Artes Visuais

Crônica de uma exposição (1): beleza mineral

Artista Denise Milan apresenta exposição "Viagem ao centro da Terra", no Farol Santander, em São Paulo

TEXTO Mario Helio

24 de Janeiro de 2025

Foto Mário Hélio

Viagem ao centro da Terra. É o título da exposição da artista Denise Milan no 24º. andar do Farol Santander, em São Paulo. Pode ser vista até 9 de fevereiro próximo. Um deleite de sentidos, e para os sentidos. Cada palavra cumpre e extrapola a promessa, pois provoca um peculiar desejo de entranhar-se nas formas e volumes expostos.

Viagem porque nada aí é estático. O convite ao deslocamento e à surpresa ocorre em todo o percurso. Ora se faz com objetos diretos, ora provocando o olhar do sujeito, para que se acerque mais, faça parte do jogo, e, ao ver, deixe-se levar ao alumbramento.

Centro porque aí reside o ponto de partida e chegada, o enamoramento vital correspondido: as pedras, as rochas, as gemas. Não há necessidade de pensar em esoterismos e simbolismos para entender-se a vinculação dessa arte com as origens, o antes do antes.

Terra porque nela está inteira a poética de Denise Milan. Não há modo mais preciso de conseguir perceber e sentir suas obras senão pensando na poiesis arcaica de muito antes. Ao mesmo tempo, e de modo quase paradoxal, nada tão contemporâneo. A curadoria de Marcello Dantas torna isso ainda mais nítido.

A viagem ao centro da Terra é, na verdade, um encontro com a imanência, uma lição-aprendizagem da vida. Porque na sintaxe mineral de Denise Milan há ideogramas e alfabetos animais e vegetais. Ora inscritos, por obra da natureza; ora escritos, por sua in(ter)venção humana.

Seja como, a viagem do título da mostra não se limita, de modo algum, a percorrer, corresponde a sentir. Olhar, observar, perscrutar, contemplar. Tantos são os verbos dessa gramática amorosa dedicada a coligir as construções naturais. Daí o gosto pelos quartzos, cristais, luminescências e franjas noturnas, profundamente como as de oceanos e do orbe celeste.

Tudo isto notado na exposição olho a olho confirma-se na conversa com a artista. Se os poetas são antenas, como queria Ezra Pound, é  poeta assim também Denise Milan. “A pedra fala, eu escuto”, ela nos diz. Enquanto nos revela obras inéditas – como uma Quartzoteca – e enquanto nos conta de trabalhos anteriores, como uma ópera de pedra.

Ela nos fala da lógica da natureza. Do caos à ordem.  Drama da matéria, seu to be or not to be. Efervescências e calmas. De como a geometria pode ser imprevisível. De como tem cada uma narrativa própria. São suas ‘irmãs’, fabulosas fabuladoras, daí que afirme, convicta: “Não coleciono pedras, coleciono histórias”.

Há uma alegria trágica ou uma tragédia feliz nessas obras de arte irmãs dos recifes e das estrelas.  Uma beleza mineral, que convida à viagem não simplesmente ao centro, ao dentro da Terra, e de cada um de (seus) nós.

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