Artes Cênicas

'A voz do silêncio' busca a dimensão filosófica e humanista de Helena Blavatsky

11 de Agosto de 2025

Foto Jow Coutinho/Divulgação

No último domingo, 11, o diretor Luiz Antônio Rocha recebeu convidados e a imprensa no foyer do Teatro Luiz Mendonça, no espaço cultural Dona Lindu, com capacidade para 547 lugares, quase todos ocupados para a encenação de A voz do silêncio, com Beth Zalcman. Começamos nossa conversa ali no hall. Espichamos um pouco mais, depois do espetáculo. Ele deveria estar em um voo às 2h45 até Guarulhos. Faria o resto do trajeto de carro, até Minas Gerais. Era improvável que eu tivesse a entrevista inteira respondida. Contudo, às 2h07 minutos, a entrevista chegou por mensagens, não como fenômeno paranormal, ao modo da Blavatsky. Mas pelo aplicativo. Não sei se a Madame interviu. Ou é a mágica que ocorre à gente apaixonada pelo teatro.

O que motivou a trazer Helena Blavatsky para o palco, e por que agora?
Conheci Helena Blavatsky aos 30 anos, por indicação da minha terapeuta, e desde então sonhava em levá-la para o palco. Hoje tenho 58, e só em 2019 conseguimos estrear, no Cine Teatro São Luiz, em Fortaleza. Sempre acreditei que cada projeto tem seu tempo de maturação: alguns surgem rápido, outros precisam de um longo processo até se materializarem. No caso de Helena Blavatsky, a voz do silêncio, foram cerca de 25 anos até se tornar realidade.

Após a estreia, veio a pandemia — tínhamos feito apenas uma única apresentação. Decidimos não parar e levamos a peça para o formato online. Montamos o cenário na sala da Beth Zalcman e fizemos três temporadas virtuais, com 12 apresentações cada, recebendo cerca de 600 pessoas por sessão, do mundo inteiro. Foi uma experiência única e transformadora.

Dizer, em plena pandemia, palavras de Blavatsky como “Nada pode afetar uma nação ou um homem sem que afete todas as nações e todos os outros homens” tinha uma força indescritível. Era como se o pensamento dela ganhasse ainda mais atualidade e urgência naquele momento.

Como foi o processo de transformar uma figura tão complexa e controversa em personagem teatral?
A maior dificuldade foi encontrar alguém que pudesse escrever um texto belo e consistente, com profundo conhecimento sobre a personagem. Um dia me enviaram uma palestra da professora Lúcia Helena Galvão sobre A voz do silêncio. Fiquei encantado e tive certeza de que ela era a pessoa certa para escrever a peça. Durante todo o processo, aprendemos muito com ela.

O ponto central foi desmistificar a imagem superficial de Blavatsky, vista apenas como uma “grande bruxa” dotada de fenômenos paranormais — visão que, confesso, eu e a própria atriz também tínhamos. A professora Lúcia desmontou esse arquétipo e nos revelou uma Blavatsky muito mais profunda: uma grande pensadora filosófica.

A dramaturgia foi construída a partir do texto dela, unindo-se à técnica teatral psicofísica do diretor russo Michael Chekhov, que nos ajudou a encontrar o corpo da personagem e criar todas as cenas. O processo criativo é sempre intenso: dolorido e prazeroso ao mesmo tempo. Começamos do vazio, e é o corpo da personagem — quando finalmente se manifesta — que conduz todo o resto da montagem.

O título “A voz do silêncio” sugere um paradoxo. Como essa ideia se traduz na encenação?
O título vem de um dos principais livros de Helena Blavatsky, mas também expressa a essência do espetáculo: a capacidade de ouvir aquilo que está além do som — a voz da consciência, da intuição, da sabedoria interior.

Na encenação, esse paradoxo se revela em dois planos: no texto, que traz reflexões profundas, e na forma, que valoriza pausas, gestos e silêncios tanto quanto as palavras. O silêncio, no palco, não é ausência, mas presença. Ele cria espaço para que o público escute a si mesmo e perceba que, muitas vezes, as maiores verdades não estão no que é dito, mas no que é sentido.

Trabalhamos a luz de forma ser um portal para que o público pudesse entrar em outra dimensão. Tenho em todas as minhas peças o sagrado como fio condutor.

Quais aspectos da vida de Blavatsky você decidiu enfatizar. Quais optou por deixar nas sombras?
Escolhemos enfatizar a dimensão filosófica e humanista de Helena Blavatsky — sua busca incessante pelo conhecimento, o diálogo entre culturas, a defesa de uma fraternidade universal e a coragem de desafiar dogmas e preconceitos do seu tempo.

Optamos por deixar em segundo plano a parte sensacionalista de sua biografia, ligada a fenômenos paranormais e polêmicas pessoais, porque isso costuma reduzir sua imagem a um estereótipo. Nosso foco foi mostrar a mulher pensadora, questionadora e visionária, e não apenas a figura mítica ou controversa que muitos conhecem.

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