinitamente grande.

CONTINENTE Denise Milan é uma artista muito diversificada, sim?
MARC POTTIER É super diversificada. A obra vai da filosofia, poesia, performance, escultura, fotografia. Ela constrói aqui obras que reluzem como ouro em nosso mundo interior. É uma riqueza de dentro. Há várias interpretações. Não precisamos nos limitar a uma só. Gosto disso na arte contemporânea, onde não há o certo e o errado, e sim mil interpretações e experiências. Como a questão do caminho do ouro. O que é o ouro? O nosso tesouro é o ar, a respiração. Porque sem o ar não sobrevivemos, nem sequer existiríamos. Quando a gente pensa em riqueza tem de se lembrar: o que pode haver de melhor para manifestar a riqueza do que a própria vida? Pensamos na força do início da vida e o sentido do ar. Estamos aqui nesta selva, um oásis a duas quadras da avenida Paulista e dos maiores arranha-céus da cidade. E neste oásis temos esculturas que trazem três ou quatro bilhões de anos de histórias contadas pela respiração da Terra. Nós somos a Natureza, ela não é uma abstração para nós. É tudo conectado, uma unidade. Quando há fragmentos, há possibilidades. O ouro é um catalisador. Ele consegue unir os fragmentos.

CONTINENTE Podes nos contar sobre a tua trajetória como curador, e em que momento o Brasil entra na tua vida?
MARC POTTIER A questão da arte foi sempre superimportante na minha educação. Na minha família todo mundo estava interessado na cultura. Por exemplo, o meu pai, foi arquiteto, e meu bisavô, diretor do Louvre. Então, tenho essa herança cultural. Notei, muito rapidamente, que o meu papel no mundo é o de promover os talentos da minha geração. Isso realmente é o que estou gostando de fazer, uma posição minha bem clara. Não sinto nenhuma frustração de não ser artista. Do que realmente gosto é de estar à disposição para promover os talentos da minha geração, um dos papéis mais interessantes de se fazer.

CONTINENTE E o Brasil?
MARC POTTIER Falando do Brasil, eu estava escrevendo um livro em 1992, para falar dos colecionadores que, na sombra, promoviam os artistas da sua geração. Era uma maneira de falar do outro assunto: os que utilizam a arte como especulação para ganhar dinheiro ou como elevador social. Mas eu não queria falar desses, e sim, dos outros que, na sombra, estavam sinceramente apaixonados pela arte contemporânea. Quando iniciei esse livro, um amigo meu me perguntou: “Quem você vai colocar dos países da América Latina?” Na época, 1992, respondi a ele: “Não sei falar português nem espanhol, nunca estive nessa parte do mundo; sinceramente: não sei...”. Ele me deu o contato de um grande colecionador de Buenos Aires: Jorge Helft (ele faleceu neste ano de 2025). Quando cheguei à Argentina, o Jorge Helft me falou: “como você tem um ano sabático para escrever o seu livro, em vez de voltar diretamente em Paris, você deve ir ao Brasil, e eu vou lhe ajudar nisso.” Quando cheguei a São Paulo, pude estar com Adolfo Lerner, José Resende, Leda Catunda. Depois, quando cheguei ao Rio de Janeiro, fui estar com Gilberto Chateaubriand, e, por intermédio dele, muito rapidamente encontrei o Tunga. Foi uma sorte chegar a um país tão genial como o Brasil e, logo de cara, encontrar parte do topo da criação nas artes visuais, porque, além do Tunga, também encontrei Cildo Meireles, Artur Barrio, Lygia Pape.

CONTINENTE Sempre estás, desde então, entre idas e vindas na França e no Brasil?
MARC POTTIER Sim, desde 1992, até agora, em contato constante. De 1998 até 2002, fui adido cultural no Consulado da França, no Rio. Em 2012, Alexandre Allard me convidou para fazermos o livro Made by, feito por brasileiros, onde realizamos 230 entrevistas, uma verdadeira viagem ao mundo da cultura brasileira, com artistas, colecionadores, diretores de instituições culturais, presidentes de bienais. O livro é de 2012, e em 2014, fiz o Invasão Criativa, com mais de cem artistas, no antigo Hospital Matarazzo.

CONTINENTE Fala um pouco sobre o teu trabalho na mídia eletrônica.
MARC POTTIER Depois de fazer a Invasão Criativa em 2014, a exposição com 109 artistas, no ex-Hospital Matarazzo, respirei um pouquinho, realizei diversas entrevistas com os artistas da minha exposição para o canal Arte1. Em seguida, propus realizarmos lá o programa Olhar Estrangeiro, porque eu gostaria de contar do meu Brasil. Funcionou. Fizemos 30 pautas, e cobrimos toda uma primeira temporada. Há segunda temporada que vai sair agora, a partir de 11 de setembro. Na primeira, há uma seleção de lugares de arte do Rio de Janeiro, como o Sítio Burl Marx, a Fundação Bispo do Rosário, a Chácara do Céu. Convidei artistas para fazer um comentário de cada lugar, e funcionou super bem. Durante a pandemia, o Museum TV, que é uma companhia francesa, me ligou e me propôs que eu fizesse uma série de entrevistas de artistas em confinamento, e fizemos. 

CONTINENTE Então, mesmo no tempo da pandemia, não houve espaço vazio na tua agenda brasileira.
MARC POTTIER Muito pelo contrário. Aquele foi um momento super cheio. Trabalhei como um louco, porque, além das entrevistas para o Museum TV, escrevi mais de cem artigos.

CONTINENTE Há também o teu trabalho na Usina de Arte, em Pernambuco, não é mesmo?
MARC POTTIER O início foi assim: li um artigo sobre a obra “Diva”, de Juliana Notari, em 2020, e pensei: “poxa, eles vão sofrer muito, essa obra vai fazer um escândalo mundial”, e decidi ajudar. Escrevi um artigo sobre Juliana Notari. Depois, falei com a Bruna Pessoa de Queiroz, e propus realizarmos um webinar. Como sabemos, durante a pandemia, todo mundo estava online, e nós fizemos online uma visita à Usina de Arte. Depois, já vacinado, pude visitar a Usina, fisicamente. Lá fiquei durante quatro dias. Foi quando o Ricardo Pessoa de Queiroz me convidou para ser o curador. Topei, imediatamente, e entrei nessa aventura maravilhosa. Uma das coisas de que mais gosto na Usina é de que tudo lá é feito pela comunidade. Além disso, há o poder dessa coleção de convidar artistas para mergulhar no que significa uma usina de açúcar e a cultura do Pernambuco. Acho que tem uma lógica sensacional. O meu papel hoje é tentar construir laços com outras instituições. Uma maneira de associar a Usina de Arte com os eventos maiores do país, como a Bienal de São Paulo, e abrirmos um processo de internacionalização.

MARIO HELIO, editor das revistas Continente e Pernambuco 

veja também

Últimos dias de Cosmo/Chão na Oficina Francisco Brennand

"O Ano da Serpente", de Bruno Vilela, é selecionado para o Festival Kinoforum

Cineasta Dea Ferraz inaugura sua primeira videoinstalação no Recife