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“Pode-se pensar que a segurança leve ao tédio”

Mesmo morando em Nova York, o jornalista Arnon Grunberg é o principal nome da nova literatura holandesa

TEXTO Ronaldo Bressane

01 de Novembro de 2015

Arnon Grunberg

Arnon Grunberg

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "Leitura" | ed. 179 | 

Além da escrita implacável
, que encadeia de modo sagaz cada frase na direção da seguinte, a narrativa de Tirza, romance de 2006 de Arnon Grunberg, trata de temas problemáticos da atualidade: colonialismo, crise conjugal, hiato entre gerações, racismo, transformações na família, esgotamento do capitalismo, limites do sexo, pedofilia… e até distúrbios alimentares. O eixo é o editor Hoffmeester, um dos personagens mais desagradáveis já surgidos – foi abandonado pela mulher, que não suporta o modo insosso como ele encara o sexo e o amor, e é desprezado pela filha primogênita, que o considera um conservador avarento e repulsivo. Seu drama: apesar de detestar a humanidade, ama obsessivamente a filha caçula, Tirza, e ela está para deixar seu perfeito lar, na companhia de um odioso, na visão dele, homem de ascendência árabe.

Autor de sete romances, entre outros livros de poesia e não ficção, fã de Coeetzee, Joseph Roth e Isaak Babel, professor em universidades de Amsterdã, onde cria experimentos neurocientíficos para compreender o fenômeno da criação, o prodigioso Arnon Grunberg, 44, é o nome central da nova literatura holandesa – embora more em Nova York, onde trabalha como jornalista, produzindo reportagens em que se infiltra entre tropas norte-americanas no Iraque e no Afeganistão, visita Guantánamo, retrata massagistas romenos, garçons suíços ou pacientes de um hospício belga. Mal aproveitou sua visita ao Brasil – estava com terríveis dores de dentes e só saía dos dentistas para ir a palestras ou comer em restaurantes japoneses (“pensar no Brasil me dá dor de cabeça”, lamentou), papeou com a Continente sobre como usou sarcasmo e melancolia em cada linha desta verdadeira bomba-relógio, cujo engenhoso clímax deixa qualquer leitor estatelado na poltrona.

CONTINENTE Estou lendo outro livro holandês, No mar, de Toine Heijman, em que outro personagem “cinza”, também um pai amoroso que tem uma vida tediosa (no livro de Heijman a aventura é o mar; no seu, é o hedge fund). Pensei que talvez o tédio pudesse ser um problema central em sociedades bem organizadas como a holandesa (o mesmo me ocorre quando estou lendo Knåusgard, em relação a Noruega e Suécia). Você acha que a apatia ou a anedônia podem ser temas literários?
ARNON GRUNBERG Não li o livro de Heijman ainda, então fica difícil, senão impossível, falar sobre ele, mas não concordo que Hofmeester tenha uma vida chata. Ele tem uma vida superempolgante: não apenas perdeu todo o seu dinheiro, ou a maior parte dele, perdeu seu emprego, mesmo que ele receba um salário até sua aposentadoria, perdeu sua mulher, e sente que vai perder sua filha caçula também. Claro que Hofmeester é um sujeito de classe média, diria que ele é a quintessência da classe média, e a segurança é uma das grandes obsessões da classe média, e pode-se pensar que a segurança cedo ou tarde leve ao tédio, mas o problema é que, de um jeito certo ou errado, Hofmeester sente que não há segurança alguma em sua vida. Em relação a Knåusgard, não posso falar sobre ele, deveria voltar aos seus livros. Só preciso dizer que, até onde sei, o romance Tirza não fala sobre o tédio. Mas é claro que o leitor está sempre certo.

CONTINENTE Hofmeester é um dos mais desprezíveis personagens que eu li – e, apesar disso, durante a leitura nós torcemos por ele, odiamos e sofremos com ele. Quem ou o que inspirou você em criar um sujeito desses?
ARNON GRUNBERG Desprezível… sim e não: ele é muito humano. Sua violência é de fato muito humana, ele não é um personagem violento, ou ao menos não é mais agressivo que a maioria dos homens. Mas está perdendo o controle. Acho que muitos de nós conseguem se identificar mais ou menos com uma pessoa que está perdendo o controle. Não perdemos o controle nós todos? Mesmo que não de uma forma violenta como Hofmeester, mas ainda assim…

CONTINENTE Controle e perfeccionismo são alguns dos conflitos de Hofmeester. É um idealista, porém também um típico homem de seu tempo. Mas ele é do mal… Se eu dissesse que retratou um homem no exato momento em que se descobre um nazista, estaria errado? Se ele é um nazista?
ARNON GRUNBERG Não, nem um pouco! Ele é muito civilizado. Não é um fascista, não consegue escapar da autoindulgência e da ideia de que está cercado por inimigos. Para o nazismo ou o fascismo precisamos de mais do que isso. Ele tem uma consciência. Ele é um homem que descobre que seu autoconhecimento, mesmo depois de tantos anos, permanece muito limitado.

CONTINENTE Colonialismo, lucro, inferno conjugal, crise de meia-idade, hiato geracional… alguns dos temas de Tirza me lembram Roth e Houellebecq. Mas reside alguma sinceridade no seu sarcasmo. Ironia e sarcasmo são lentes para filtrar a realidade?
ARNON GRUNBERG Claro que sou sincero – no fim das contas, sou só um romancista, não um satirista. E amo profundamente meus personagens.

CONTINENTE Quais são seus autores favoritos?
ARNON GRUNBERG Coetzee é muito importante para mim, por sua sinceridade. Joseph Roth, por causa de sua melancolia. E Isaak Babel, por causa de sua ironia.

CONTINENTE Fale sobre suas impressões do Brasil…
ARNON GRUNBERG Infelizmente não vi muito do Brasil, não o suficiente. Tive problemas com os dentes, como você sabe. Minha visita foi preenchida por muitas visitas a dentistas. Dentistas muito gentis. Quando penso no Brasil, penso em dor de cabeça. Mas voltarei, para ter uma impressão melhor do seu país.

CONTINENTE Está escrevendo um novo livro?
ARNON GRUNBERG Sempre. Um novo romance. 

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