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Versão “quadrada” para os beatniks

Novela gráfica homenageia, de modo convencional, ícones da contracultura que revolucionaram a literatura norte-americana

TEXTO Danielle Romani

01 de Outubro de 2011

Imagem Reprodução

O romance gráfico Os beats – Uma graphic history é um tributo a uma geração de escritores que virou mito, revolucionou a literatura norte-americana e foi uma das principais responsáveis pela eclosão da contracultura na década de 1960. Assinado por vários desenhistas e roteiristas, entre eles o ícone dos quadrinhos Harvey Pekar, a novela gráfica é o que se pode classificar como um trabalho que vai a fundo na vida dos protagonistas da beat generation, e que atende bem às expectativas dos que querem conhecer melhor a trajetória desses escritores e poetas. Mas guarda contradições. Se, por um lado, aplaca a curiosidade dos que amam a literatura e buscam informações detalhadas sobre o período, por outro, deixa na mão os que prezam pela narrativa criativa, rápida, original das modernas histórias em quadrinhos. Ainda mais quando o tema em questão são os beatniks.

O nó que engessa a graphic history – também conhecido como romance gráfico – se deve, principalmente, aos roteiros, extremamente lineares e demasiadamente cronológicos, que podem ser descritos como “enciclopédicos” demais, bem distantes da poesia e do anticonvencionalismo esperado de uma história que tem como cerne os artistas mais inquietos e pirados das últimas décadas.

A impressão que temos é de que havia material em excesso e espaço de menos para contar a trajetória de escritores como Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs, apontados como os principais expoentes do movimento literário, cuja influência foi tão forte, que deflagrou uma mudança nos costumes. Ou que faltou empenho em juntar todas as informações de forma criativa, dando mais leveza e menos obviedade à narrativa.

Os roteiros de Harvey Pekar – celebrizado por obras como Bob e Harry, em parceria com Robert Crumb –, apesar de repletos de informações importantes para pesquisadores do gênero, carecem de emoção, de vigor, de vida. Aliás, os roteiristas secundários, que assinam biografias de autores menos emblemáticos – além do perfil das mulheres que participaram do movimento – se saem bem melhor que o mestre Pekar. Autores como Nancy J. Peters e Penelope Rosemont conseguem mais agilidade e vivacidade ao retratar seus biografados. Têm mais ritmo, mais entusiasmo.

Apesar das ressalvas, a graphic Os beats tem pontos fortes, e merece figurar na estante dos aficionados pelo movimento. Os desenhos – na sua grande maioria executados por Ed Piskor – têm personalidade e flagram a atmosfera tensa, e muitas vezes deprimente, que permeava a vida desses homens que lutaram para serem reconhecidos. E que viveram conflitos contra as drogas, a miséria, a criminalidade e as paixões desmesuradas.

Durante a leitura dos vários perfis e biografias que pontuam o livro, o leitor vai conhecendo mais a fundo as personalidades de seus ídolos, cujos comportamentos e atitudes, muitas vezes, estão bem distante do que idealizamos. No livro, poderá ser descoberto um Kerouac machista, racista e preconceituoso. Um Burroughs trapaceiro, amargo e pouco ético. A exceção fica por conta de Ginsberg, cujas posturas políticas e pessoais o habilitaram a ser um dos gurus da contracultura dos anos 1960.

Outro destaque é o capítulo reservado às mulheres. Escritoras como Diane di Prima, Hettie Cohen e Elise Cowann, absolutamente desconhecidas dos brasileiros, têm seus perfis retratados e suas histórias registradas. Elas, conforme poderá comprovar o leitor, eram discriminadas e consideradas artistas de segunda classe pelos próprios companheiros do movimento.

A grande quantidade de informações e a divulgação do perfil de outros integrantes da beat generation, a exemplo de Lawrence Ferlinghetti, Carl Solomon, Charles Olson, Leroy Jones e Neil Cassidy, só para citar alguns, é um “extra” que torna o trabalho particularmente interessante para colecionadores e pesquisadores. O livro flagra, inclusive, episódios e locais emblemáticos do movimento, a exemplo da livraria City Lights, em San Francisco, na qual tudo começou, e que hoje se transformou em ícone e ponto turístico do movimento beatnik

DANIELLE ROMANI, repórter especial da revista Continente.

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