CONTINENTE Como e por que você inventou The Adipositivity Project? O que a levou a pensar na arte como uma ferramenta para combater a gordofobia?
SUBSTANTIA JONES A ideia veio da observação de que as pessoas tendem a prestar mais atenção e de maneira mais favorável àquilo que elas acham esteticamente agradável. Eu também havia percebido que as nossas definições pessoais do que nos agrada esteticamente podem ser mudadas com a repetição de uma exposição positiva. Depois me ocorreu que eu poderia aplicar essa teoria às políticas do corpo. Desde então, aprendi que subverter a fotografia, a mesma ferramenta mais comumente utilizada para incitar a gordofobia, é eficaz não somente para contra-atacar, mas também para criar visibilidade para as pessoas gordas. Para as populações marginalizadas, visibilidade é vital. Sou uma mulher gorda. A missão, em princípio, era pessoal. Mas, quanto mais eu me aprofundei, maior a carência que encontrei. Hoje, quando rememoro meus pensamentos e objetivos ao lançar o projeto oito anos atrás, eu os vejo como ingenuamente grandiosos e como uma subestimação do seu impacto possível. Arte, nudez e humor são, na minha opinião, as melhores plataformas para se combater a intolerância. Eu considero The Adipositivity Project parte gordura, parte feminismo e parte “foda-se”.
CONTINENTE As fotografias do The Adipositivity Project mostram mulheres que parecem destemidas, ousadas, íntegras. Você poderia nos contar um pouco de como chega até elas? Quais são as primeiras reações ou pensamentos mais comuns que demonstram?
SUBSTANTIA JONES A maioria das adiposers me procura, pedindo para posar para o projeto. Em seguida, eu logo me certifico de que elas compreendem que a internet é eterna. Depois, elas são instadas a ler uma lista de notas preparatórias para a sessão de fotos, e aí decidem quais são seus limites com relação à nudez e a marcadores de identificação. Quando nós nos encontramos, algumas estão excitadíssimas, outras estão bem preocupadas. A maioria está em algum lugar entre esses dois estados. Gosto de pensar que faço um minucioso trabalho de explicar todo o processo – isso inclui lhes dizer o que esperar tanto durante como depois da sessão de fotos, que geralmente acarreta algum tipo de ridicularização pública. Eu quero que elas cheguem informadas e preparadas para todos os resultados. Algumas são mais lentas para se abrir, mas, normalmente, quando chega o final, já estamos compartilhando risadas. Quando suas primeiras imagens são postadas no site, frequentemente elas estão nervosas e ansiosas. Muitas me dizem, depois, que aquilo mudou o direcionamento de sua aceitação sobre o próprio corpo. Isso me deixa feliz.
CONTINENTE E como se relaciona com as histórias que cada uma delas lhe conta nessa interação? De alguma forma, você as traz para aquela fotografia?
SUBSTANTIA JONES Às vezes, a pedido, eu incorporo nas fotos algumas representações tangíveis dos julgamentos que a adiposer teve que superar até chegar nesse lugar de paz (ou ao menos próximo disso). Uma frigideira de aço que pôs fim a anos de abuso doméstico. A bolsa que representava um objeto inatingível para uma mãe que morreu devido a complicações de cirurgia para perda de peso. Um colar que outrora fora usado como prêmio por um pai que envergonhava sua filha mandando-a perder peso, mas que se recusou a dar o colar, e aparentemente seu amor também, até que fosse tarde demais para ambos. As histórias das adiposers me dão gás, assim como os milhares de relatos que já ouvi de gente que me escreve, mas que não tem como ir a Nova York para uma sessão de fotos. Sou muito grata a todas elas.
CONTINENTE Existiram ou existem artistas que você considera ícones ou referências para esse trabalho? Algum fotógrafo a lhe inspirar?
SUBSTANTIA JONES A fotógrafa norte-americana Sally Mann é uma das duas únicas pessoas para quem já escrevi uma carta de fã (nos tempos pré-Twitter). Sua arte cheia de alma e o uso da luz natural me influenciaram demais. Também devo muito a artistas que foram meus curadores nos museus, galerias e exposições de arte, que lançaram meu trabalho ao público lá atrás, nos anos 1980 e 1990, entre os quais Faith Ringgold, a quem tive o prazer de agradecer pessoalmente. Não sei se algum deles já fotografou a nudez de pessoas gordas, mas décadas atrás achei um livro de fotografias de Laurie Toby Edison. Além das imagens ocasionais e repletas de texturas de Charles Gatewood, Irving Penn e um punhado de outros, Women en Large, de Edison, era o único do gênero que eu havia visto, e assim continuou até quando eu levei o The Adipositivity Project para a internet em junho de 2007. Patricia Schwarz estava fotografando nus gordos antes de eu começar, mas só vi seu trabalho alguns anos atrás. Seis meses após meu website estrear, Leonard Nimoy lançou The Full Body Project, uma compilação de suas fotografias de mulheres gordas, também nuas ou em quase nudez. Foi de grande ajuda para silenciar meus detratores, pelo menos por enquanto. Todos esses artistas me influenciaram e formaram não somente a mim, mas a grupos de fotógrafos com pensamentos similares, que, desde então, criaram reluzentes faróis de aceitação do corpo na internet e em outros lugares. A eles, muita gratidão.
CONTINENTE Vivemos em um mundo que praticamente esfrega na nossa face: “não seja gordo, seja esguio, seja esbelto, vá correr, alimente-se com comida diet, faça exercícios”. A gordofobia está realmente ao nosso redor? Como você analisa essa inserção na sociedade atual?
SUBSTANTIA JONES A gordofobia está, de fato, ao nosso redor. Muito dela é grande e aberto (ameaças violentas, ridicularização pública, discriminação institucional legalizada), mas há muito escondido em formas mais sutis de sizeism (“tamanhismo”, em uma tradução livre): pequenas agressões, preconceito interno e nomenclaturas depreciativas. Acredito que muito do sizeism vem de uma combinação bizarra de medo e ignorância, impulsionada pela desinformação disseminada pela indústria da perda de peso, que vale muitos bilhões de dólares. Muito dinheiro é gasto para tentar nos convencer de que as pessoas gordas são custosas para famílias inocentes e não merecedoras de direitos iguais. Muitas pessoas falham ao tentar exercitar um pensamento crítico ao consumir qualquer tipo de informação, e, assim, simplesmente acreditam em qualquer coisa que vejam impressas num jornal ou revista. Aqueles de nós que lutam contra a propaganda e o preconceito não possuem o megaorçamento que a indústria diet tem. Aliás, muitos de nós não têm nenhum tipo de orçamento. Às vezes, parece David versus Golias, mas, pelo menos, estamos fazendo a diferença.
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