Marlan Cotrim faz sua primeira individual no Recife
Artista representada pela Amparo 60 apresenta C, mostra que reúne trabalhos inéditos, com curadoria de Ariana Nuala
26 de Novembro de 2025
Obra formada por manto de cerâmica queimada unida por fios de algodão
Foto Robson Lemos/Divulgação
A Galeria Amparo 60 abre, na quinta-feira (27), às 19h, a exposição C, da Marlan Cotrim, com curadoria de Ariana Nuala. A artista, natural de Goiânia, radicada no Recife, apresenta sua primeira individual na cidade com a exibição de 13 trabalhos.
A mostra parte do mergulho da artista em uma nova pesquisa, iniciada em 2024 e que tomou corpo neste ano, na qual utiliza cloro e carvão em tecido de algodão. Essa investigação marca um novo momento no desenvolvimento do trabalho da Marlan, que deixa a tela e passa a trabalhar diretamente com o tecido. “Quando ela começa a juntar tecido preto, cloro e carvão, aparece um tipo de imagem que não vem da pintura tradicional, vem da reação, daquilo que se desfaz e reaparece”, pontua Ariana Nuala.
Segundo a artista, esses materiais chegam juntamente com as primeiras sementes da pesquisa, perguntas sobre processos de apagamento e sobre como inscrever sobre eles. “O cloro veio como lembrança das lavanderias de tecido. Se usa muito cloro para branquear tecidos. Algo que está ligado a diversas violências desde o século XVIII com os processos de alvejar algodão massivamente, poluição de rios, até a relação do uso do carvão mineral como combustível fóssil, acelerando a indústria, a queima e emissão de carbono na atmosfera. O carvão vem como essa matéria cheia de memória que inscreve sobre o apagamento. Devolvendo cor e vingando o algodão de processos anteriores”, detalha Marlan.
Nesse processo, a artista encontrou o conceito de modelo ideal de corpo negro na física. O cloro vai em direção ao branco, o carvão vai em direção a todas as outras cores, já que ele pode ser considerado um tipo aproximado do modelo ideal de corpo negro físico. “Marlan passa a trabalhar com esse corpo que absorve toda a radiação e só devolve luz conforme a temperatura e coloca isso em diálogo com o corpo negro como construção histórica e política. O cloro tem uma história pesada: foi usado para branquear tecido, para impor um padrão de limpeza e pureza que vem junto com colonialismo, higienismo e controle. Na obra dela, esse alvejamento não é limpeza, e sim, fricção. É revelar o que foi apagado”, diz Ariana. O carvão chega como uma matéria negra que não traz apagamento, mas sim potência, que aquece, absorve, reemite. A tensão entre o cloro e carvão, a brancura e calor, abre camadas raciais, históricas e materiais.
Marlan Cotrim começou sua trajetória na dança, aos 9 anos, e o movimento segue sendo algo central na sua produção. Nas suas telas, tremores, desequilíbrios, rastros e borrões vão se apresentando como resultado de um corpo que treme antes de ser traço. Corpografias em trânsito, série em pintura a óleo, já registrava o traço do tremor das travessias, das formas que borram e das qualidades de criar horizontes que se formam e deformam... “Levo essa coreografia para as telas em cloro e carvão, mas aqui esse traço toma outra densidade é como pintar em infravermelho. No cloro é por subtração da cor, é processo de oxidação do pigmento preto do tecido de algodão e isso gera um rasgo visual químico do pigmento”, comenta Marlan.
Para a curadora, o gesto da artista é muito corporal, ela não aplica o cloro de forma técnica, mas com curvas, tremores, um movimento quase dançado, como se o corpo escrevesse a imagem por desvio. “Nos mantos de cerâmica isso fica ainda mais claro: a forma muda conforme o público encosta, move, reorganiza. A obra depende do corpo do outro para existir. Então dança e coreografia não são temas, são modos de fazer”, detalha a curadora falando sobre as esculturas maleáveis que também compõem a exposição.
Essas obras são formadas por mantos de cerâmica queimada em alta temperatura unidos por fios de algodão, são esculturas que não tem sua forma estabelecida. O público é convidado a acionar sua forma, tocar, sentir o peso, ouvir os sons que o esbarrar dos pedaços faz, “é uma escultura que acorda o corpo e tem seu corpo acordado também”, diz Marlan.
“Os mantos cerâmicos pensam o contrário do monumento. Em vez daquela coisa dura, fixa, heroica, ela cria peças que se mexem, se dobram, se articulam. É barro, temperatura, cordões de algodão, tudo junto. Uma escultura que não se fecha: cada toque muda o desenho, cada gesto cria outro som, outra temperatura. Ela funciona como um anti-monumento mesmo: feito para ser ativado, não para ser venerado. É sobre instabilidade, sobre se manter em movimento”, complementa Ariana.
O nome da mostra, que segue em cartaz até 23 de janeiro, surgiu a partir da percepção da artista e da curadora da repetição da letra C como marcador da pesquisa: cloro, carvão, calor, cor, corpo e combustão, tornando-se impossível o desvio deste arco formado por essa letra.
SERVIÇO
C — Marlan Cotrim, com curadoria Ariana Nuala
Onde: Galeria Amparo 60 - No 3º andar da Dona Santa (Rua Professor Eduardo Wanderley
Quando: Abertura, 27 de novembro, 19h. Visitação: Até 23 de janeiro. Segunda a sexta, das 10h às 19h. Sábados das 10h às 15h