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Um mapeamento dos escultores do estado

Livro 'Nova fase da lua' ganha edição de luxo, dando voz a 85 artistas de 13 municípios pernambucanos, que falam sobre sua vida e obra

TEXTO Mariana Oliveira

01 de Maio de 2014

Marcos de Nuca segue a tradição de esculpir leões iniciada por seu pai

Marcos de Nuca segue a tradição de esculpir leões iniciada por seu pai

Foto Francisco Moreira da Costa

Em 1975, o artista pernambucano Nhô Caboclo usou a expressão “reinado da lua” para designar o universo do artista popular. À época, as pesquisadoras Sílvia Rodrigues, Maria Letícia Duarte e Flávia Martins utilizaram o termo para dar título ao livro O reinado da lua – escultores populares do Nordeste, cujo objetivo era documentar a realidade (estilo de vida, formação, criação e produção) dos escultores populares brasileiros. Nhô Caboclo, falecido em 1976, foi um dos personagens ouvidos.

O sucesso dessa publicação, que chegou à quarta edição em 2010, despertou em Flávia Martins o desejo de retomar a pesquisa, de revisitar os escultores populares, num contexto distinto daquele encontrado na década de 1970. Ela se juntou a Rogério Luz e Pedro Belchior numa nova empreitada, cujos focos passaram a ser os escultores pernambucanos e as suas realidades no século 21. Nova fase da lua – escultores populares de Pernambuco foi lançado em 2012, num projeto da empresa OAS, e, agora, chega à sua segunda edição – com o mesmo conteúdo e projeto gráfico –, com o apoio do Funcultura.

Os pesquisadores – juntamente com o fotógrafo Francisco Moreira da Costa – visitaram 13 municípios do estado e conversaram com 85 artistas de todas as regiões, com o objetivo de fazer o mapeamento da escultura popular local. A escolha dos personagens tomou como critério sua representatividade e prestígio nas próprias comunidades, nos meios institucionais e no circuito artístico. No livro, eles aparecem catalogados por região: Metrópole, Mata, Agreste e Sertão.


A obra do avô serve de inspiração para as criações de Vitalino Neto.
Foto: Francisco Moreira da Costa

Nas entrevistas, o trio teve como base um roteiro de tópicos a serem tratados, como conceituação do trabalho artístico, trajetória de vida e da arte, relação com os outros artistas, difusão e comercialização das peças, e processos de trabalho. Os encontros foram gravados em áudio e, a partir desse material, foi feito um texto para cada escultor, intercalado por suas falas. “O dono da voz é o artista, seus depoimentos são o âmago do livro”, pontua Flávia Martins. Ela lembra, ainda, que a proposta da obra não é fazer uma tipologia dos estilos encontrados. Contudo o leitor perceberá certas semelhanças entre os artistas de uma determinada região e/ou cidade. A exceção fica com os artistas da metrópole, que, devido às múltiplas influências, têm produções mais diferenciadas entre si, seja na técnica ou no material utilizado.

PROTAGONISTAS
Na leitura, percebem-se alguns pontos em comum entre a maioria dos escultores, sejam eles da cidade ou do interior. As memórias de infância narram histórias dos primeiros objetos moldados, no barro ou na madeira, para brincadeiras e também para ajudar na produção dos familiares. Fica muito clara a ligação da escultura popular pernambucana com o entorno familiar, com o contato com gerações anteriores que passam os ensinamentos dessas técnicas aos jovens. Em Caruaru, todos os escultores com os quais os pesquisadores conversaram eram ligados às famílias dos mestres Vitalino, Zé Caboclo, Manuel Eudócio, Luiz Antonio, Manuel Galdino.

Nas outras regiões, essa tradição familiar também é perpetuada. É o caso de Maria Amélia, escultora de Tracunhaém que, aos 89 anos, encontrou no filho Ricardo um parceiro para o seu trabalho com o barro, ou mesmo de Nuca e seu filho Marcos, no mesmo município, e também de Biu dos Anjos e seu filho Tiago, em Petrolina.


A influência de Nhô Caboclo na obra de Zé Alves de Olinda fica clara em peças como Navio. Foto: Francisco Moreira da Costa

Ao mesmo tempo em que seguem as influências dos mestres, esses discípulos, cujos vínculos nem sempre são sanguíneos, têm procurado um estilo próprio. “Soma-se a essa segunda geração gente que não contou com nenhuma tradição familiar expressiva, mas chega à atividade por influência de fatores relacionados à própria expansão do ofício: possibilidades de realização pessoal e de ganho abertas pelas novas condições econômicas da criação de arte e de artesanato na região”, pontuam os autores na introdução do livro.

Pelos depoimentos, algumas mudanças importantes são percebidas, como uma maior consciência por parte dos escultores da importância dos seus trabalhos, a ideia de preservação do patrimônio cultural, bem como a necessidade de impor um estilo, uma marca aos seus trabalhos. Nesse sentido, os próprios artistas têm se organizado para criar memoriais, casas de arte e projetos diversos que possam ajudar na preservação e valorização dos seus trabalhos.

Os pesquisadores constataram também que, hoje, existe um investimento em duas linhas de produção. A primeira, de peça única, feita à mão, dirigida a um segmento de apreciadores e críticos; a segunda, de peças feitas em série, em grandes quantidades, com etapas terceirizadas, vários auxiliares e uso de máquinas, destinadas a um público de gosto popular, com retorno financeiro imediato. Não é necessário voltar ao livro O reinado da lua – escultores populares do Nordeste para entender que, apesar de manter uma forte tradição, o universo dos escultores populares está mudando, reinventando-se diante das exigências. 

MARIANA OLIVEIRA, editora-assistente da revista Continente.

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