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“É a história de um pai que está perdendo o rumo de sua vida”

Em seu romance 'No mar', o escritor holandês Toine Heijmans traz a história de um experiente velejador que perde da filha em alto-mar

TEXTO Ronaldo Bressane

01 de Novembro de 2015

Toine Heijmans

Toine Heijmans

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem  de "Leitura" | ed. 179 | nov 2015]

"Sendo um pai de três crianças
, não consigo imaginar como é esquecer um filho dentro do carro: quando estou com meus filhos, estou esperto como uma águia – e acho que a maioria dos pais é assim”, contava Toine Heijmans, ao ser confrontado com o tema de seu livro com um drama infelizmente contemporâneo. Em No mar, o protagonista, um experimentado velejador, vai fazer uma viagem com a filha entre Dinamarca e Holanda – e, pesadelo, perde a menina em alto-mar. O elemento é tema recorrente na obra deste conhecido jornalista holandês, cujo livro de cabeceira, é Moby Dick, de Herman Melville.

Depois de publicar o segundo romance, o elogiado Pristina, Heijmans escreveu uma série para a TV holandesa e já começou a pensar em um novo livro. “Na vida diária trabalho em um jornal, então tenho pouco tempo. Mas escrever ficção é algo que nunca vou parar de fazer”, diz. Esta foi a primeira visita de Heijmans ao Brasil e ele ficou impressionado como as livrarias estavam cheias. “Parece que os livros estão realmente vivos no Brasil! Foi muito legal sentar no meio da Livraria Cultura e falar sobre livros. Tenho que voltar: meu irmão é um professor de capoeira em Amsterdã, ele me diz o tempo todo que eu tenho de ir pro Nordeste, então na próxima vez eu irei pra aí”, promete.

CONTINENTE Perder sua própria filha em mar aberto é uma das piores experiências que um pai pode ter. Já te aconteceu algo parecido a esse horror
TOINE HEIJMANS É pura ficção, apesar de eu de fato ter um veleiro (escrevi o livro dentro do barco) e ter uma filha. Velejamos às vezes, mas nunca no mar aberto. Tive a ideia para o livro no deserto do Marrocos; fui pra lá quando minha filha tinha seis anos. Ela gostava de subir as enormes dunas vermelhas, e quando estava no topo de uma, pulou, e desapareceu. Quis escrever sobre esse sentimento, sentir o sumiço. Mas não sei muito sobre o deserto, e bastante sobre o mar, então mudei o cenário para o Mar do Norte. O único horror que me aconteceu foi um acidente enquanto fazia windsurf perto de Amsterdã: quebrei minha perna esquerda e por duas horas fiquei totalmente sozinho na água gelada. Então fui salvo por um barquinho que passava. Assim, na parte em que Donald está na água, congelado e assustado, eu lembrei de mim mesmo.

CONTINENTE O apagão de seu personagem é de ordem bem esquisita. De onde você tirou essa ideia?
TOINE HEIJMANS Velejar sozinho no mar aberto não é só fisicamente muito difícil, é também um jogo mental. Li um monte de livros sobre velejar em solitário, e conheço alguns velejadores solitários, sei que todos eles tiveram difíceis momentos em que não pareciam eles mesmos. Escutam vozes, veem coisas — estar sozinho em um barquinho, com todas aquelas ondas, o sol queimando, a chuva batendo em você, isso mexe com o cérebro humano. Por isso escolhi a citação de Donald Crowhurst como epígrafe (“Não há razão para arriscar…”): ele participou da primeira corrida em solitário ao redor do mundo e ficou maluco. Acho que o Donald de No mar é um cara bem simples, que está estressado por causa de seu trabalho e de sua vida em família. Ele tem que ser –um homem moderno tem que ser – bom em tudo: trabalho, família, paternidade, relações… Assim ele tem de ser um super-homem, ou sente que tem de ser. Mas ninguém é um super-homem. Você tem que sempre desconfiar dos super-homens (e mulheres). São apenas gente normal atuando como se fossem mais do que o normal.

CONTINENTE Gosto da frieza de sua linguagem, que, de em algum modo, reflete a apatia de Donald. Curiosamente, estou lendo outro livro holandês, Tirza, que tem um outro personagem “cinza”, também um pai amoroso que tem uma vida chata. Comecei a pensar que o tédio pode ser um problema central em sociedades como a Holanda (o mesmo me ocorre lendo Karl Ove Knåusgard quando se refere à Noruega e Suécia). Você acha que a apatia ou a anedônia podem ser grandes temas literários?
TOINE HEIJMANS Existe, sim, uma ressonância com o romance do Arnon, no sentido de que é a história de um pai que está perdendo o rumo de sua vida. Acho que ambos são personagens bem interessantes. Agora, quanto ao tédio… Humm… sei não. Claro que a apatia pode ser um grande tema, mas não acho que tem muito a ver com a sociedade holandesa. Como romancista, você tem que sempre procurar por personagens e histórias que se confrontem com outros personagens e histórias. Donald de fato é um bom homem, sua apatia é mais uma maneira de não saber o que fazer. Ele quer ser forte, mas não é, assim como a maioria de nós tenta parecer forte, mas não é. De fato, eu penso mesmo que a maioria das pessoas é um pouco apática. Não seria bom se todos quisessem ser líderes… No alto-mar, e nas famílias, ser apático se vira contra você no fim – e é isso que acontece com Donald. 

RONALDO BRESSANE, jornalista e escritor, publicou, entre outros, os livros Céu de Lúcifer e O impostor.

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