Filho de um senhor de engenho de Palmares, Pernambuco, Hermilo se mudou para Recife na adolescência após a falência de sua família. Na vida adulta, carregava consigo a contradição do passado aristocrático e um presente que buscava desligar-se dele. “Queríamos pôr em cena essa contradição entre o aristocrata e o homem do povo, trazer à tona essa característica de Hermilo com imagens dele, mas ressignificando a sua história. Acabamos criando um personagem dele nos vídeos para contracenar com a dança. Usamos imagens de cineastas do cinema experimental Found Footage e comecei a desenvolver uma narrativa visual de como teria sido a infância de Hermilo”, conta Leandro.
Numa das cenas, as bailarinas manipulam tábuas de madeira. Ao mesmo tempo, são projetadas em vídeo várias imagens de mulheres famosas da história do cinema experimental mundial. “Imagens conhecidas do cinema para falar sobre as mulheres, o trabalho delas, criando a ideia ficcional de colocarmos Hermilo naquele universo feminino. Colocamos um monte de mulheres e o Hermilo criança, crescendo, no teatro”, explica Flávia.
PROJETO
Idealizado pelo produtor cultural e artista Arnaldo Siqueira, em 2002, o projeto O Solo do Outro é voltado para o diálogo e o intercâmbio da criação artística, juntando artistas com percursos e formações distintos num mesmo local, e propondo uma provocação para tirá-los de uma zona de conforto: “Comecei a perceber que no Recife, e não apenas no Recife, o diálogo sobre criação artística é um pouco engessado. No Brasil, há bons artistas, mas pouco diálogo sobre o processo de criação. São vários nichos, mas pouco intercâmbio de ideias”, opina Arnaldo.
O modelo do projeto, realizado desde a sua criação no Centro Cultural Apolo Hermilo, através da Prefeitura do Recife, foi inspirado nas residências artísticas muito comuns nas artes plásticas, em que vários artistas/criadores ocupam um mesmo local durante um período de tempo e convivem lado a lado. “O segundo ponto foi, justamente, colocar os artistas em contato uns com os outros e também com alunos e o público interessado, juntar opiniões bem diferentes sobre o fazer artístico e colocá-las como em atrito, conflito de estéticas e poéticas, apostando num resultado a partir desse cruzamento, já que nas artes cênicas existe mais tensão nas relações do que ações complementares”, continua.
A atual coordenação do projeto é de Carlos Carvalho, diretor do teatro Hermilo Borba Filho e um estudioso da obra do escritor. A proposta do atual edital é levar Hermilo para a dança. “Carlos veio com a ideia, escolheu quatro contos do escritor e me consultou. Eu disse que o desafio seria bom, já que Hermilo era dramaturgo e teórico do teatro, mas não chegou a trabalhar com dança. A gente anteviu que poderia ter substância ali, ser um bom substrato para a criação”, revela Arnaldo.
GUILHERME NOVELLI, jornalista e antropológo, colabora para revistas culturais e científicas.