Artes Visuais

Crítica de arte britânica não poupa pintores do modernismo brasileiro

Exposição coletiva de artistas brasileiros na Royal Academy de Londres sofreu severas críticas de Laura Cumming, que viu na mostra "pastiche do modernismo europeu"

TEXTO José Teles

28 de Fevereiro de 2025

Um dos alvos da crítica Laura Cumming na exposição recente em Londres, a brasileira Anita Malfatti (foto) foi vítima de um ataque do conterrâneo Monteiro Lobato, há mais de um século

Um dos alvos da crítica Laura Cumming na exposição recente em Londres, a brasileira Anita Malfatti (foto) foi vítima de um ataque do conterrâneo Monteiro Lobato, há mais de um século

Foto Divulgação

A critica inglesa de arte Laura Cumming escapa de ser bombardeada por mensagens de ódio enviadas do Brasil, porque quase ninguém lê mais jornais no país. Muito menos os britânicos. Laura escreveu sobre uma exposição coletiva de artistas brasileiros, boa parte do modernismo, na Royal Academy, em Londres. Ela poupou pouca gente. Baixou o sarrafo em nomes consagrados como Anita Mafaltti, Lasar Segall ou Tarsila do Amaral, cujas telas adjetiva de derivativas e até horrorosas. Resume o que viu de "pastiche do modernismo europeu". Pior ainda é a chamada da crítica: "desconcertante charco de mediocridade”.

Da exposição, Laura só livra a cara de Rubem  Valentim, derramando-se em elogios ao pouco lembrado pintor e escultor baiano, ironicamente nascido em 1922. Mas sente-se no texto que ela está mais a par da vanguarda das artes plásticas brasileiras nos anos 60, do que da geração que fez a Semana de 22. Sobre Anita Mafaltti o que está na resenha:

“Anita Malfatti foi uma artista pioneira cuja pintura moderna chocou o establishment brasileiro, ressalta um enorme texto na parede, muito maior do que suas telas. Eles devem ser facilmente chocáveis. A pintura de Mafaltti que data da primeira Guerra Mundial, inclui estudos cubistas de nus, retratos fauvistas, e paisagens expressionistas. Antes de 1914 ela estudou arte na Alemanha, e sua pintura tem a ver com o que ela viu e aprendeu. É boa, mas nem original nem revolucionária”. Em seguida, aponta que a exposição modernista brasileira ressente-se de obras de Hélio Oiticica Lygia Clark ou de Beatriz Milhazes.   

POLÊMICA

Não apenas o establishment se chocou ao ser apresentado à arte moderna de artistas brasileiros, quase todos os compatriotas se chocaram. Laura Cumming parece ter se esquecido que a exposição de Anitta Mafaltti, de 1917, em São Paulo, aconteceu há 108 anos. Obviamente causou polêmica, a ponto de, involuntariamente, ter provocado a Semana de 22. O estopim foi um artigo de Monteiro Lobato, em O Estado de São Paulo, com o título de "A propósito da exposição de Anita Malfatti", embora seja conhecido como Paranóia ou Mistificação.

Lobato pensa como a crítica inglesa que a artista emula o cubismo, futurismo, impressionismo, os quais ele considera caricaturais. E Monteiro Lobato elogia o talento de Anitta Malfatti, não perdoa é ela se deixar levar pelas então novas tendências da pintura européia. Uma analogia que fez, indignou os praticantes e apologistas do modernismo:

“Embora eles se deem como novos precursores duma arte a ir, nada é mais velho do que a arte anormal, ou teratológica: nasceu com a paranóia e a mistificação. De há muitos anos já que a estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranha psicoses”

Nos anos 20, a arte moderna, incluindo também a música e a literatura, era alvo de chacotas como o fez Carlos de Laet, num poema com alvo certo e sabida, o modernista Graça Aranha, em Soneto Futurista: “Noite. Calor. Concerto nos telhados/cubos esferoidais. Gatas e gatos. Vênus. Graça. Aranhas. Carrapatos. Melindrosas. Poetas assanhados (...)".

Quatro décadas mais tarde, o modernismo ainda era alvo de críticas, pelos que preferiam a pintura figurativa. O teatrólogo e professor de estética Ariano Suassuna, em artigo de meados dos anos 60, escreveu sobre o tema, em artigo publicado no Jornal do Commercio. Refutava os que o tachavam de reacionário, ou que pensava igual aos acadêmicos em relação à arte moderna:

“Tenho duas frente de luta e convicção neste campo: uma ao lado dos figurativistas, contra o abstracionismo; e outra na qual considero toda a arte, toda a cultura contemporânea como decadente. Entre Picasso, Mondrian ou Klee fico com Picasso na primeira frente; entre Cranach e Picasso, fico com Cranach na segunda. A suposta identidade entre as minhas ideias e as dos acadêmicos só pode partir, pois, de um equívoco (...)”.

Curioso é a imprensa patrícia ignorar a devastadora resenha de Laura Cumming, que suscitaria um debate sobre as artes plásticas brasileiras. Fosse o texto favorável, certamente haveria laivos de ufanismo.  Assim como acontece agora com o filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, por sinal, tratado nas matérias como se fosse coadjuvante de Fernanda Torres.

 

 

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