Artes Visuais

A guardiã de tesouros Tânia de Maya

Alagoana se tornou uma das pintoras mais notáveis da arte naïf do país e colecionadora de arte popular

Lady Lima

21 de Fevereiro de 2025

Foto Divulgação

A artista alagoana Tânia de Maya Pedrosa é considerada uma das principais expoentes da arte naïf brasileira, um estilo caracterizado pela espontaneidade e simplicidade. Natural de Maceió, Alagoas, ela nasceu em 27 de outubro de 1933 e, ao longo da vida, se destacou como pintora, escritora, curadora e colecionadora de arte popular. Sua trajetória artística é marcada não apenas por suas obras, mas também pela dedicação em promover e preservar a arte e a cultura, especialmente de Alagoas.

Tânia foi influenciada por uma educação familiar que valorizava a cultura e as artes. Filha do empresário e ambientalista Paulo de Ramalho Pedrosa e da professora de piano clássico Benita Mathilde de Maya Pedrosa, a artista, desde jovem, demostrou interesse por diferentes formas de expressão artística, transitando pela literatura, moda e pintura.

Ela casou-se cedo e teve dois filhos, Maurício e Sérgio Moreira. Após a separação, buscou novos caminhos, ingressou no curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas, onde concluiu em 1978 e, pouco tempo depois, foi ao Rio de Janeiro fazer uma pós-graduação na área. Acabou não exercendo a advocacia.

Nesse período, durante as viagens ao Rio de Janeiro, surgiu o interesse pela crítica de arte e passou a estudar diversos cursos na área de literatura e arte popular. A amizade próxima ao casal Aurélio Buarque de Holanda e Marina Baird foi fundamental, pois proporcionou à artista oportunidades valiosas de se envolver com exposições e ampliar seu conhecimento em arte.

Nos anos 1980, em uma viagem à Suíça, foi um momento de grande revelação, onde visitou museus e galerias de arte e percebeu a sua verdadeira vocação. A partir daí, ela começou sua coleção de arte popular, viajou por várias regiões do Brasil, especialmente pelo Sertão de Alagoas e Pernambuco, para adquirir obras de artistas renomados e anônimos.

Tânia também teve uma vida marcada por sua amizade com nomes ilustres da literatura, das artes plásticas, do cinema e da moda, como Aurélio Buarque de Holanda, Ledo Ivo, Roberto Burle Marx e Fernando Lopes, além de críticos de arte renomados como Laurent Danshin e Ceres Franco.

Entre 1994 e 2004, lançou livros fundamentais sobre a arte de Alagoas, contribuindo para o reconhecimento e valorização da arte popular da região. Foi premiada pelo Museu Internacional de Arte Naïf, e seguiu com diversos prêmios e exposições importantes ao longo dos anos.

O reconhecimento pelo seu trabalho, veio em 1998, com o Prêmio Aquisição, da Bienal Naïfs do Brasil, pelo SESC São Paulo. Em 2000, recebeu o Prêmio Destaque, e em 2006, mais uma vez, o Prêmio Aquisição. Foi agraciada também com a Ordem do Mérito das Artes Plásticas de São Paulo em 2008 e 2012. Sua obra também recebeu uma Menção Especial na edição de 2014 da mesma bienal.

A artista foi reconhecida não apenas pelo seu talento artístico, mas também pela sua atuação como curadora e colecionadora de arte popular. Sua coleção é amplamente respeitada por críticos de arte, galeristas e museólogos. Ela esteve envolvida em importantes eventos nacionais e internacionais, como os Festivais de Cinema de Penedo e bienais de arte, tanto no Brasil quanto na Europa.

Durante suas andanças, ela formou uma das maiores e mais relevantes coleções de arte popular alagoana e nordestina, com acervo de mais de 1.500 peças. A frase de Ledo Ivo, que chama Tânia de Maya Pedrosa de "guardiã de tesouros", reflete a importância dessa coleção na preservação e promoção da arte popular brasileira, especialmente a que surge das influências culturais do Nordeste, o que contribui para a valorização e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Em 2013, a artista cedeu, gratuitamente, em comodato, 372 peças do seu acervo à Casa do Patrimônio de Maceió, sob a gestão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com o título da coleção A invenção da Terra, um acervo significativo da arte popular brasileira, evidenciando a diversidade e a riqueza cultural do Brasil, com um foco particular nas manifestações artísticas do Nordeste.

A coleção é composta por obras de artistas renomados como João das Alagoas e Sil da Capela, além de artesãos da Ilha do Ferro, um povoado famoso por sua produção artística e inserido no contexto mais amplo da arte popular nordestina. A visitação é gratuita e permite que seja uma experiência rica e educativa.

A arte naïf da artista é caracterizada pela ausência de técnicas convencionais, como a perspectiva, e pela simplificação dos elementos. Sua pintura é marcada por um universo onírico, repleto de simbolismos e expressões da vida cotidiana. Ela mesma define seu trabalho como "escrever com os pincéis", criando uma memória visual da paisagem e dos costumes populares brasileiros.

Tânia realmente mergulha nas ricas tradições e na cultura do Nordeste brasileiro, trazendo à tona as histórias e a sabedoria dos mestres da oralidade, como seu Fernando Rodrigues. A influência de figuras como ele e a exploração do "Brasil profundo" de Ariano Suassuna são fundamentais para sua criação.

Sua obra preserva o registro de festas populares, religiosidade e modos de vida rurais que estão lentamente desaparecendo com o avanço da modernidade. A crítica de arte e escritora francesa Jeanine Rivais descreve a obra de Tânia como "intensamente espiritual, calorosa, pessoal", e a considera um precioso testemunho etnográfico da vida cultural no Brasil.

Aos 91 anos, Tânia de Maya Pedrosa continua a ser uma das figuras mais influentes da arte naïf no Brasil, com uma carreira que transcende décadas e gerações, sempre enriquecendo o cenário artístico nacional e internacional. Seu trabalho não é apenas uma expressão estética, mas também um meio de preservação de uma tradição e de uma história que está em constante transformação.

LADY LIMA, jornalista.

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